sexta-feira, 12 de agosto de 2016

A ESTRADA DE VASSILI GROSSMAN


O ucraniano Vassili Semiônovitch Grossman nasceu em Berdítchev no dia 12 de dezembro de 1905 – ano da morte de Anton Tchekov - seu escritor favorito. Nascido em uma família de judeus, Grossman foi criado pela mãe após a separação de seus pais. Ela ganhava a vida como professora de francês, o que deu a Grossman uma boa fluência no idioma. Entre 1910 e 1912 morou na Suíça e em 1914 começou a cursar o ensino médio em Kiev. Em 1929 formou-se em Química pela Universidade Estatal de Moscou. Nessa época Grossman já estava fascinado pela literatura, porem seu pai, um engenheiro químico, incentivava o filho a buscar uma atividade mais solida do que as letras.
Grossman trabalhou como engenheiro de segurança em uma mina e como professor de química. Em 1931 foi diagnosticado com tuberculose. Mudou-se para Moscou e começou a trabalhar como engenheiro em uma fabrica de lápis. Nesse período ela já começava a ganhar a vida como escritor. Em 1934 seu conto “Na cidade de Berdítchev” foi publicado por uma prestigiada editora e rapidamente recebeu elogios de escritores consagrados como Issaac Bábel e Maksim Gorki.
No ano anterior ele havia se divorciado de sua primeira esposa, e em 1936 casou-se com Olga Mikhailovna, com a qual manteve um caso amoroso desde o ano anterior. Em 1938, logo após o auge do grande terror stalinista, Olga foi presa. Grossman assumiu a guarda de seus dois filhos e chegou a enviar cartas a Nikolai Yejov – chefe do NKVD, a policia política soviética - defendendo a esposa. Ela seria libertada ainda naquele ano. Sua vida seria conturbada, o pior ainda estava por vir. Aquele século marcaria sua vida profundamente, e sua escrita seria o reflexo disso.
Vassili Grossman
Lançado recentemente pela editora Alfaguara a obra “A estrada” reúne contos, cartas e relatos jornalísticos intercalados por textos sobre a biografia de Grossman. Inicialmente estranhei um pouco essa mistura de textos literários com textos de não ficção, no entanto, a obra possuía uma divisão bastante didática.
Dividida em cinco partes a obra abrange textos que circunscrevem toda a vida do autor. A primeira parte começa com uma introdução biográfica, escrita por Robert Chandler e Yury Bit-Yunan, e inclui três contos escritos ao longo da década de 1930. O primeiro deles é “Na cidade de Berdítchev” que se passa durante a guerra Russo-Polonesa (1919-1921) e conta a história de Vavílova, uma intempestiva comissária do exercito vermelho irritada por seu afastamento dos combates por causa de sua gravidez.
Vavílova enxergava o filho em sua barriga como uma doença e na tentativa de “curar” o seu estado físico havia recorrido a cavalgadas, esforço físico carregando toras de pinheiro, ingestão de iodo e chá de ervas. Apesar dos seus esforços o filho continuava crescendo em seu ventre como uma força irrefreável da natureza. O conto termina com Vavílova abandonando o filho recém nascido para se juntar ao exercito vermelho. Mais um órfão criado pelas obrigações para com o Estado soviético. O contexto remete imediatamente a obra de Issaac Bábel, “Exercito de cavalaria”.
Na segunda parte estão quatro textos - dois contos e dois de não ficção – escritos durante a segunda guerra mundial e nos primeiros anos do pós-guerra. Quando o conflito bateu as portas da União Soviética, em 22 de junho de 1941, Grossman tinha apenas 35 anos, mas foi classificado como inapto para o combate. Enviado ao front como correspondente de guerra ele redigiu textos impressionantes sobre o que testemunhou. E nesta segunda parte que estão os dois textos que mais me impressionaram: “O inferno de Treblinka” e “A madona sistina”.
“O inferno de Treblinka” é indescritivelmente apavorante. A descrição metódica dos métodos empregados no campo de extermínio de Treblinka, na Polônia, desde a chegada dos prisioneiros, amontoados em vagões de trem, até a incineração dos corpos chega a ser difícil de ler. Por vários anos me dediquei a ler livros sobre o Holocausto e nas muitas obras que li vi o pior da humanidade, vi o que as pessoas são capazes de fazer umas as outras. Cheguei ao ponto de achar que não me impressionaria com mais nada em relação ao tema, mas quando li o texto de Grossman percebi que o Holocausto ainda me reservava uma serie de surpresas negativas.
Os métodos de coerção psicológica e dominação da vontade individual, a brutalidade gratuita dos guardas que se divertiam atirando nas pessoas, o que acontecia dentro das câmaras de gás, filas de pessoas nuas sendo atacadas por cães treinados, tudo isso é descrito de uma forma tão viva que provoca arrepios.
Os homens da SS foram especialmente cruéis com aqueles que vinham da rebelião do gueto de Varsóvia. Separaram do grupo as mulheres e crianças, levando-as não para as câmaras de gás, mas para os locais de incineração de cadáveres. Mães enlouquecidas de terror eram forçadas a conduzir os filhos para o meio das grelhas incandescentes, onde milhares de corpos mortos retorciam-se nas chamas e na fumaça, onde cadáveres se agitavam e crispavam como se estivessem vivos, onde as barrigas de defuntas grávidas rebentavam com o calor, e os filhos mortos antes de nascer ardiam no ventre aberto das mães. (...) As crianças agarravam as mães com gritos ensandecidos: “Mamãe, o que vai acontecer conosco, vamos ser queimados?” Nem Dante viu um quadro assim em seu inferno.
“A madona sistina” foi talvez o texto que mais me surpreendeu. Ao vislumbrar a pintura de Rafael - gênio do renascimento italiano – exposta temporariamente em Moscou em 1955, Grossman mergulhou no turbilhão do seu passado e descreveu a imagem como um retrato da afetividade materna em meio a tragédia de seu tempo. Viu no rosto da criança uma maturidade mais expressiva que no rosto da mãe e lembrou-se das cenas lamentáveis dos campos de extermínio, onde crianças consolavam suas mães em prantos diante das câmaras de gás. “Seremos vingados”, diziam aquelas pequenas almas ainda presas aos seus corpos prestes a serem queimados como lixo. Na serenidade do rosto da madona viu a aceitação do destino que se desnudava diante dos olhos. “O que é humano no homem vai ao encontro de seu destino, e, para cada época, há um destino especifico, diferente do da época precedente. O que há em comum entre esses destinos é que eles são sempre duros.” A bela representação artística de Rafael era o retrato das vitimas do sangrento século XX.
"A Madona sistina" de Rafael
A terceira parte possui seis contos, dentre os quais está “A estrada”, conto que dá nome a coletânea. Neste texto o personagem principal é uma mula chamada Giu que servia ao exercito italiano, durante a invasão da União soviética, transportando canhões de artilharia. Diante da imensidão do território russo, do cansaço que tomava conta de suas quatro patas, da lama, da chuva e do frio, Giu agia com indiferença as adversidades. “Para Giu, ser ou não ser tornara-se indiferente; era como se uma mula tivesse resolvido o dilema de Hamlet.”
Os dois contos que mais gostei da terceira parte são “O alce” e “A cachorra”. No primeiro Grossman volta a buscar o conceito de amor materno através do comportamento de um alce, cuja cabeça adorna a casa do homem moribundo que o matou. Em “A cachorra” ele conta a história de um vira-lata, apanhada nas ruas de Moscou, que é enviada ao espaço. Aqui ele aborda a questão da perda da inocência da ciência, uma das maiores calamidades da era moderna, pois a tecnologia deu nova dimensão ao conceito de violência. Grossman contrasta o comportamento inocente da pobre cachorrinha com as ambições cientificas do período:
Sua infância fora sem teto e sem comida, mas a infância é a época mais feliz da vida. Especialmente boa foi a primavera, os dias de maio na periferia da cidade. O cheiro de terra e grama fresca enchia a alma de felicidade. A sensação de alegria era aguda, quase insuportável; quase não tinha vontade de comer, de tão feliz que estava. (...) Parava com as patas dianteiras na frente de um dente-de-leão e, com alegre voz infantil, convidava a flor a participar da correria (...)
Na quarta parte estão reunidas as duas cartas de despedida que Grossman escreveu a sua mãe, Iekaterina Savêlievna, após sua morte. A primeira foi escrita em 15 de setembro de 1950 – data do nono aniversario de morte de Iekaterina. A segunda foi escrita em 15 de setembro de 1961, vinte anos após a morte de sua mãe. Alguns textos também estão presentes na obra “Um escritor na guerra”, lançado pela editora Objetiva, porem, os textos presentes em “A estrada” estão mais completos.
Na última parte estão reunidos algumas cartas e dados biográfico do autor, bem como o conto “Descanso eterno”, no qual Grossman conceitua a morte:
Não é possível ver, nem observar a alma do morto, seu amor e pesar nos túmulos, nas inscrições das lapides, nas flores, nos montículos das sepulturas. A pedra, a musica, o pranto em sua memória, as orações são importantes para transmitir seus mistérios. Diante do caráter sagrado desse mistério silencioso, são desprezíveis todos os tambores e trombones do Estado, a sabedoria da historia, a pedra dos monumentos, o clamor das palavras e as orações memoriais. Eis a morte.
Trata-se de um excelente livro que trás em suas paginas as marcas da genialidade literária ucraniana. Vale muito a pena ser lido!
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
Autor: GROSSMAN, VASSILI
Tradutor: PERPETUO, IRINEU FRANCO
Editora: ALFAGUARA BRASIL
Ano de Edição: 2015
Nº de Páginas: 336

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O PODER DO VERDE


Na mitologia egípcia Osíris – deus que representa a fertilidade, o renascimento e a vida, é reconhecido nos hieróglifos por uma de suas características mais evidentes: a cor verde. O verde sempre foi uma cor associada à vida, naturalmente responsável por invocar a imagem da natureza. No extremo oposto está o vermelho: cor símbolo da paixão, do pathos – palavra grega que significa sofrimento –, do amor, forma singular de obsessão por outra pessoa. Vermelho é a cor do sangue... vermelho é a cor da morte.
O leitor do presente texto não deve ter deixado de estranhar o fato de o titulo do texto está em desacordo com a imagem de um quadrado vermelho. Não se trata de daltonismo, mas de um simples experimento: se observar por alguns segundos, sem desviar o olhar, para a imagem acima e em seguida foca a visão em uma parede branca, assim que você começar a piscar verá diante de seus olhos o mesmo quadrado, porem com uma cor verde. Até aqui nada de assustador, trata-se apenas de um fenômeno desencadeado por cores complementares e perfeitamente explicado pela óptica. A experiência tola que descrevi acima serve para explicar uma reflexão filosófica que tive há algum tempo: a de que a imagem da vida é também a imagem da morte!
Aquele que por muito tempo permanece diante da imagem da morte começa a buscar, inconscientemente, a imagem da vida. Cirurgiões que passam horas olhando para o sangue vermelho de seus pacientes passam a sofrer distúrbios visuais e enxergar manchas verdes azuladas. É por isso que os lençóis e roupas usadas pelos médicos em salas de cirurgia são azuis ou, como na maioria dos casos, verdes. A dimensão subjetiva entre a cor que simboliza a vida e a cor que simboliza a morte parece ter profunda influência nos mecanismos que levaram o homem a associar ambas as cores aos extremos opostos que caracterizam a eterna contingência felicidade-tristeza. Criamos nossos próprios padrões de beleza, fazemos generalizações arbitrarias da realidade, retalhamos, reduzimos ou ampliamos os significados dessa mesma realidade obedecendo a mecanismos inconscientes que na maioria dos casos são incapazes de compreender seu papel num primeiro momento. A associação entre um fenômeno e o seu significado se opera de forma inconsciente.
Outra forma de expressão, puramente particular, que se constrói de forma inconsciente é a inspiração artística. Os maiores nomes das artes plásticas e da literatura que marcaram o século XIX construíram toda a sua filosofia criativa a partir de uma bebida famosa, cuja cor lhe renderia inúmeros apelidos como “musa dos olhos verdes” ou simplesmente “fada verde”. Trata-se do polemico absinto. Cinco da tarde era a chamada de “hora verde” pelos parisienses da belle epoque. Era exatamente nessa hora que o consumo de absinto atingia o auge dando inicio a rodada de prazeres que se estendia por toda a noite.
O poder do absinto se devia ao seu elevado teor alcoólico (70%) é a presença de uma substancia estimulante que provocava uma forma leve de alucinação: a Turjona. Seu nome vem do grego “apsinthion” que significa “intragável” devido ao gosto fortemente amargo. A Artemísia, planta utilizada em sua fabricação, era muito utilizada na antiguidade para combater febres, principalmente as provocadas pela Malaria – doença que assolou os egípcios nos tempos dos faraós. Uma ironia a parte, pois o chá de Artemísia empregado pelos egípcios possuía a mesma coloração verde de seu deus Osíris.
Na Roma antiga era comum dar aos vencedores das corridas de bigas uma infusão da erva de Artemísia para mostrar que a vitoria não ocorria sem certa dose de amargura. Aqui mais uma vez o caráter filosófico do absinto, e portanto do verde, reaparece: vitoria como resultado do sofrimento assim como a morte é resultado da vida.
Não se sabe ao certo quando o absinto, bebida como atualmente é conhecida, foi inventada. Acredita se que tenha sido criada no século XVIII por volta de 1792. Henri Louis Pernoud, famoso fabricante de bebidas, construiu uma fabrica para produção de absinto em Pontarlier, próximo a fronteira com a Suíça. Em 1896 a fabrica chegava a produzir 125 mil litros de absinto por dia. Em 1910 cerca de 36 milhões de litros de absinto foram consumidos em toda a França. Vale lembrar que o absinto francês do século XIX era infinitamente mais forte que o atual.
Os parisienses recorriam a inúmeras substâncias entorpecentes e ou alucinógenas. A morfina era muito utilizada pelas mulheres, o éter era um recurso mais barato para aqueles dispostos a embarcar numa forma única de transcendência química depois de uma breve cheirada. Em alguns locais era possível comprar morango em caldas de éter. Não é sem motivo que muitos incêndios provocados por vapores de éter ocorreram durante o século XIX.
O absinto contem grandes quantidades de Turjona, um terpeno tóxico que provoca convulsões decorrentes de uma super estimulação do sistema nervoso autônomo. O acido Gamma-aminobutirico é uma substancia que regula as transmissões entre as sinapses neurais e a Turjona, presente no absinto, inibe a ação do acido Gamma-aminobutirico provocando um aumento das transmissões sinápticas desencadeando tremores e excitação. Caso seja consumido associado a algum outro estimulante, como a Nicotina, o processo pode levar a contrações musculares e convulsões. O absinto já é classificado como Speedball - substancia formada pela combinação entre estimulante e entorpecente. A Turjona age como estimulante e o álcool como entorpecente. Curiosamente o álcool acaba impedindo que o consumidor ingira uma dose letal de Turjona.
Na mais famosa obra de Robert Louis Stevenson, “O medico e o monstro”, o Dr. Jekyll cria uma formula capaz de separar o bem do mal: sais brancos eram adicionados a uma substancia com odor de éter e aos poucos a mistura assumia uma coloração verde. Beber aquilo libertava sua alma do seu alter ego, representado pela figura do Sr. Hyde. Jekyll sentia uma necessidade incontrolável de permitir que os rugidos reprimidos de sua alma se libertassem. Edward Hyde, um demônio do inconsciente, lutava para se sobrepor a Jekyll, e este, fatigado pelo esforço de reprimir seu pólo pulsional, se rendia ao seu vicio.
Jekyll serve como exemplo literário para um fenômeno químico psicológico da modernidade: o dependente químico não se torna escravo de uma substância, mas da personalidade que esta mesma substancia produz. Um viciado em morfina se torna dependente do seu estado sob o efeito analgésico da droga, ou seja, da ausência da dor e não da substancia química em si. “Os poderes de Hyde pareciam haver crescido com a debilidade de Jekyll” – escreveu Stevenson em sua obra. De fato o vicio se torna mais intenso a medida que debilita sua vitima. Em alguns momentos a descrição de Jekyll de suas crise que antecediam as recaídas se assemelham ao delirium tremens observado em vitimas do alcoolismo:
“Fui acometido de uma vertigem, uma náusea horrível e um tremor mortal. Essas sensações passaram, me deixando a beira de um desmaio; depois, quando também a tonteira se dissipou, comecei a tomar consciência de uma mudança na natureza de meus pensamentos, uma maior audácia, em desprezo pelo perigo, uma dissolução dos laços do dever.”
Outro ponto levantado pela obra de Stevenson, embora de forma bastante sutil, e o do aspecto benéfico e ao mesmo tempo nocivo da química. A mesma substancia capaz de provocar dor também a alivia. A Heroína, por exemplo, é um dos mais poderosos anestésicos já produzidos pelo homem! Quem poderia imaginar que um remédio tão “heróico” se tornaria um “vilão”? Infelizmente, conforme já foi dito por Joe Schawarcz e reforçado no conto de Stevenson, as pessoas tendem a se concentrar nos aspectos negativos durante suas avaliações deixando de lado inúmeros aspectos benéficos. Os monstros nascem amparados por aqueles que diante da luz somente enxergam sombras.
Por que Stevenson descreveria a substancia criada por Jekyll como verde pálida? Seria uma referencia ao absinto? Seria apenas um adorno estético sem nenhum significado subjacente? Na época o verde era considerado uma cor estética, pois combinava com as cores que predominavam em meio a decoração da década de 1890. Seria o “sal branco” uma referência ao açúcar utilizado pelos adeptos do absinto? Aqui já embarcamos no terreno falho da conjectura da criação literária.
Voltando ao ponto inicialmente exposto no texto, isto é a relação entre vida e morte, fica claro que a vida urbana é plena de sensações para aqueles que se permitem embarcar em variados níveis de transcendência; o perigo, neste caso, é o principal combustível e o verde a mais inebriante das cores. Existe uma frase, utilizada em referencia ao absinto, que descreve perfeitamente o paradoxo da filosofia da vida como reflexo da morte: “mata, mas te faz viver”.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
Para saber mais sobre a historia do absinto:
ABSINTO - UMA HISTORIA CULTURAL
Autor: BAKER, PHIL
Editora: NOVA ALEXANDRIA
Ano: 2010
Nº de Páginas: 228

terça-feira, 2 de agosto de 2016

A DECADÊNCIA DEMOCRÁTICA E A INÉRCIA SOCIAL DO VOTO


O século XX sinalizou a brusca incorporação de mecanismos sociais que solaparam a crença no liberalismo. O enfraquecimento das instituições e dos valores jurídicos liberais, que se desenvolveram ao longo de todo o século anterior e cuja solidez era amplamente reafirmada, consistiu talvez no primeiro grande golpe na atmosfera positivista da virada do século. A ideia de um governo representativo no lugar de um absoluto se apresentava com uma lógica cujos mecanismos pareciam já consolidados e aceitos pela ampla maioria, excluindo-se e claro os mais radicais defensores do centralismo político que pareciam ver pouca ou nenhuma vantagem na ampliação das bases do poder.
A lei parecia ter encontrado o perfeito tom jurídico que lhe permitisse funcionar como garantia dos valores sociais constitucionalizados. Excluindo-se a atmosfera de tensão política característica da virada do século, nada mais parecia indicar, pelo menos em contornos bem nítidos, que os métodos de governo autoritário voltariam a ganhar espaço. De certa forma o aprimoramento dos diversos ramos da ciência, ou seja, dos métodos políticos, econômicos e sociais deram forma a um otimismo que praticamente subestimou o poder devastador que o nacionalismo teria. A partir da década de 1920 a civilização liberal começou a desmoronar diante da associação detonante entre nacionalismo e militarismo. Ironicamente o golpe desferido nesse período contra os valores liberais veio da direita política e não da esquerda. O movimento trabalhista já era de fato um significativo e poderoso recurso das massas, porem os marxistas social-democratas se ateram aos valores democráticos e os comunistas ainda eram uma minoria dispersa. Embora se temesse uma onda de revoltas desencadeadas pelos comunistas o golpe não viria através da foice e do martelo. Nos vinte anos que marcaram a desfragmentação do liberalismo nenhum governo liberal-democratico caiu por meio de movimentos da esquerda.
Com pouca freqüência foi levantado o papel inegável da direita como desencadeadora dos métodos autoritários de governo do inicio do século XX. A alegação recorrente de que a linha anti democrática adotada pela direita seria uma resposta ao movimento da esquerda é falha por desconsiderar o elemento humano e sua tendência de canalizar as experiências pessoais e traduzi-las a termos políticos. A maioria dos lideres da direita radical foram moldados nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Foi ali, na lama das trincheiras que o ultra nacionalismo característico de sua linguagem política dos anos posteriores nasceu. A primeira grande guerra forneceu a base moral para o fanatismo político que arrasou a primeira metade do século XX.
Um fato interessante e que a direita não direcionou seu ódio apenas aos comunistas, mas a todo movimento contrario ao estatus quo da sociedade. Defendiam o conservadorismo adotando métodos radicais. A perda gradual de poder representativo de um Estado abre caminho para a explosão de diversos núcleos de opinião. Indivíduos incapazes de avaliar corretamente o contexto político do momento passam a construir generalizações que pouco a pouco alimentam as desconfianças e expõem os limites da democracia.
O grande drama da democracia moderna não são suas falhas como doutrina, mas seus métodos: sua base se constrói sobre os elementos da burocracia representativa, cujos membros não possuem credibilidade junto à opinião publica. O voto não mais cumpre o seu papel como legitimador do poder público. Atualmente o voto é mais uma inércia social do que um ato de cidadania.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

terça-feira, 26 de julho de 2016

ANA KARÊNINA NO JARDIM DAS CEREJEIRAS


“Eu penso que, se há em cada cabeça um juízo, haverá um tipo de amor para cada coração.”
- Ana Karênina
A estrutura escolhida por Tolstoi coloca em relevo as marcas que caracterizam o romance. Pode-se dizer que as tramas que ocorrem paralelamente possuem um ritmo intermitente bem pronunciado através de capítulos curtos e ágeis. Em um dado momento estamos lendo sobre as dificuldades da vida no campo e, subitamente, somos jogados em meio aos dilemas da sociedade urbana.
O principal tema do romance “Ana Karênina” não me parece ser o adultério, mas a sociedade russa do final do século XIX, polarizada entre os costumes da alta sociedade e os do meio rural. O adultério, tema invocado logo nas primeiras paginas, se insere na trama como uma espécie de reflexo adversativo dos valores referentes à reciprocidade arcaica das relações familiares.
Apesar do titulo a obra possui três protagonistas – cuja importância no contexto se define a partir do ponto de vista do leitor. O fato de Tolstoi ter optado por nomear seu romance com o nome de um dos personagens parece remeter a importância que o autor atribui aos dilemas enfrentados por esse personagem. Diante desta premissa literária, aparentemente, temos a impressão de que a personagem de Ana teria como objetivo fazer coro aos valores cristão na imagem do pecador que sofre por violar os mandamentos superiores.
Encarar as mais de 400 paginas do romance com essa idéia pré concebida certamente resultará numa compreensão pobre: a de que o livro conta a história de uma mulher que comete adultério e que em função disso passa a ser julgada pela sociedade. Tolstoi, como um dos grandes representantes da literatura russa, famosa por sua profundidade psicológica e por personagens construídos em três dimensões – físico, psicológico e religioso – vai muito além da impressão inicial. Em Ana Karênina, Tolstoi se iguala a Shakespeare ao mostrar que a tragédia humana nasce sob o amparo de seus desejos e de suas escolhas motivadas pelos sentidos.
Confesso que durante a leitura não senti empatia pela personagem de Ana. Suas falhas como esposa foram, ate certo ponto, compreensíveis dada à tendência de Aleksei (seu marido) de agir como um ser sobre-humano. O que mais destrói o apego do leitor pela personagem e a sua tendência insuportável de incorporar a imagem da figura trágica. A altiva e impulsiva Ana aos poucos sede espaço para uma mulher chorona, viciada em morfina e que a todo custo busca justificar seu comportamento obsessivo a partir do comportamento alheio.
Diametralmente oposto a Ana está Levin, talvez o mais fascinante personagem da obra. As leis do desenvolvimento estariam presentes nas relações de dependência entre o homem e o meio ambiente? Essa pode parecer uma pergunta bastante atual, no entanto, ela é o núcleo da obra escrita por Levin que ao buscar as relações de dependência entre homem e natureza acabou colocando a sociedade agrária russa do final do século XIX como a questão central do desenvolvimento industrial do século posterior.
Outro gênio da literatura russa que adotou um olhar semelhante sobre a sociedade agrícola de seu país foi Anton Tchékhov. Posso dizer que me encantei pela prosa de Tchékhov. Eu ainda não havia tido o prazer de mergulhar em sua obra até que recentemente li “O jardim das Cerejeiras”, sua ultima e mais famosa peça. Escolhida para ser representada pelo Teatro de Artes de Moscou logo após a noticia da vitoria sobre a Alemanha Nazista, em maio de 1945, a peça consistia num marco simbólico da historia russa. Misteriosamente ela possui um forte componente transicional, uma autêntica introdução artística a mudanças sociais e políticas: foi a ultima peça a ser encenada em São Petersburgo antes da tomada do poder pelos Bolcheviques.
Trata-se de uma peça curta, de quatro atos, que mantém uma linguagem absurdamente cômica até a mudança para um tom mais dramático no final. A história gira em torno de uma família da decadente aristocracia russa cujo drama se constrói a partir da venda da propriedade onde está o outrora produtivo jardim das cerejeiras. Logo no inicio percebemos o uso metafórico do jardim como retrato do passado rural da sociedade russa. A nostalgia desencadeada pela proximidade do leilão retrata o sentimento dominante entre as tradicionais famílias aristocráticas diante das incertezas trazidas pelo século que se descortinava. Retrato de seu tempo o jardim simboliza um passado cujos moldes não se encaixavam dentro da nova realidade.
“O jardim das cerejeiras” marca o fim da carreira de Tchékhov e também o fim de uma longa era da historia russa ligada ao campo. As sombras em meios aos pés de cerejeira contrastam com a beleza contemplativa e ao mesmo tempo condenada ao esquecimento. O lugar que tantas lembranças guardava se encontrava diante daquela forma de morte que acomete os despossuídos de alma: o esquecimento.
Tolstoi e Tchékhov construíram obras de inigualável grandiosidade e cuja mensagem é bastante clara: Quando deixamos para traz o passado algo de belo se perde. A natureza tem seus métodos de deixar sua marca. O jardim, segundo Tchékhov, ou o campo, segundo Tolstoi, é o coração do homem: assolado pelos ventos e inconstante devido às mudanças provocadas pelo tempo. Possui uma beleza enraizada no solo fértil da esperança da primavera. É generoso com aqueles que se dedicam ao seu cultivo. O passado que se oculta as sombras de suas arvores às vezes parece morto como folhas secas e às vezes doce como uma cereja.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

quarta-feira, 13 de julho de 2016

INTERPRETAÇÃO DA MUSICA “I STARTED A JOKE” – BEE GEES


I started a joke
Which started the whole world crying
But I didn't see
That the joke was on me
I started to cry
Which started the whole world laughing
Oh, if I'd only seen
That the joke was on me
I looked at the skies
Running my hands over my eyes
And I fell out of bed
Hurting my head from things that I'd said
'Till I finally died
Which started the whole world living
Oh, if I'd only seen that the joke was on me
A canção “I Started a Joke”("Eu comecei uma piada") é um dos maiores sucessos do Bee Gees. Lançada como Single em 1968 a letra possui um forte traço reflexivo. A própria melodia que preenche a canção possui um ritmo que acompanha o forte sentimentalismo do vocal. Interpretações diversas já foram feitas de seus versos, mas gosto de interpretar essa canção como uma espécie de lamento, uma desolação sentimental diante da estupidez e do conservadorismo humano, traços marcantes de nossa sociedade.
Eu comecei uma piada
Que fez o mundo inteiro chorar
Mas eu não vi
Que a piada era eu
Nesta primeira parte o individuo toma consciência da realidade. Ele chama de piada porque era engraçado como ninguém ainda não havia enxergado aquilo. Era tão obvio, embora muito pouco lógico e improvável, mesmo assim era obvio. Mas aquela era uma verdade negra, nebulosa, difícil de aceitar. Uma vez exposta causaria sofrimento, medo, incerteza, exporia um aspecto da vida que destrói os sonhos por meio da idéia de destino. O que a voz marcada pelos versos não parecia compreender e que para a maioria das pessoas a sua revelação seria motivo de riso, chacota, pois seria infinitamente mais conveniente e fácil enxergar no meio da multidão um louco ao invés de um gênio.
Eu comecei a chorar
O que fez o mundo inteiro rir
Ah, se eu apenas tivesse visto
Que a piada era eu
Seu desespero crescia à medida que era massacrado pela opinião dos demais. Riam de suas palavras e ele sofria por compreender que sabia mais do que os outros e isso trazia para si próprio a necessidade de uma atitude! Mas onde encontrar forças para seguir apresentando sua verdade?
Eu olhei para o céu
Passando as mãos sobre os meus olhos
E eu caí da cama
Machucando a cabeça com as coisas que eu disse
Aparentemente ele busca nas supostas divindades algo que lhe sirva de amparo. Recorre aos céus na busca por um raio de luz que ilumine a ignorância dos demais. Mas a ajuda não vem e aos poucos ele se convence de que tudo não passou de um sonho. Sua racionalidade começa a ser questionada, não pelos outros, mas por si próprio. A loucura da realidade de alguém que sufoca sua voz interior em nome do senso comum acaba por levá-lo ao delírio. Sua mente havia sido machucada...a ignorância humana parecia não ter cura.
Até que eu finalmente morri
O que fez o mundo inteiro viver
Ah, se eu apenas tivesse visto que a piada era eu
Após a sua morte, após a morte daquilo que ele tanto tentou mostrar, o mundo segue vivendo como se ele nunca ouves se existido. Talvez em algum momento, em um ligeiro lapso, alguém se lembre de sua vida e diga: sim, de fato alguém já tentou trilhas as raias desse caminho, mas não era um sujeito serio... ele apenas contava piadas.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO


Piramo era o mais belo jovem de Babilônia, assim como Tisbe era a mais bela dentre as mulheres. Ambos se amavam, mas diante de seu amor havia a proibição de seus pais. Acreditando na força de seus sentimentos eles planejam uma fuga. Combinam de se encontrarem perto de uma amoreira de folhas brancas ao lado de um lago. Tisbe havia chegado ao local antes de Piramo; usava um lenço sobre a cabeça e vendo que seu amado ainda não se encontrava presente resolveu se sentar aos pés da amoreira enquanto aguardava.
Uma leoa com os restos de sua presa ainda entre os dentes se aproximou atraída pelas águas do lago. Tisbe amedrontada fugiu do local deixando seu lenço cair. Quando Piramo chegou viu a fera com o lenço de sua amada entre os dentes ensangüentados. Julgando que Tisbe havia sido devorada pela fera Piramo tira sua própria vida. Ao ver o amado morto Tisbe segue o mesmo caminho. O sangue de ambos é absorvido pela amoreira e seus frutos se tornam vermelhos, cor de sangue.
Pode parecer estranho que uma comedia, como é o caso da peça de Willian Shakespeare, “Sonho de uma noite de verão”, possa ter como núcleo a tragédia de Piramo e Tisbe. Seria de fato estranho se fosse uma abordagem literal da tragédia, mas Shakespeare conseguiu transpor o gênero trágico para o cômico ao adotar uma ótica burlesca. Nesse ponto confesso que pela primeira compreendi a dimensão de Shakespeare, como ele é atual e intenso. Ao me deparar com uma comedia com eventos dramáticos imediatamente me lembrei do trecho de uma das mais famosas canções do Bee Gees: “started a joke. Which started the whole world crying”
Não apenas a ótica diferenciada foi responsável por dar ao texto seu tom de comedia. As peças de Shakespeare pertencem ao gênero dramático. Acredita-se que esse gênero tenha surgido na Grécia antiga durante os rituais ao deus Dionísio. A comedia supostamente teria se originado dos mesmos rituais, portanto, a própria origem da comedia teatral explica a transposição entre os gêneros, inicialmente considerados sinônimos. A grande questão na peça “Sonho de uma noite de verão” é compreender a extensão do papel da natureza como elemento caracterizador.
O drama de Piramo e Tisbe possui uma arvore como objeto central, origem de toda emanação do sentido filosófico através do qual o amor é construído. A arvore, portanto, teria todos os atributos físicos - raízes, tronco, ramos e folhas – que se prestassem ao papel de representante metafórico do conceito de amor shakespereano: cresce sobre uma forte dependência afetiva (raíz), se transforma numa solida união entre corpo e alma (tronco) e se ramifica em diferentes formas através do tempo (ramos). Aqui o aspecto intermitente do amor também é explorado simbolicamente: o amor pode ser pleno de conflitos, mas de tempos em tempos ele renasce na forma de frutos e folhas. Uma arvore, testemunha inanimada do fim de uma história trágica, serviu perfeitamente a Shakespeare, um gênio que por toda a sua vida tentou sinalizar a intensidade das emoções.
A grande sacada de Shakespeare foi perceber que essa arvore simbolizava a figura do próprio dramaturgo uma vez que esta foi capaz de absorver as marcas da tragédia e expressa-las na sua própria imagem. Os eventos são limitados pelo tempo humano, mas a força por traz de tais eventos transcende os limites do tempo e se expressam na forma de arte! A natureza teria convertido a historia em arte, teria não apenas recontado uma história, mas dado um novo sentido a ela, assim como o próprio Shakespeare que, conforme se acredita, não escrevia roteiros originais, mas criava histórias a partir de fatos reais, ou seja, dava um novo sentido à realidade.
A história de Piramo e Tisbe sugere uma antecipação mitológica do enredo que mais tarde daria forma a peça “Romeu e Julieta”, no entanto, “Sonho de uma noite de verão” possui um enredo próprio que se sobrepõe a tragédia grega. A peça começa com os preparativos para o casamento de Teseu, um Duque de Atenas, com Hipólita, rainha das amazonas. Teseu é chamado para ajudar a solucionar um dilema amoroso: Demetrio, um nobre de Atenas, é apaixonado pela filha de Egeu, chamada Hérmia, que por sua vez é apaixonada pelo príncipe Lisandro. Teseu apresenta a Hérmia três alternativas: ou casa-se com Demetrio conforme a vontade de seu pai; se converte e passa a viver a clausura de um convento ou abandona o amor de Demetrio e se entrega a Lisandro – neste ultimo caso sendo condenada a morte por desobediência ao seu pai.
A margem de todo esse dilema aristocrático está Helena, melhor amiga de Hérmia, e a mais bela dentre as mulheres atenienses. Só havia um inconveniente: Helena era apaixonada por Demetrio, que no passado havia feito juras de amor à bela Helena. Para Hérmia e Lisandro só havia uma alternativa: fugir. No teatro Shakespereano a paixão encarna o elemento trágico devido a sua força transgressora: Leis são ignoradas e laços familiares são desfeitos diante do elemento passional.
Em um bosque próximo a cidade de Atenas, Titânia, a rainha das fadas, se recusa a permitir que seu marido Oberon transforme um jovem menino em seu criado. Oberon irritado com a recusa de Titânia manda que Puck, um elfo da floresta, traga-lhe uma flor de Amor-perfeito, para que com ela faça uma poção que uma vez despejada sobre os olhos faz com que a pessoa se apaixone pelo primeiro ser vivo que encontrar pelo caminho.
Em Atenas, Helena revela a Demetrio que Lisandro e Hérmia haviam fugido para um bosque nas proximidades. Helena e Demetrio adentram na floresta no exato momento em que Puck havia partido para buscar a flor de Amor-perfeito. Oberon, que estava à espera, ficou irritado com a forma grotesca com que Demetrio tratava Helena e assim que Puck retornou mandou que este encontrasse um homem vestido em trajes aristocráticos e despeja-se sobre seus olhos um pouco do suco da flor. Oberon segue para o local onde Titânia dorme e despeja em seus olhos a porção.
Enquanto isso Puck vaga pela floresta a procura de seu alvo e acaba encontrando uma companhia de atores que ensaiavam para uma peça sobre o drama de Piramo e Tisbe. Bottom, o tecelão da companhia de teatro, ensaiava o papel de Piramo. Puck, querendo pregar uma peça na trupe, transformou Bottom em um homem com cabeça de burro. Assustados os outros atores fogem e deixam Bottom vagando sozinho pela floresta. Assim que Titânia desperta de seu sono ela vê Bottom diante de seus olhos e se apaixona por ele. Puck que ainda procurava pela floresta por um homem em trajes aristocráticos acaba encontrando Lisandro, adormecido sobre a relva, e despeja em seus olhos a porção de Amor-perfeito. Após inúmeros mal entendidos Puck também despeja a porção nos olhos de Demetrio. Aos despertarem Demetrio e Lisandro se deparam com a imagem de Helena e ambos se apaixonam por ela.
Com muitos personagens, muitos encadeamentos e desdobramentos o enredo se torna um pouco complexo quando visto na forma de resumo, mas a leitura do texto em si não é tão complicada como parece. Basicamente o que vemos na peça é a transformação do amor em ilusão, algo que, ao contrario do que se espera, parece reforçar sua intensidade. Neste ponto a natureza aparece com uma forma superior de existência, pois ela brinca com uma das mais intensas patologias humanas: a paixão. Sempre enxerguei “Sonho de uma noite de verão” como uma alegoria para a busca de sentido por trás do que não conseguimos explicar.
Ao colocar a tragédia grega como temática de uma peça de teatro, e cujo enredo se pareia com o dilema amoroso do quarteto principal, é como se Shakespeare quisesse mostrar o poder dos palcos como espelho cômico da realidade. Ele propõe uma inversão bastante interessante: trata a mitologia, encenada nos palcos, como uma realidade e ao mesmo tempo trata a realidade como uma lenda.
Por envolver temas da mitologia o enredo de “Sonho de uma noite de verão” pode causar certa hostilidade inicial ao leitor devido ao seu distanciamento da realidade. Mas não seria essa a principal essência do teatro? Suspensão momentânea da realidade? Para acreditar que s personagens encima do palco são reais não é, antes de tudo, fundamental que neguemos aos atores por trás das mascaras o direito de existir enquanto o espetáculo não termina?
Existe algo muito interessante em “Sonho de uma noite de verão” que é a exposição da natureza como ela é de fato: caótica, enganadora e indiferente aos nossos propósitos. Em diversos momentos vemos um flerte com a idéia de impotência do homem diante da natureza e dos perigos ocasionados pela busca em subordinar os elementos naturais aos desejos do próprio homem.
A questão da porção, que uma vez depositada sobre os olhos, faz a pessoa se apaixonar pelo primeiro que enxergar ilustra bem a indiferença da natureza a vontade ou aos padrões estéticos. O mito de Piramo e Tisbe, por exemplo, mostra que as forças da natureza são indiferentes aos laços de afeto humano. É uma concepção de natureza bastante cruel ainda que bela.
A noção de um ambiente natural favorável a sobrevivência humana é um sonho que se desfaz diante da realidade. A natureza oprime na mesma proporção que liberta. A sobrevivência em seu meio é infinitamente mais custosa e exige no mínimo o vigor da juventude.
De alguma forma Shakespeare remete a uma interpretação finalista e até teológica da natureza onde os animais e as plantas, organizados de forma hierárquica, teriam como função servir ao homem. Nesse aspecto os sentimentos do próprio homem adquirem valor hierárquico superior as supostas criações divinas naturais, pois o homem era capaz de controlar relativamente a natureza, mas se mostrava impotente diante de suas paixões. A razão domina tudo exceto a desordem mental que lhe deu vida.
Shakespeare pode parecer buscar a imagem infantil de uma natureza que se sensibiliza com os dramas humanos, mas o que ele faz de fato é o oposto disto. Oberon por exemplo é um personagem que funciona como uma espécie de projeção dos elementos da natureza, assim como Titânia. Ambos os personagens mostram em determinado momento uma espécie de compaixão pelo drama humano: Oberon se enfurece ao ver Demetrio tratar Helena de forma cruel e Titânia se solidariza com a figura do menino que Oberon queria transformar em seu criado. Percebe-se que os únicos elementos que não ficam indiferentes aos dramas humanos são seres mitológicos e portanto irreais.
Alem de irreais são também contraditórios. Oberon se sensibilizou pela condição de Helena, mas parece não ter visto problema algum em transformar uma criança em seu criado particular. Titânia pode em um primeiro momento parecer altruísta, mas na realidade demonstra uma sensibilidade que se ampara no interesse: ela se sensibiliza com a criança por que essa era filho de uma mulher que lhe era devota. Nota-se que esses personagens possuem contradições e fraquezas, o que é perfeitamente compreensível uma vez que são figuras mitológicas gregas que nunca foram construídas com a mesma pretensão cristã de um Deus onipotente e sem defeitos.
Os seres mitológicos gregos são “humanizados”, ou seja, apresentam os mesmos defeitos que os humanos por que são uma criação da consciência humana. E nesse ponto que Shakespeare rompe com o ideal romântico de natureza, pois todos os elementos da natureza que respondem aos dramas humanos são elementos criados pela consciência humana.
Essa busca mental por um meio natural onde a vida seria melhor do que ela é já havia sido criado pela bíblia por meio de Adão e Eva no jardim do Eden. A partir daí o sonho idílico de viver e meio a natureza onde supostamente o homem encontra a paz que tanto busca passou a acompanhar a realidade. Shakespeare não se alinhou a esse ideal e buscou mostra em sua obra que a vida na natureza é não apenas caótica, mas também trágica, o que no fim das contas acaba sendo vista como bela.
A riqueza temática da obra de Shakespeare possuía uma vastidão que cobre diversos conceitos em diversas épocas. Como um amante da química, confesso que me senti fascinado pela simbologia de algumas peças e pela proximidade dos temas com conceitos explicados pela química como ciência. Sabemos que a paixão se manifesta em nossos corpos devido à influência de substancias químicas que causam sensação de bem estar como, por exemplo, as endorfinas.
Atualmente a simbologia da floresta mágica pode ser interpretada como as substancias psicoativas presentes nas plantas e que podem provocar delírios e alucinações. Muitas são as obras de Shakespeare onde são feitas referências a extratos de plantas alucinógenas ou venenosas. Julieta parece ter experimentado os efeitos do chá de Beladona, Hamlet teve o pai assassinado com veneno de Hebona derramado diretamente em seu ouvido. A química é uma ciência que cobra um preço auto de todos aqueles, que de alguma forma, negligenciam o seu poder devastador sobre os sentidos - reflexo das necessidades afetivas. O dependente químico ou o alcoólatra são exemplos disto. Um dos aspectos mais interessantes de “Sonho de uma noite de verão” é o conceito antropomórfico dado a alguns personagens. Essa atribuição de características humanas a elementos da natureza pode ser encarada como uma manifestação dos sentidos – algo muito explorado por Shakespeare – e, por conseguinte como uma forma de alucinação.
A mente que se liberta do seu racionalismo, como durante um sonho, experimenta sensações que são dominadas pelo instinto e pelo desejo. O sonho liberta os amantes de seus juramentos e dessa forma permite a expressão do caráter frágil de suas palavras. Seriam seus sentimentos verdadeiramente sinceros? Titânia, a rainha das fadas, representa a mente sempre receptiva as diversas vertentes de alucinação. Não é sem motivo que o absinto, bebida que ganhou fama no século XIX por causar alucinações, era conhecida por seus consumidores como “fada verde”. Deixando um pouco de lado essa “analise química” da peça “Sonho de uma noite de verão”, o que resta e um texto magnífico que explora os efeitos do amor e da despersonalização provocada pelo mesmo.
Para Shakespeare amar é ser vulnerável a uma forma particular de obsessão na qual o outro vive na realidade dos meus desejos e permanece como causa primeira de meus infortúnios na medida em que nego a mim mesmo o direito de existir - e isso acontece quando deixo de valorizar meu “eu” inconsciente - e passo a permitir que o outro imprima em mim os seus desejos e as suas necessidades. Em síntese quando amo e sou correspondido, passo a viver na consciência do outro e o outro na minha. A profundidade insana do conceito de amor construído por Shakespeare em sua obra é tão intensa que vai além da simples reciprocidade do sentimento de companheirismo e ou de desejo. Ela sugere um intercambio de consciência, uma sobreposição de valores, uma forma onírica de pura satisfação sexual e ectasy. Nesse aspecto pode-se perfeitamente caracterizar o amor shakespereano como uma síntese dos elementos patológicos. Uma assimilação afetiva de paranóias cuja força perturbadora seria proporcional ao enredo que lhe da vida.
Do dialogo entre Hérmia e Helena, logo no primeiro ato, pode se enxergar como, e a que nível, o senso de inferioridade nos oprime e nos esmaga. Como em alguns momentos vemos em outras pessoas os “atributos de felicidade” que supostamente nos faltam. Em como somos frágeis e manipulados por nossos próprios sentimentos ao nos permitir enxergar aquilo que falta não a nós, mas ao outro. Não seria exatamente este o motivo do sofrimento de Helena? Ver em Hérmia não a sua real imagem, mas o conjunto de características que fizeram de sua beleza a dona dos sentimentos de Demetrio?
HÉRMIA: Faço-lhe cara feia, ele me adora.
HELENA: Tivesse eu risos feios desde agora!
HÉRMIA: Maldigo-o, e ele me devota seu amor
HELENA: Quem me dera obter tamanha afeição em minhas suplicas!
HÉRMIA: Encontra-se em vias contrarias seu amor e meu desdém.
HELENA: Com o seu desprezo o meu amor também.
HÉRMIA: De tal loucura a culpa não é minha.
HELENA: É de tua beleza. Quisera que essa culpa fosse a minha!
Helena é como uma vela que derrama lagrima enquanto bilha e se consome diante do seu amado. Retrato perfeito da paixão – sentimento intenso e ardente que trás a desconfiança, a insegurança e o medo como reflexo. A fragilidade de seu brilho remete ao aspecto efêmero da felicidade sempre rasa em substancia e, portanto, superficial: a vida é como a chama tênue de uma vela, frágil a tal ponto que se extingue até mesmo diante de um sopro do acaso. Somos felizes quando compreendemos o que vemos, a duvida é o primeiro degrau da incerteza que leva ao nível da melancolia. Helena não compreende como Demetrio pode se deixar levar pela beleza de Hermia e por isso trata da melancolia como uma mascara de seus sentimentos.
Confesso que a peça parece possuir laços estreitos com algumas obras medievais. Shakespeare simboliza a imagem do amor por meio de uma flor – o Amor-perfeito - o que de certa forma remete ao romance medieval de Guillaume de Lorris e Jean Meun, chamado “O romance da Rosa”, na qual o personagem principal se apaixona por um botão de rosa. Shakespeare reconhece o poder que a beleza exerce sobre os sentidos e ao atribuir ao amor à imagem de uma flor reafirma o caráter doloroso do sentimento amoroso, afinal Lady MacBeth já dizia: “Assemelhe-se à flor inocente, sob a qual se oculta a serpente.”
AUTOR TIAGO RODRIGUES CARVALHO
SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO
Editora: Martin Claret
Paginas: 120

quinta-feira, 23 de junho de 2016

1812 A MARCHA FATAL DE NAPOLEAO RUMO A MOSCOU


Gigantesca campanha de Napoleão na Rússia foi marcada por um calor intenso na fase inicial e por armas que tinham apenas 5% de chance de acertar o alvo.
Existem mais livros escritos sobre Napoleão Bonaparte do que sobre qualquer outra personalidade. Então por que ler mais um livro sobre seus feitos? Como diria Dostoievski “não existe um assunto tão velho no qual não se possa falar algo novo sobre ele.” Em uma obra espetacularmente bem escrita o historiador Adam Zamoyski, que também é autor de “Ritos de Paz a queda de Napoleão e o congresso de Viena”, retratou um dos mais trágicos capítulos das guerras napoleônicas: a invasão da Rússia em 1812.
A narrativa se inicia na manha de 20 de março de 1811: depois de atravessar a noite em trabalho de parto a jovem e exausta imperatriz Marie Luise havia finalmente havia dado à luz a um menino. Cem tiros de canhão troaram por Paris anunciando o nascimento do menino. Gritos de “vive l’Empereur!” percorriam as ruas; Paris estava em festa e o império napoleônico encontrava-se em sua plenitude. Aos poucos o clima festivo das primeiras paginas vai se transfigurando numa tensão política provocada pelas conseqüências do Bloqueio Continental – estratégia criada por Napoleão cujo objetivo era a destruição econômica de seu velho inimigo: o império britânico.
O Czar Alexandre, herdeiro do império edificado cem anos antes pela política inflexível de sua avó Catarina, a Grande, se encontrava numa difícil posição: manter seus portos fechados para os navios ingleses era o mesmo que aumentar o descontentamento da aristocracia russa, restrita a produção ineficiente da indústria nacional. Abrir os portos ao comercio significava entrar em guerra com a França.
Para quem gosta de temas voltados a política externa o capitulo “A guinada para a guerra” é um prato cheio, um autentico mergulho nos bastidores políticos que arrastariam as duas nações para o conflito. Napoleão, consciente da deterioração diplomática entre os dois países, buscou induzir Alexandre a romper o bloqueio para que este fosse visto como o agressor. Em 31 de dezembro o Czar abriu oficialmente seus portos aos navios americanos e no verão de 1811 já circulavam os boatos de que tropas russas começavam a se agrupar nas fronteiras. Era o sinal que Napoleão tanto aguardava para mobilizar suas tropas. Para os mais supersticiosos o sinal veio como um cometa, visível a olho nu, que riscou os céus da Europa na noite de 25 de março de 1811. No contexto de uma gigantesca guerra iminente um simples fenômeno astrológico assumiu contornos de uma profecia: a carnificina estava prestes a começar.
Zamoyski expõe um retrato menos conhecido sobre a campanha de 1812 e derruba velhos mitos. Um deles é de que a retirada do exercito russo seria uma estratégia para desgastar o exercito francês. O autor mostra que no momento da invasão as forças russas estavam distribuídas em três exércitos dispersos ao longo da fronteira. A estratégia consistia em recuar para que os exércitos pudessem se agrupar em uma posição vantajosa onde sua superioridade numérica fosse capaz de fazer frente aos franceses. Portanto, o recuo não foi uma estratégia, mas uma necessidade.
Um segundo ponto no qual o autor abre espaço para questionamentos é sobre o papel do inverno russo na derrota dos franceses. Para Zamoyski - que não se apega apenas a opiniões particulares e expõe seus argumentos através de fatos - o calor das primeiras semanas da invasão foi mais determinante para a derrota do que o lendário inverno russo. Antes mesmo de chegar a Smolensk, primeira cidade relativamente grande antes de Moscou, o exercito de Napoleão, que inicialmente contava com uma força aproximada de 600 mil homens, já havia sido reduzido a uma força de 160 mil soldados. As baixas ao longo do caminho foram causadas pelo desgaste imposto pelas marchas forçadas sob o calor:“Os soldados vestfalianos sucumbiam aos montes pelo calor. Ao final de uma marcha forçada a uma temperatura superior a 32°C, um regimento de 1.980 homens foi reduzido a 210.”
Marchando em um ritmo de 76 passos por minuto os soldados cobriam uma extensão de 15 a 35 quilômetros por dia. Era comum ver soldados largar suas formações e correr para as margens da estrada arriando as calças e sofrendo de dores intensas. O sofrimento da cavalaria foi retratado com brutal realismo no texto: das costas dos cavalos escorria o pus que se acumulava sobre as assaduras criadas pelas celas dos soldados. Os pobres animais exaustos e enfurecidos pela sede muitas vezes tombavam para não mais se levantar.
Vespas furiosas por causa do calor se acumulavam aos montes sobre os homens encharcados de suor e cobertos pela poeira amarela que subia das estradas de terra. Um dos piores flagelos, no entanto, era a sede: “Quantas vezes eu não me atirei com meu estomago na estrada para beber do rastro dos cavalos um liquido cuja cor amarelada deixa meu estomago enjoado até hoje.” Contou um dos soldados obrigados a beber urina de cavalo. Em 14 de agosto Napoleão e seus soldados começam a percorrer a famosa estrada Minsk-Smolensk. Construída por Catarina, a Grande, seria esta a estrada que guardaria as maiores lendas e as maiores tragédia de toda a campanha.
O primeiro grande momento da obra é a descrição da batalha de Smolensk. O impressionante bombardeio da artilharia francesa contra as muralhas é descrito em detalhes, bem como a terrível luta em meio a ruas enegrecidas pelos incêndios que tomou conta da cidade após a entrada das tropas de Napoleão.
Borodino é o segundo grande momento: os preparativos de ambos os lados para a gigantesca batalha – uma das maiores na historia das guerras – são minuciosamente descritas pelo autor que cria uma tensão natural quanto aos acontecimentos. A ferocidade dos combates e a descrição quase poética do campo de batalha ao entardecer, coberto de balas de chumbo e por corpos desfigurados de russos e franceses, fazem da batalha de Borodino um dos momentos mais intensos do texto.
O terceiro grande marco do texto é o incêndio de Moscou, episodio que marca o inicio da passividade de Napoleão. O imperador perdeu cinco preciosas semanas nas ruínas enegrecidas da cidade tentando arrancar do czar um acordo de paz. A essa altura seu gigantesco exercito de aproximadamente 600 mil homens estava reduzido a uma força efetiva de apenas 90 mil. Quando Napoleão finalmente decidiu retornar é que os primeiros traços do rigoroso inverno começaram a surgir.
Da metade da obra em diante acompanhamos a deterioração final dos exércitos franceses em sua marcha de volta pela estrada Minsk-Smolensk – a mesma utilizada no verão anterior. Daí em diante enfrentariam seus maiores pesadelos e o primeiro deles veio na forma de uma intensa chuva que despencou no dia 22 de outubro e transformou as estradas em um mar de lama. Carroças atulhadas de itens e farinha retirados de Moscou tiveram de ser deixados para trás semi afundadas na lama. A partir daquela data a sobrevivência de cada um dependeria do que fosse capaz de carregar.
O maior golpe moral, no entanto, ocorreu seis dias depois quando os soldados passaram novamente pelo campo de batalha de Borodino e se depararam com os corpos dos companheiros que haviam morrido durante a batalha, todos inchados por causa do calor e desfigurados pelos insetos que os devoravam.
1812 retoma a proposta de muitas obras anteriores em querer mostra que a campanha de Napoleão foi assolada por uma serie de adversidades desde o seu inicio. O esgotamento do exercito francês teve origem principalmente nas falhas logísticas quanto ao abastecimento das tropas. O sistema de abastecimento de Napoleão dependia de 9.336 carroças que demandavam a força de 32.500 cavalos. Nas péssimas estradas da Rússia a movimentação das carroças não funcionou como deveria e para piorar não havia comida para os cavalos.
Segundo o autor um dos maiores erros de Napoleão foi colocar uma cavalaria de 40 mil homens a frente de sua ofensiva como ponta de lança. Ele não apenas desconsiderou a dificuldade para manter a alimentação de 40 mil homens e igual numero de cavalos como também estendeu muito suas linhas de abastecimento. Curiosamente o ponto mais frágil de seu exercito estava na retaguarda.
Zamoyski preenche dezenas de paginas com um retrato vivo da grand arme descrevendo os uniformes, os armamentos, a logística, os tipos de munição utilizadas nos canhões e até sobre a alimentação diária dos soldados: 550g de biscoitos, 30g de arroz, 60g de vegetais desidratados, 240g de carne ou banha de porco, vinho e um pouco de vinagre. Em muitos casos o perigo real não eram as tropas inimigas, mas o próprio equipamento dos soldados. O mosquete utilizado pelos franceses era uma arma que praticamente não havia sofrido nenhuma inovação no ultimo século.
“Para carregá-lo, o soldado usava um cartucho que nada mais era que um cilindro de papel contendo uma porção de pólvora e um projétil; ele mordia a ponta do cartucho, segurando o projétil com a boca, salpicava um pouco de pólvora no tambor e o fechava; depois, colocava o restante da pólvora no cano com a vareta. Um soldado treinado era capaz de recarregar a arma e se preparar para atirar em um minuto e meio.”
O tiro não possuía precisão alguma, e a nove metros de distancia do seu alvo um soldado tinha apenas 5% de chance de acertar, por isso os soldados marchavam em linhas compactas durante as batalhas, dessa forma os disparos sincronizados cobriam seu alvo com uma muralha de projeteis de chumbo. Após aproximadamente 12 disparos os detritos da pólvora obstruíam o cano e a arma corria o serio risco de explodir no rosto do seu manuseador. Em batalhas longas como Borodino, por exemplo, as baionetas assumiram o papel de arma principal embora cerca de 1.400.000 disparos de mosquetes tenham sido efetuados pelos franceses durante a batalha.
As batalhas mais intensas durante a retirada ocorreram na segunda semana de novembro entre as cidades de Smolensk e Ladi. Miloradovich e Kutuzov fizeram varias tentativas de separar e destruir os exaustos invasores. A descrição da tentativa de bloqueio da estrada em 2 de novembro pelos russos da inicio a uma serie de narrativas sobre os furiosos combates que ocorreram ao longo da estrada.
A retaguarda de Napoleão, formada pelas tropas dos generais Davout e Ney, foram especialmente fustigados pelos canhões da artilharia russa. Somente em 6 de novembro o inverno russo finalmente mostrou sua força: “Aquele dia permaneceria gravado na minha memória. Depois de termos atravessado o Dorogobuzh, começou a cair uma chuva muito forte, e comecei a sentir frio; a chuva deu lugar a neve, e em muito pouco tempo o chão estava coberto por mais de meio metro de neve” – contou um soldado francês. A caótica travessia do Berezina marca o fim da campanha, mas não do texto em cujas ultimas paginas esta um interessante estudos sobre as baixas sofridas por Napoleão e as conseqüências de sua desastrosa campanha para os anos posteriores.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
1812 - A MARCHA FATAL DE NAPOLEAO RUMO A MOSCOU
Autor: ZAMOYSKI, ADAM
Tradutor: OLIVEIRA, ANDREA GOTTLIEB
Editora: RECORD
Ano: 2013
Encadernação: BROCHURA
Nº de Páginas: 630

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