terça-feira, 2 de agosto de 2016

A DECADÊNCIA DEMOCRÁTICA E A INÉRCIA SOCIAL DO VOTO


O século XX sinalizou a brusca incorporação de mecanismos sociais que solaparam a crença no liberalismo. O enfraquecimento das instituições e dos valores jurídicos liberais, que se desenvolveram ao longo de todo o século anterior e cuja solidez era amplamente reafirmada, consistiu talvez no primeiro grande golpe na atmosfera positivista da virada do século. A ideia de um governo representativo no lugar de um absoluto se apresentava com uma lógica cujos mecanismos pareciam já consolidados e aceitos pela ampla maioria, excluindo-se e claro os mais radicais defensores do centralismo político que pareciam ver pouca ou nenhuma vantagem na ampliação das bases do poder.
A lei parecia ter encontrado o perfeito tom jurídico que lhe permitisse funcionar como garantia dos valores sociais constitucionalizados. Excluindo-se a atmosfera de tensão política característica da virada do século, nada mais parecia indicar, pelo menos em contornos bem nítidos, que os métodos de governo autoritário voltariam a ganhar espaço. De certa forma o aprimoramento dos diversos ramos da ciência, ou seja, dos métodos políticos, econômicos e sociais deram forma a um otimismo que praticamente subestimou o poder devastador que o nacionalismo teria. A partir da década de 1920 a civilização liberal começou a desmoronar diante da associação detonante entre nacionalismo e militarismo. Ironicamente o golpe desferido nesse período contra os valores liberais veio da direita política e não da esquerda. O movimento trabalhista já era de fato um significativo e poderoso recurso das massas, porem os marxistas social-democratas se ateram aos valores democráticos e os comunistas ainda eram uma minoria dispersa. Embora se temesse uma onda de revoltas desencadeadas pelos comunistas o golpe não viria através da foice e do martelo. Nos vinte anos que marcaram a desfragmentação do liberalismo nenhum governo liberal-democratico caiu por meio de movimentos da esquerda.
Com pouca freqüência foi levantado o papel inegável da direita como desencadeadora dos métodos autoritários de governo do inicio do século XX. A alegação recorrente de que a linha anti democrática adotada pela direita seria uma resposta ao movimento da esquerda é falha por desconsiderar o elemento humano e sua tendência de canalizar as experiências pessoais e traduzi-las a termos políticos. A maioria dos lideres da direita radical foram moldados nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Foi ali, na lama das trincheiras que o ultra nacionalismo característico de sua linguagem política dos anos posteriores nasceu. A primeira grande guerra forneceu a base moral para o fanatismo político que arrasou a primeira metade do século XX.
Um fato interessante e que a direita não direcionou seu ódio apenas aos comunistas, mas a todo movimento contrario ao estatus quo da sociedade. Defendiam o conservadorismo adotando métodos radicais. A perda gradual de poder representativo de um Estado abre caminho para a explosão de diversos núcleos de opinião. Indivíduos incapazes de avaliar corretamente o contexto político do momento passam a construir generalizações que pouco a pouco alimentam as desconfianças e expõem os limites da democracia.
O grande drama da democracia moderna não são suas falhas como doutrina, mas seus métodos: sua base se constrói sobre os elementos da burocracia representativa, cujos membros não possuem credibilidade junto à opinião publica. O voto não mais cumpre o seu papel como legitimador do poder público. Atualmente o voto é mais uma inércia social do que um ato de cidadania.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

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