domingo, 3 de dezembro de 2017

UM NOVO OLHAR SOBRE A NATUREZA: ALEXANDER VON HUMBOLDT POR ANDREA WULF


Todo pensamento racional possui certa medida de irracionalidade. Humboldt foi um dos mais famosos cientistas de seu tempo. Um homem que se dizia amante da natureza. É nesse ponto que se concentra o caráter antagônico do naturalista: a razão, como disse o pensador Max Horkheimer surgiu devido ao desejo do homem de dominar a natureza através da descoberta de suas leis. Como um homem pode pretender dominar algo que ele a principio admira? A resposta está no sentido com que esse mesmo homem define o termo “dominar”.
Alexander Von Humboldt foi um dos mais famosos naturalistas e cientistas de seu tempo. Um homem que foi capaz de associar ciência e poesia na criação de uma ferramenta que lhe torna-se possível desnudar os segredos da natureza e, portanto, dominá-la.
Logo nas primeiras paginas fica evidente a admiração que Andrea Wulf sente por seu biografado. Ela constrói a imagem de um menino inquieto, com certa dificuldade aos estudos e que gostava de perambular pelos bosques e ler narrativas de viagens além mar. O texto é muito fluído é a autora não se prende a uma análise mais criteriosa aos primeiros anos de Alexander Von Humboldt. Em pouco mais de vinte paginas vemos a historia evoluir de um simples menino que gostava de coletar rochas e insetos a um inspetor de minas de 22 anos de idade.
Logo no final da segunda parte o livro sofre uma expressiva melhora em sua narrativa. A relação de Humboldt com Thomas Jeferson - o presidente americano que era apaixonado por agricultura - é uma das partes mais interessantes. É neste trecho da obra que tomamos contato com as opiniões de Humboldt sobre a monocultura e a economia de caráter agroexportadora.
Confesso que durante a leitura parte de minha admiração por Humboldt virou fumaça diante da narrativa de um homem que atirava dardos envenenados em macacos para capturar seus filhotes. A noção de ambientalista do século XIX era bem distante da que temos hoje, mas é realmente chocante ler esse trecho é não se decepcionar com um homem que é conhecido como amante da natureza. E o mais impressionante é que essa passagem é apenas uma nas quais questionamos Humboldt. O trecho sobre os cavalos sendo eletrocutados por enguias também é impressionante. O livro é muito bem escrito, mas acho que a autora tentou contornar certos momentos da história de Humboldt para que pudesse manter a imagem de um ídolo. A própria capa vende a imagem de um “Rousseau alemão”, mas na pratica não era bem assim.
ANDREA WULF
No capitulo 3 temos uma brilhante síntese da ciência iluminista do século XVIII. Andrea Wulf cria uma base narrativa a partir da relação de amizade entre Humboldt e dois ícones do romantismo alemão: Schiller e Goethe. Os três costumavam passar as tardes conversando sobre Newton, Leibnitz, Kant, etc. Goethe é uma figura que se destaca bastante no terceiro capitulo. Sua relação de amizade com Humboldt era bem concreta e de fato vemos como um foi importante para o outro no sentido de incentivar pesquisas em suas respectivas áreas de interesse. A autora descreve de forma bem simples e de fácil assimilação um dos pontos mais complexos de ser explicado que é a polarização da ciência do século XVIII entre Racionalistas e Empiristas.
Foi na America do Sul que Humboldt desenvolveu sua teoria que relaciona às mudanças climáticas a atividade humana. Um ponto interessante levantado pela autora é a preocupação que existia nos séculos XVIII e XIX quanto aos danos provocados pelo desmatamento. O carvão era o motor da revolução industrial e centenas de hectares de florestas eram derrubadas para a produção de carvão vegetal, que apesar de não ser utilizado na grande siderurgia era muito consumido no aquecimento domestico.
A preocupação era obviamente econômica, pois existia o temor de que as reservas de madeira se esgotassem. Mas havia também um movimento ambientalista embrionário que alertava para as alterações climáticas que a exploração predatória poderia acarretar. No século XIX acreditava-se que as doenças eram provocadas por “ar viciado”, ou seja, mau cheiro. É nesse rastro que surgiram homens como Hugh Williamson, medico e político norte americano que defendia o desmatamento alegando que a remoção das arvores melhorava a circulação dos ventos e a qualidade do ar.
A idéia de uma natureza rústica dominada pela razão humana foi defendida pelo famoso naturalista Frances George Lois Leclerc, conde de Buffon. A selva era vista como um ambiente hostil e feio que deveria ser organizado pelo homem como uma prova de sua suposta superioridade sobre a natureza. É deste conceito que surgiu a fascinação francesa pelos jardins simetricamente desenhados, comuns no período do iluminismo.
O projeto gráfico da editora Crítica é absurdamente bem feito: capa dura, fotos de uma qualidade incrível, letras com uma fonte excelente como adorno para um texto gentil, inteligente e interessante. Mais do que uma simples biografia a obra “A invenção da natureza” é um retrato das ciências da natureza do século XIX com uma linguagem cientifica adequada e certa dose de narrativa poética. Vale cada minuto de leitura!
AUTOR
TIAGO R.CARVALHO
A Invenção da Natureza
AUTORA: Wulf, Andrea
Editora: Critica
Numero de Paginas: 600
Ano: 2016

sábado, 2 de dezembro de 2017

SANGUE E LAMA


Eis que temos um excelente livro para aqueles que buscam iniciar os estudos sobre a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A obra do historiador Martin Gilbert é um gigantesco panorama de um dos mais terríveis conflitos da historia humana. Um texto amplo, robusto e fácil de ser compreendido até mesmo para os que possuem pouca familiaridade com temas militares. Gilbert tem uma ótima didática ao apresentar os eventos que deflagraram o confronto.
O texto é dividido em 29 capítulos, mas para avaliar a obra de forma geral eu convenientemente o dividi em três partes. Na primeira a obra explora o contexto político e cria uma tensão narrativa que deixa o texto fluido e agradável.
Na segunda parte o texto perde um pouco do ritmo e do carisma inicial. Isto porque a obra trata da guerra de forma geral e como resultado muitos momentos ficaram superficiais e confusos. A guerra na frente ocidental é tratada de forma simultânea aos combates na frente oriental de forma que a narrativa funciona como um pêndulo. Para alguns isso pode significar uma leitura confusa, para outros em uma narrativa dinâmica. Pessoalmente eu gostei bastante do método.
Os momentos mais intensos do texto são as batalhas mais clássicas da primeira grande guerra: a batalha do rio Marne, Ypres – onde foi utilizado pela primeira vez o gás venenoso -, a violenta ofensiva do Somme e as sangrentas batalhas de Verdun e Galipolli.
Um dos aspectos mais positivos dessa obra é a forma como os principais personagens do século XX são apresentados. Nomes como Churchill, Hitler, Mussolini, Lenin, Patton, Roosevelt, Truman, Romel, Zukov, o filosofo Wittgenstein e até mesmo Albert Einstein aparecem aos poucos no texto, sempre acompanhando o rumo dos acontecimentos. É interessante ver como essas figuras foram moldadas pelo contexto da guerra.
Martin Gilbert tem o mérito de abordar não apenas os temas militares, mas também os mitos que cercam o conflito, algo que na maioria dos casos é ignorado pela maioria dos historiadores. Um exemplo é a famosa aparição dos “anjos” – figuras brancas e altas – que supostamente foram avistadas pelos soldados nos campos de batalha próximos a cidade de Mons. É evidente que o autor tratou o assunto de forma estritamente racionalista, atribuindo essa visão ao cansaço dos combatentes, mas o simples fato de o evento ter sido mencionado já é por si apenas algo positivo.
O único ponto negativo da obra é a edição: o caderno de fotos foi impresso em papel comum, as fotos são poucas e de qualidade razoável. A tradução possui alguns erros é a capa ficou com aspecto de “documentário”. A editora Casa da Palavra poderia ter caprichado um pouco mais em seu projeto gráfico, pois a obra foi lançada no Brasil com uma preço expressivo, para dizer o mínimo.
A terceira é ultima parte do livro é excelente. Mostra a violenta ofensiva final dos esgotados exércitos do Kaiser e explora os desdobramentos do termino do conflito, principalmente na Alemanha onde o Tratado de Versalhes foi visto como o prenúncio de uma futura guerra... Infelizmente não estavam errados.
AUTOR
TIAGO R.CARVALHO
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
Autor: Martin Gilbert
832 páginas
Editora: Casa da Palavra;
Edição: 1ª (7 de agosto de 2017)
Idioma: Português

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

AS VIRGENS DE VIVALDI


A Ospedalle della pietà era uma instituição para órfãs de Veneza que ficou famosa no século XVIII pelo alto nível de educação musical que dispensava a suas internas. As meninas eram divididas em dois grupos: as chamadas figlie de coro - órfãs que possuíam algum talento musical – e as figlie di comun – órfãs que recebiam educação e um treinamento ocupacional. Como nenhuma das internas possuía o nome de suas famílias elas eram conhecidas pelo nome do instrumento que tocavam. O lugar se tornou famoso devido ao seu mais ilustre maestro e professor de violino: o compositor Antonio Vivaldi, chamado de “padre vermelho” devido à cor de seus cabelos. Ali vivia Anna Maria del Violin, uma órfã de 15 anos de idade dotada de um expressivo talento como violinista, apaixonada por musica e obcecada pelo desejo de descobrir quem eram seus pais.
O romance de Barbara Quick – “As virgens de Vivaldi” - definitivamente não tem o reconhecimento publico que deveria ter. Trata-se de um texto muito bem escrito e cativante. A protagonista aparece como um ser de carne e osso, ou seja, realista na medida em que expressa seus desejos de forma natural. Não existe uma tentativa forçada de fabricar uma personagem isenta de defeitos e sim o contrario. Anna Maria aparece de fato como uma adolescente com todos os impulsos gerados pelas descobertas que essa fase da vida carrega.
É um romance que se baseia em fatos reais, mas que não se prende a veracidade dos fatos históricos. A Ospedalle della pietà realmente existiu, e ainda existe, assim como Anna Maria del Violin, que segundo registros históricos tornou-se uma conhecida violinista no século XVIII. Barbara Quick nos presenteia com uma historia intrigante, fácil de ler, sem muitos núcleos de conflito, mas que ainda assim consegue ser grandiosa dentro daquilo que ela procura ser: uma obra profunda com uma narradora que reconta o seu passado e reflete sobre os rumos que sua vida havia tomado.
O tom narrativo é o mesmo ao longo de todo o livro. A todo o momento fica a sensação de que estamos lendo um diário escrito pela protagonista. Os momentos mais interessantes são as cartas que ela escrevia para sua mãe, mesmo sem saber quem era ou se ela as leria um dia. Esses trechos são como árias de uma ópera - aqueles momentos de reflexão onde escutamos a voz de nossa própria consciência.
É preciso, no entanto, que se diga que em alguns momentos o texto cai numa narrativa desinteressante e um pouco tediosa. Fica uma sensação de que a autora esta tentando inflar o texto. Mas são raríssimos os romances que não possuem trechos assim.
Resumir esse surpreendente livro apenas como a história de uma órfã que busca descobrir a verdade sobre a sua historia é um erro grave. A obra vai muito além dessa premissa inicial e excessivamente simplificadora. O texto explora os dilemas da passagem da vida de criança para a vida adulta com a dose certa de intensidade, realismo e erotismo.
“Toda mulher, Anna Maria, e toda garota tem um lugar secreto no corpo. Se você o massagear da maneira correta, ele fará o corpo vibrar e soar como as cordas de seu violino.”
Um dos momentos mais intensos da narrativa, no meu ponto de vista e claro, ocorre quando a personagem principal esta em um cemitério conversando com outro personagem. Estou evitando citar nomes para não dar spoilers e este é um daqueles livros em que fica difícil comentar o texto sem spoilers.
“Eu sabia que cada bloco de pedra do cemitério correspondia a uma vida que fora vivida. Dentro de cada tumulo, embaixo, repousava e apodreciam os restos mortais de alguém que como eu, desejou, chorou, riu, amou. Nenhum deles chamais acreditou que aquilo que lutou tanto para conseguir ou para evitar – a pessoa mais querida, o sonho mais caro, um segredo guardado, algo especial que lhe inspirou devoção – seria esquecido como a chuva de ontem certamente será.”
O livro é sem duvida uma obra que deve ser lida e admirada. Foi uma grata experiência as horas que passei diante de suas paginas ouvindo as musicas de Vivaldi e as palavras de Anna Maria: “Rezo por um cobertor quente, por uma janela para o mundo lá fora e pelo fim de todas as ilusões. Rezo por luz.”
AUTOR
TIAGO R, CARVALHO
As Virgens de Vivaldi
Quick,Barbara
Editora: BERTRAND BRASIL
Ano: 2009
Nº de Páginas: 352

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

A ERA VITORIANA: LITERATURA


Mas nem só de números e progressos se fez a era vitoriana. Em muitos casos a característica mais marcante do período foi justamente a falta de mobilidade na medida da pura e simples estagnação. Na literatura, por exemplo, é possível extrair certas singularidades do período, como a rígida estrutura da constituição familiar. Não surpreende o fato de que na orbita do capitalismo britânico o casamento tenha aos poucos assumido o contorno de mercadoria.
A valorização burguesa do conceito de lar, ou seja, da união indissolúvel de seus integrantes no ambiente domestico, teve um amparo discreto na pratica de leitura familiar. Nesse contexto o livro, como objeto, contribuiu diretamente para a conservação do estilo de vida burguês, que acabaria por se consolidar como um estilo de criação literária. Os textos eram criados para serem lidos durante a noite, momento em que todos os integrantes da família estavam reunidos. Alguns eram recheados de temas obscuros cujas historias de fantasmas certamente teriam mais impacto durante a leitura noturna.
Jane Austen (1775-1817) produziu um quadro vivo da importância do casamento em sua obra “Orgulho e Preconceito”. Embora o livro tenha sido publicado em 1813, período anterior a era vitoriana, o mesmo já retratava os valores da sociedade surgida a posteriori e cujos valores permaneceram praticamente inalterados. Emily Bronte (1818-1848) também é uma das principais representantes de sua época, ao lado de nomes como Oscar Wilde (1854-1900) e Charles Dickens (1812-1870), Lewis Carrol (1832-1898), Robert Louis Stevenson (1850-1894), Arthur Conan Doyle (1859-1930) e Alfred Tennyson (1809–1892). Na poesia Tennyson foi um dos maiores destaques. No trecho final de seus mais belos poemas – Ulisses – o autor apresenta um belo quadro de determinação e coragem:
Ainda que muito esteja perdido, muito nos resta; e ainda que perdida a força dos velhos dias que movia céus e terras; somos o que somos; uma coragem única nos corações heróicos, débeis pelo tempo e pelo destino, mas persistentes em lutar, achar, buscar, jamais render.
Lewis Carrol – nascido Charles Lutwidge Dodgson – se tornou mundialmente famoso com a obra “Alice no país das maravilhas”, que teria criado depois de uma viajem de barco pelo Tamisa na companhia de uma menina de 10 anos chamada Alice Liddell. A vida particular de Carrol, e seu gosto, no mínimo exótico, de fotografar crianças parcialmente nuas, contribuíram para aumentar os enigmas associados a suas obras. Pelos padrões Freudianos a cena inicial de “Alice no país das maravilhas”, onde um coelho a guia para o interior de uma toca escura e estreita, que terminada num mundo de fantasia, possui uma gritante conotação sexual, tanto pelo coelho – animal que no período era associado ao sexo – quanto pela toca “escura e estreita”.
Existe uma tendência de se aplicar padrões Freudianos a todas as épocas, o que não me parece correto, mas que de forma curiosa acaba por expor certas particularidades notáveis. No caso de Lewis Carrol o padrão Freudiano parece não só perfeitamente aplicável como igualmente revelador. Não chega a ser surpreendente que textos com conteúdo homoerótico, como no caso de “O retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde, tenham sido alvo de criticas ferozes em uma época tão moralista quanto a vitoriana.
Uma das primeiras vozes literárias a se elevar por sobre a miséria das grandes cidades industriais foi Elizabeth Gaskell, autora do romance “Mary Barton” cujo enredo era direcionado aos trabalhadores das industrias têxteis de Manchester. Nascida Elizabeth Stevenson, e conhecida popularmente com Mrs. Gazkell, se tornaria uma das maiores contistas da era vitoriana, ao lado de Charles Dickens. O romance “Mary Barton” impressionou a sociedade britânica ao retratar o mundo fétido das fabricas com seus operários esqueléticos e famintos.
Charles John Huffam Dickens, nasceu em 7 de fevereiro de 1812 na cidade de Portsmouth, e logo na infância sentiu os efeitos da Revolução Industrial. Seu pai, chamado John, era um funcionário da marinha que vivia endividado. Em 1822 a família decide se mudar para Londres na esperança de melhorar de vida. Dois anos depois John Dickens vai para a cadeia por dividas. Elisabeth Dickens, sozinha a própria sorte com o filho resolve vender os pertences da família; o jovem Dickens, apaixonado por leitura desde cedo, viu seus livros serem vendidos para saldar as dividas. Em 1824 ele consegue emprego em uma fabrica de graxa como colador de rótulos. Anos mais tarde ele se recordaria de sua ocupação na fabrica como um dos momentos mais dramáticos de sua vida. Três anos depois ele se torna escrevente de um escritório de advocacia e em 1832, após aprender sozinho a taquigrafia, consegue emprego como repórter parlamentar.
Em 1836 Dickens se casar com Catherine Hogarth, filha do editor do Evening Chronicle. Naquele mesmo ano ele finalmente pública seu primeiro livro: “Retratos Londrinos”“Sketches by Boz” (O nome era devido ao costume de Dickens em assinar seus textos com o pseudônimo “Boz”). A obra teve sucesso imediato e abriu as portas para Dickens emergir como um dos maiores escritores da era vitoriana.
Apesar do sucesso estrondoso de “Grandes Esperanças” sua obra mais marcante foi “Um Conto de Natal”. A história do rabugento Ebenezer Scrooge, um funcionário de escritório que passou a odiar o Natal depois que seu sócio, chamado Jacob Marley, morreu em uma noite de 25 de dezembro, encantou a sociedade da época e se consolidou como o mais famoso conto natalino da historia. Dickens sempre fora apaixonado pelo clima natalino. Uma das mais belas passagens de sua obra “Retratos Londrinos” ele escreveu:
“Não viva no passado. Não lembre que apenas há um ano a criança que hoje já se foi estava sentada diante de você, com as bochechas rosadas e a alegre inconsciência da infância brilhando nos olhos. Pense nas bênçãos presentes – aquelas que todos os homens têm -, não nas desgraças passadas, que todos os homens possuem em algum momento da vida. Encha novamente o cálice, com um rosto feliz e o coração contente. Nossa vida depende disso (...)”
Em 1780, Luige Galvani, que na época era professor de anatomia, descobriu o efeito da eletricidade sobre os músculos. Inicialmente ele havia testado em sapos mortos e constatou a contração dos membros diante de uma descarga elétrica. Seu neto, chamado Giovani Aldini, percorreu a Europa divulgando as descobertas do avô. Em 1803 ele realizou uma de suas mais bizarras apresentações: diante de uma platéia de espectadores Giovani utilizou o cadáver de um homem que havia acabado de ser executado na forca. O cadáver, deitado em uma mesa, teve dois eletrodos ligados a dois pontos distinto, onde foi aplicada uma carga de 120 volts.
A descarga no rosto gerou movimentos convulsivos na face; em dado momento o olho esquerdo chegou a abrir. Mas o clímax aconteceu quando um dos eletrodos foi colocado na boca e o outro no reto. Ao acionar o disjuntor a contração muscular no cadáver foi tão intensa que o mesmo chegou a se sentar sobre a mesa, causando pânico entre os expectadores. Entre os que assistiam a apresentação estava uma jovem chamada Mary Shelley (1797-1851), que devido a esse espetáculo inusitado encontrou inspiração para escrever sua obra mais famosa: “Frankenstein”
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

sábado, 23 de setembro de 2017

EVA BRAUN: UMA BIOGRAFIA MINIMALISTA


Essa é uma biografia de Eva Braun cujo nome que menos aparece em suas paginas é o da própria Eva Braun. Lançada pela Companhia das Letras a obra “Eva Braun a vida com Hitler”, da historiadora alemã Heike B. Gortemaker, tenta desconstruir a imagem de uma mulher apagada vivendo a sombra de Adolf Hitler. O fato é que o livro não cumpre o que ele promete.
A narrativa é focada sobre o circulo de pessoas que tinha um contato mais intimo com Hitler, no entanto, a própria Eva Braun aparece muito pouco. Talvez a ausência de material sobre o passado da família Braun tenha determinado a construção de um texto mais superficial onde a biografada se constrói por meio do ambiente social em que ela se insere. O problema é que essa abordagem cria uma figura que emerge a sombra de outras pessoas e isso, ao meu ver, contraria a proposta do texto.
O que falta aqui é intimidade entre a autora e a biografada. Heike B. Gortemaker não conseguiu romper a dimensão social de Eva Braun e entrar em um terreno mais intimo que naturalmente é o que se espera de uma biografia.
Apesar de suas falhas a obra possui também seus méritos. O maior deles talvez seja a elegância elucidativa das palavras com as quais a autora fez um breve resumo da ascensão do regime nazista em algumas regiões da Alemanha, como na Baviera. O texto é também um ótimo apanhado sobre as pessoas que conviviam diariamente com Hitler no Berghof – sua casa de campo nas montanhas.
Embora não funcione como uma biografia tradicional a autora deve ter seus méritos reconhecidos por buscar uma diferente base de relacionamento entre o leitor e a obra. Se por um lado a obra peca devido a falta de profundidade por outro ela acerta por não entrar no campo especulativo ou recorre a dados biográficos extensos que quando não são bem trabalhados se tornam cansativos.
Como uma biografia a obra definitivamente não funciona. Como um retrato do staff de Hitler o texto se mostra mais competente. Esse é um dos casos raros em que o subtítulo da obra está mais próximo daquilo que ela se dispõe a ser: um retrato de como era a vida com Hitler.
AUTOR
TIAGO R.CARVALHO
Título original: EVA BRAUN - LEBEN MIT HITLER
Autora:Heike B. Görtemaker
Páginas: 408
Acabamento: Brochura
Selo: Companhia das Letras

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

DO INFERNO


A história de Jack, o Estripador, o primeiro serial killer a ter destaque na imprensa e que aterrorizou a Londres vitoriana do final do século XIX, é o tema desta graphic novel de Alan Moore e Eddie Campbell. “Do Inferno” possui um tom inicial de suspense que evolui de intensidade à medida que o enredo se constrói.
Não é um enredo que tenta domesticar sua historia, ou seja, não existe o menor esforço de atenuar os aspectos mais chocantes e desagradáveis. Tudo é muito visceral, intenso e sem eufemismos. O tom bem pronunciado de erotismo de alguns trechos contribui e muito para a história. Não se trata de uma mera exposição barata de cenas de sexo e sim de algo que cria uma intimidade entre o leitor e os personagens.
Alan Moore sabe bem a história que possui em mãos. Em nenhum momento fica a sensação de que ele não sabe para onde ir. Quem possui um conhecimento razoável sobre os eventos de 1888 em Whitchapel (bairro pobre de Londres onde Jack fez suas vitimas) vai identificar muitos fatos reais que foram inseridos na versão de Moore de modo que criasse uma explicação valida, embora conveniente do ponto de vista narrativo, para as lacunas deixadas pelos eventos reais. É obvio que se trata de uma ficção, mas existem sim elementos que são encadeados de forma coerente de modo que em muitos momentos agente se pergunta: ok, por que não?
Alan Moore levou uma década para concluir essa magnífica obra que é também um retrato da população pobre da Londres do século XIX. E comum encontrarmos textos que exploram a Londres vitoriana porem de uma perspectiva mais aristocrática, ou seja, as residências ricamente mobiliadas com seus jardins ingleses e costumes burgueses. Aqui essa imagem idílica aparece apenas como elemento de realce para mostrar o distanciamento enorme entre as classes sociais do período.
O resultado é um texto muito bem feito e envolvente, pois é importante ressaltar: o fato de um texto ser bom não necessariamente se traduz em uma boa experiência de leitura. Existem livros que possuem um conteúdo excepcional, porem são chatos. Definitivamente isso não acontece em “Do inferno”. Foi um texto que me prendeu desde o inicio!
Os grupos de personagens são muito bem construídos desde as prostitutas com seus diálogos expositivos ao inspetor Aberline, um personagem que não possui vigor ou carisma, mas que se torna interessante devido à ligação que estabelece com uma das mulheres do grupo. O príncipe Albert – neto da Rainha Victoria - têm uma grande relevância, pois é em torno dele que o enredo se constrói, porem ele é de longe o personagem mais apagado.
Willian Gull é sem duvida o mais profundo e enigmático de todos. Na pele do assassino Jack ele consegue elevar a historia ao nível da catarse. Um fato que aparentemente se resume as ações de um louco se transforma numa divagação filosófica que resume o século XIX e projeta o violento século XX. Suas divagações são excepcionais e a sua teoria sobre uma “arquitetura da historia” é algo que nos leva a questionar elementos como a linearidade do tempo.
Nenhum dos personagens mais relevantes é unidimensional, ou seja, todos eles apresentam certo desenvolvimento. A empatia do leitor por esses personagens surge gradualmente de forma que a arte rústica dos traços de Eddie Campbell - que no inicio pode dificultar um pouco o entendimento - se torna completamente irrelevante depois de algumas paginas. Muito tem se falado sobre os desenhos de Campbell. Alguns gostam outros nem tanto, mas o fato é que o aspecto de “rascunho” dos desenhos me agradou bastante.
De fato não é uma arte que prima por uma estética perfeita. Inicialmente pode ser um pouco complicado identificar certos personagens. Um leitor menos detalhista certamente vai se perder em algumas passagens ao se perguntar, por exemplo, se o personagem de determinado quadro é o mesmo do quadro anterior. No entanto, esse obstáculo acaba criando uma atmosfera de mistério que se justifica diante do desfecho. Quem leu sabe do que estou falando!
Existem alguns cortes bruscos – por pura conveniência narrativa - em alguns diálogos que podem confundir um pouco os leitores menos familiaridades com HQs. A linguagem é bruta, agressiva, obscena e sempre acompanha o tom dos elementos que ela busca narrar. O problema é que exatamente onde a obra acerta ela também apresenta falhas: as gírias na linguagem dos personagens são muito atuais e distante da fala do século XIX.
Em determinados momentos os personagens não parecem pertencer ao período no qual os eventos ocorrem deixando a sensação de uma caracterização moderna do passado. Por outro lado o uso da linguagem mais atual parece buscar estabelecer uma ligação entre os eventos daquele período é o século posterior. É exatamente essa relação entre o século XIX e o XX que fazem de “Do inferno” uma obra prima magistral.
O desfecho da obra acompanha aquilo que o texto vinha desenvolvendo, ou seja, não ocorre uma grande reviravolta no enredo embora exista um pequeno twist no final que obviamente não direi qual é. Isso faz sentido, pois não existe nenhum mistério em “Do inferno”. O assassino é revelado logo no inicio de modo que o que fica para o final é uma retomada de fatos reais que levam o próprio leitor a repensar o propósito do texto. O objetivo de Alan Moore não foi falar sobre Jack, o estripador. Ele utilizou a história do assassino para abordar outro tema. O que fica após a leitura é a questão: Seria Jack ou o século XX um produto do inferno?
AUTOR
TIAGO R. CARVALHO
DO INFERNO
Autor: MOORE, ALAN
Tradutor: MARTINS, JOTAPE
Ilustrador: CAMPBELL, EDDIE
Editora: EDITORA VENETA
Assunto: HQs - Quadrinhos
Idioma: PORTUGUÊS
Ano: 2014 Encadernação: CAPA DURA
Altura: 28,00 cm
Largura: 21,00 cm
Comprimento: 3,90 cm
Nº de Páginas: 592

terça-feira, 22 de agosto de 2017

AGENDA DE EVENTOS COMPANHIA DAS LETRAS


Eventos de lançamento de Lima Barreto: Triste visionário Lilia Moritz Schwarcz promove nesta semana diversos eventos de lançamento de Lima Barreto: Triste visionário, biografia do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma. Confira as datas e cidades.
Debate na UFRJ
Segunda-feira, 21 de agosto, às 17h
Lilia Moritz Schwarcz conversa sobre Lima Barreto com André Botelho, Beatriz Resende e Flávio Gomes.
Local: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ - Largo São Francisco de Paula,1 - Rio de Janeiro, RJ Aula de lançamento em São Paulo
Terça-feira, 22 de agosto, às 19h30
Uma aula sobre a vida e a obra de Lima Barreto na inauguração do teatro do Sesc 24 de Maio. Retirada de ingressos a partir das 18h30 no foyer do teatro.
Local: Sesc 24 de Maio - Rua 24 de Maio, 109 - São Paulo, SP
Lançamento de Inquebrável
Fernando Fernandes e Pablo Miyazawa lançam Inquebrável pela Editora Paralela. Confira locais e datas dos eventos. São Paulo
Terça-feira, 22 de agosto, às 19h
Local: Saraiva do Shopping Pátio Paulista - Rua Treze de Maio, 1947 - São Paulo, SP
Rio de Janeiro
Quinta-feira, 24 de agosto, às 19h
Local: Livraria da Travessa do Shopping Leblon - Avenida Afrânio de Melo Franco, 290 - Rio de Janeiro, RJ
Sempre um Papo com Luiz Eduardo Soares
Terça-feira, 22 de agosto, às 19h
Luiz Eduardo Soares, autor de Rio de Janeiro, participa de mais um encontro do Sempre um Papo.
Local: Auditório da Cemig - Rua Alvarenga Peixoto, 1220, Santo Agostinho - Belo Horizonte, MG
Lançamento de Chic profissional
Terça-feira, 22 de agosto, às 19h30
Gloria Kalil autografa Chic profissional em Curitiba.
Local: Livrarias Curitiba do Shopping Palladium - Av. Presidente Kennedy, 4121 - Curitiba, PR
Sessão de autógrafos com Raphael Montes
Quinta-feira, 24 de agosto, às 18h30
Raphael Montes, que está relançando Suicidas pela Companhia das Letras, autografa seus livros no Rio.
Local: Livraria da Travessa Botafogo - Rua Voluntários da Pátria, 97 - Rio de Janeiro, RJ
Marília Garcia autografa Câmera lenta
Quinta-feira, 24 de agosto, às 19h
Marília Garcia lança em São Paulo seu novo livro de poemas, Câmera lenta.
Local: Tapera, Taperá - Av. São Luís, 187, loja 29, Galeria Metrópole - São Paulo, SP
Ana Maria Machado na FLIM
De 25 a 27 de agosto
Autora de Ponto de Fuga e Um mapa todo seu, Ana Maria Machado é a autora homenageada da Festa Literária de Santa Maria Madalena, no Rio de Janeiro.
Autores do Grupo Companhia das Letras no Seminário Fazer Pensar Brasil
Sexta-feira, 25 de agosto, das 9h às 18h30
José Miguel Wisnik, Lilia Moritz Schwarcz, Pedro Meira Monteiro, André Botelho, Ricardo Teperman e Lira Neto participam do Seminário Fazer Pensar Brasil. O evento também contará com lançamento de Lima Barreto: Triste visionário.
Local: Instituto brincante - Rua Purpurina, 412, Vila Madalena - São Paulo, SP
ENTRADA FRANCA | Sujeito à lotação
Pré-inscrição: http://bit.ly/FazerPensarBrasil
Informações: http://bit.ly/FazerPensarBrasil_Eevento
Programação sujeita a alterações. Consulte o calendário atualizado Blog da Companhia

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

A COLHER QUE DESAPARECE


Em química é comum atribuir nomes da mitologia aos elementos devido a suas propriedade. Na mitologia grega Tântalo foi condenado a sofrer eternamente de sede ainda que seu corpo estivesse mergulhado em um rio. Sempre que ele se curvava para beber de suas águas estas se afastavam de sua boca.
O elemento de numero atômico 73 recebeu esse nome devido a sua característica de não se misturar facilmente em água. O Tântalo é um elemento que normalmente se encontra no solo misturado a outros metais, geralmente é encontrado associado ao Nióbio. Na mitologia grega Nióbia era filha de Tântalo e por isso o elemento de numero atômico 41 recebeu foi batizado de Nióbio – pois ambos possuem propriedades físicas e químicas semelhantes.
Tântalo e Nióbio são elementos resistentes a corrosão, ou seja, são difíceis de sofrerem oxidação (perda de elétrons). Isso torna a ambos excelentes alternativos para a produção de baterias de aparelhos eletrônicos como celulares uma vez que ambos seguram bem uma carga elétrica. O principal fornecedor de Nióbio na década de 90 era a República Democrática do Congo – antigo Zaire. Tribos do Zaire estavam em guerra com rivais de Ruanda, na África Central. Em 1996 os terríveis massacres de Ruanda sinalizaram ao mundo o caráter brutal do conflito. O governo do Zaire precisava de dinheiro para manter a guerra e os massacres e esse dinheiro veio das empresas de componentes eletrônicos européias e ocidentais.
No Zaire o Tântalo e o Nióbio era retirados do solo de forma simples e rudimentar: bastava uma simples pá para recolher o barro cinzento que ficava nas margens dos rios e que era chamado de Coltran – basicamente uma mistura rica em Nióbio. Centenas de família se embrenharam nas matas em busca do ouro barrento que sustentava a guerra. Como passavam dias, e em alguns casos vários meses, no meio das matas as pessoas buscavam meios alternativos para se alimentar. A caça ao gorila africano atingiu o auge neste período.
Os garimpeiros passaram a se alimentar de carne de gorila para não morrer de fome. Esse contato entre humanos e gorilas provocou a ameaça de extinção do ultimo e alguns pesquisadores acreditam que foi esse contato que promoveu o desenvolvimento do vírus HIV – um vírus que se desenvolveu inicialmente nas células do gorila africano. O contato de seres humanos portadores de vírus patogenos a sua espécie - como a gripe comum – pode ter entrado em contato com o vírus HIV primitivo do gorila. Desse contato uma provável mutação permitiu ao vírus HIV adquirir receptores que permitissem sua entrada em células humanas, dando inicio a uma das maiores tragédias da historia do homem.
Essa é apenas uma das centenas de historias que preenchem a interessante obra de S.Kean “A colher que desaparece”. Como alguém apaixonado por química, como eu, a historia dos elementos químicos sempre foi um foco de minha atenção. O Nióbio vem ganhando destaque junto a mídia devido a expectativa representada por sua exploração econômica. Resta a nos torcer para que o seu passado sangrento não volte a se repetir.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
A COLHER QUE DESAPARECE
Autor: KEAN, SAM
Tradutor: CARINA, CLAUDIO
Editora: ZAHAR
Ciências Exatas - Química
Ano: 2011
Nº de Páginas: 370

domingo, 13 de agosto de 2017

UMA HISTORIA DA ÓPERA


“Carmen” é uma opera cômica que termina em tragédia. A história se passa em Sevilha onde a cigana Carmen, uma mulher promiscua, convence Jose a abandonar sua carreira no exercito e se aliar ao bando de contrabandistas. Foi uma das óperas de maior sucesso do século XIX, mas parte de seu sucesso se deveu a um fato macabro de sua historia.
Em 2 de junho de 1875, durante a 33ª apresentação de “Carmen” a cantora Celestine Gelli-Marie desmaiou no palco após sentir uma forte dor no lado direito do corpo. O fato aconteceu durante o terceiro ato, no exato instante em que Celestine encenava a icônica cena do taro marcada pela aparição da carta da morte.
Após recobrar a consciência Celestine conseguiu terminar o espetáculo, mas logo em seguida caiu em prantos. Enquanto ainda tentava se recuperar do ocorrido chegou a noticia de que Bizet, autor da ópera “Carmen”, havia falecido poucas horas antes. Essa é outras historias estão presentes em “Uma historia da ópera”, de Carolyn Abbate e Roger Parker. Um texto ambicioso que se propõe a discutir os mais de quatrocentos anos de história da ópera, uma arte cuja beleza emerge do seu aspecto irreal.
O questionamento inicial que os autores levantam é bem interessante: para se apreciar a ópera é necessário que o publico entenda o idioma no qual ela é encenada? Alguns especialistas acreditam que não. Isto porque ao serem pronunciadas como musicas algumas palavras perdem o seu significado semântico. Entre os elementos que contribuem para essa perda está o som dos instrumentos que tanto servem como moldura para a voz humana como em determinados momentos suplantam essa mesma voz.
Existe de fato uma pretensão poética nas letras de algumas musicas, porem os significados dos mesmos versos mudam de acordo com a forma na qual são pronunciados: na poesia a beleza está no significado da palavra, na musica é o som dessa palavra que se destaca, portanto a musica explora muito mais o elemento estético da língua do que o seu significado verbal.
Outro ponto levantado pelos autores é o fato de a ópera ser tão exótica e, por conseqüência, estranha. Um dos elementos que essa arte busca é a fuga da realidade, provocar o esquecimento e isso inclui o abandono temporário da obsessão moderna pelo aspecto do visual perfeito. E dessa forma que, segundo os autores, a ópera apela para algo que transcende a estreita dimensão cognitiva humana.
Uma das coisas de que eu senti falta no início apareceu por volta da pagina duzentos, que é a contextualização histórica. Até esse momento os autores se detiveram nos aspectos mais técnicos da ópera. Mozart, como já era de se esperar, aparece como figura central. O compositor, no entanto, não tem tanto destaque quanto suas peças e seus trabalhos. Os aspectos biográficos surgem apenas como elementos de transição o que é muito bom tendo em vista aquilo que a obra tem como pretensão: narrar à história da ópera e não a história de seus ícones.
A contextualização do romantismo alemão na ópera é inserido no texto através de uma passagem belíssima da obra “Orlando”, de Virginia Woolf. Era meia noite de 31 de dezembro de 1799:
“O relógio deu meia noite, nuvens cobriram o céu a partir do norte, soprava um vento frio, a luz de mil velas douradas se extinguiu, e, subitamente, aqueles que estavam vestidos com diamantes e calções de seda branca e rendas prateadas e cetim cor de pêssego se envolveram em sombrios veludos e ornamentos feitos de contas de âmbar negro. O século XIX tinha chegado.”
A ópera alemã do século XIX tinha um aspecto xenofóbico bem evidente, e é por meio da contextualização que os autores explicam o porquê dessa hostilidade alemã para com os demais povos. As constantes invasões napoleônicas, por exemplo, criaram a imagem de uma nação violada, corrompida. Isso é muito interessante porque explica o anti-semitismo de alguns grandes ícones da ópera alemã como Richard Wagner – ícone supremo e símbolo maximo de admiração de Adolf Hitler, o cabo austríaco que em seus anos de juventude era um assíduo freqüentador das casas de ópera de Viena.
O problema maior aqui é a abrangência do publico alvo. Os autores obviamente criaram uma obra que fosse relevante para os críticos e também para o publico mais leigo. O resultado foi uma quebra no impulso narrativo devido a sua intermitência. Em um momento estamos lendo sobre a vida de um grande compositor e sobre a relevância de determinada ópera e no momento seguinte somos jogados numa tempestade entediante de análises puramente técnicas e incompreensíveis para qualquer leigo.
O que os autores fazem de melhor é apresentar ao leitor o material que este tem em mãos. O capitulo inicial é absurdamente bem escrito. Certamente é um texto que cumpre o que promete, pois desde o inicio fica claro que ele dialoga com todo tipo de leitor. Nas ultimas cem paginas a narrativa se torna mais truncada com muitas análises técnicas e com contextualizações ocasionais. Em uma delas os autores exploram a influencia da psicanálise de Freud nas encenações operísticas do final do século XIX.
Ao termino da leitura fica de fato a sensação de que a obra é direcionada a um publico familiarizado com o mundo da ópera, embora isso não signifique que não possa ser lido por um leigo que procura em textos desse gênero informações, como por exemplo, sobre a rotina dos atores, figurinos, detalhes arquitetônicos, histórias de bastidores, enfim o trivial associado a um resumo das óperas. Tudo isso está presente na obra porem de forma mais minimalista, o que predomina é a análise técnica: libretos, orquestrações, etc. Um ótimo texto onde a arte é sempre superior ao artista.
AUTOR
TIAGO R. CARVALHO
UMA HISTORIA DA OPERA
Autor: ABBATE, CAROLYN e PARKER, ROGER
Tradutor: GEIGER, PAULO
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
Ano: 2015
Nº de Páginas: 656

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

BIOGRAFIA INTIMA DE LEOPOLDINA


“nós, pobres princesas, somos como dados cuja sorte se joga e cujo destino depende do resultado. Dirás que sou uma verdadeira filosofa, mas o fogo da juventude se apaga facilmente quando as pessoas se tornam prudentes por experiência própria”.
- Leopoldina
“A biografia intima de Leopoldina” do cientista político Marsilio Cassoti, talvez venha resgatar a imagem real da princesa do Brasil, considerada até então como coadjuvante no processo de independência. Leopoldina foi tão determinante no processo quanto o próprio imperador Dom Pedro I. Lamentavelmente a historiografia brasileira encerrou-a dentro dos moldes da estrangeira feia, desleixada, subordinada ao marido e restrita ao papel de mãe.
Na obra de Cassotti vemos despertar uma jovem de beleza austríaca, inteligente e apaixonada por mineralogia e ciência. As primeiras cem paginas narram o período de formação de Leopoldina desde a infância até o momento em que ela finalmente desembarca no Brasil. Apesar de ser um texto fácil de ler acredito que essas primeiras paginas possam, de alguma forma, entediar leitores menos familiarizados com biografias de personalidades históricas. Não foi esse o meu caso!
Leopoldina teve no Brasil o que se pode definir como uma vida monótona e marcada por humilhações devido a infidelidades do seu marido. Ela se refugiava na natureza, se empenhava nas aulas de piano, português e latim. Adorava passar as tardes na famosa “cascatinha do tijuco” ou cavalgando. Esse estilo de vida pacato não tornava sua historia desinteressante embora não se possa dizer que possua o mesmo vigor que a historia de sua famosa tia, a extravagante rainha francesa Maria Antonieta.
A admiração por Leopoldina surge diante da narrativa de uma noite chuvosa quando uma princesa, ostentando um ventre com cinco meses de gestação, se levanta da cama preocupada com a perspectiva de um ataque das tropas portuguesas enviadas de Lisboa. Enquanto Leopoldina pensava na situação política, Dom Pedro se perdia nos braços de sua amante, a famosa Domitila de Castro. Na manha seguinte, 2 de setembro, a revelia de Dom Pedro, Leopoldina reuniu o Conselho de Estado. Foi esse conselho, marcado pela presença dominante de Jose Bonifacio de Andrada e Silva, outro ícone admirável da historia do Brasil, que deu inicio ao processo de separação de Portugal. Logo após e reunião do conselho Leopoldina escreveu a Dom Pedro:
“(...)O Conselho de Estado vos aconselha a ficar. Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças se partirmos agora para Lisboa. Sabemos bem o que tem sofrido nosso país. O rei e a rainha de Portugal não são mais reis, não governam mais, são governados pelo despotismo das cortes que perseguem e humilham os soberanos a quem devem respeito. O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com vosso apoio ou sem vosso apoio, ele fará sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrecerá.”
Após ler a carta de Leopoldina, Dom Pedro se restringiu ao gesto patético de dizer a seu assistente: “Dize à guarda que acabo de fazer a independência completa do Brasil. Estamos separados de Portugal!”
O tom político que a obra assume em determinado momento pode frustrar um pouco aqueles que esperavam de fato uma biografia “intima” da princesa do Brasil. No entanto após os acontecimentos do processo de independência a narrativa volta à esfera privada de Leopoldina, começando com a perda de seu mais poderoso aliado: Jose Bonifacio, que caluniado por seus rivais ousou levantar suspeitas sobre Domitila. Irritado com as alegações de Bonifacio o imperador acabou por demiti-lo do cargo de Ministro.
Leopoldina passou a se refugiar cada vez mais na natureza, passou a se importar ainda menos com sua aparência e a buscar na solidão das cavalgadas a resposta para seus dilemas. Na madrugada do dia 1º para 2 de dezembro ela sofreu um aborto espontâneo. Seu estado foi ficando cada vez mais critico até que na manha de 11 de dezembro de 1826 sua historia chegou ao fim. Tinha apenas 29 anos de idade.
A jovem princesa do Brasil certamente não tem o reconhecimento que deveria ter. Foi uma mulher admirável que certamente teria tido uma vida muito mais gloriosa como princesa de um país que valoriza-se mais as artes e o conhecimento. Sua tragédia talvez se deva ao fato de ser uma jovem princesa em um país ainda mais jovem. Ótimo Livro!!!
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
A BIOGRAFIA INTIMA DE LEOPOLDINA
Autor: CASSOTTI, MARSILIO
Editora: PLANETA DO BRASIL
Ano: 2015
Nº de Páginas: 304

terça-feira, 1 de agosto de 2017

A BIBLIOTECA ESQUECIDA DE HITLER


Timothy Riback
É muito comum ouvir criticas sobre a saturação do mercado literário com obras sobre Hitler e o nazismo. Embora reconheça que existe uma atenção desproporcional das editoras brasileiras pelo tema, em função do seu apelo comercial, existem muitas obras que apesar de falarem de um mesmo evento o fazem de diferentes ângulos de modo que um funciona como complemento do outro.
O problema é que um mercado literário monotemático acaba deixando de lado inúmeros outros temas igualmente relevantes e que em alguns casos tratam de eventos pré e pós segunda guerra mundial (1939-1945). Isso é muito significativo, pois se cria um publico informado sobre os eventos da guerra, mas incapaz de identificar os elementos que levaram a ela ou compreender seus desdobramentos. Se existe uma obra que explora uma face até então desconhecida do ditador austríaco é “A biblioteca esquecida de Adolf Hitler” do historiador Timothy W. Riback.
É um texto sem grandes pretensões e direcionado a todo tipo de publico, inclusive o mais leigo. Não existe predomínio da política aqui e embora a obra se permita fazer uma breve biografia de Hitler à idéia é mostrar como ele moldou seu pensamento buscando amparo nos livros. Riback não oferece a imagem de um homem influenciado pelos livros, muito pelo contrario: Hitler já possuía suas convicções políticas e raciais e o que ele fazia era buscar nos livros autores que partilhassem dos mesmos pontos de vista.
O autor explora uma face mais humana de Hitler e nos mostra que ele não era um completo fanático nacionalista que considerava tudo que fosse alemão superior aos demais; ele, por exemplo, considerava Shakespeare muito superior a Goethe.
É um livro fácil de ler, muito interessante, com uma abordagem diferenciada e bem menos carregado de tensão que as demais obras sobre Hitler trazem em seu núcleo. Ótimo texto de um autor que resolveu se lembrar de algo que todos haviam se esquecido: o papel da leitura na vida de todos nos.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
A BIBLIOTECA ESQUECIDA DE HITLER OS LIVROS QUE MOLDARAM SUA VIDA
Autor: RYBACK, TIMOTHY W.
Tradutor: KORYTOWSKI, IVO
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
Ano: 2009
Nº de Páginas: 328

terça-feira, 25 de julho de 2017

CãozinhO


Foi-se embora o meu cãozinho!
Meu cãozinho se foi!
Meu herói... minha heroína;
Partiu com um dilacerante adeus
E me deixou aqui;
cheio de saudades;
cheio de lembranças;
que nunca morrem;
que nunca me deixam;
e que nunca me permitiram ser novamente
o que eu era antes dele.
TIAGO R. CARVALHO

sexta-feira, 14 de julho de 2017

FOI-SE O MARTELO!


Em um primeiro momento me parece ser bastante contraditória a posição do Partido Comunista Soviético em se auto proclamar como um produto do marxismo e ao mesmo tempo ser profundamente ideológico. Isto porque o próprio Karl Marx tinha um conceito bastante negativo quanto às ideologias. Ele as considerava como um mecanismo de coerção social que dificultava a percepção do que ele chamava de alienação.
Marx considerava como ideologia o conjunto de idéias e normas que condicionavam o comportamento dos indivíduos aos interesses da classe dominante. No sistema soviético supostamente não existiam classes, mas apenas uma: a do proletariado. Uma única classe com uma ideologia tornava o cidadão soviético alheio a todos os aspectos de sua vida. Era a forte ideologia do partido comunista que impedia que essa condição alienada torna-se obvia.
O que num primeiro momento me pareceu contraditório posteriormente se tornou bastante lógico: o responsável pela transfiguração da essência negativa do conceito marxista de ideologia para algo positivo foi o próprio Vladimir Lenin que criou a idéia de uma ideologia proletária oposta a opressiva ideologia burguesa. Na teoria um antagonismo, na pratica apenas mais do mesmo.
Relançado pela Companhia das Letras, em função do centenário da revolução russa, a obra “O tumulo de Lenin”, do jornalista norte americano David Remnick, é um mergulho político nos momentos finais do regime soviético. Corrupção, inflação, burocracia partidária, produtividade insuficiente, diferenças culturais e étnicas, escassez generalizada e altos gastos com industria bélica na manutenção da linha de frente da guerra fria fizeram o gigante vermelho desmoronar.
Não é uma obra que se detém em informações, ou seja, ela presume que seu leitor tenha certo conhecimento dos fatos apresentados. O quadro histórico é apresentado sem muitos esclarecimentos, o que é muito bom tendo em vista o que o texto de propõe a ser. O autor constrói uma espécie de crônica sobre o que ele viu em diversas cidades da União Soviética no período de 1985 a 1991.
O livro é recheado de entrevistas que oscilam do cidadão comum ao mundialmente conhecido físico Andrei Sakarov. É por meio dessas entrevistas que Remnick resgata alguns lampejos da trágica historia russa do século XX. Esse é sem duvida um dos grandes méritos da obra pois a forma como o autor transita entre o passado é o presente é construída por meio de uma narrativa artificiosa e agradável.
O tema central é basicamente a política de Mikhail Gorbatchev que promoveu a desfragmentação da União Soviética e a sua posterior transição de um regime socialista para um democrático. A narrativa se articula em torno da Perestróika e tenta mostrar a polaridade política entre os que defendiam a necessidade de reformas e a linha dura do partido comunista.
Alguns capítulos possuem nomes de obras clássicas da literatura como “Gente Pobre” de Dostoievski e “Ilusões Perdidas” de Balzac. Outros fazem uma espécie de paralelo entre o que existia na literatura e o que podia ser visto na União Soviética, como é o caso do impressionante capitulo “A revolução subterrânea” no qual a realidade dos mineiros da cidade siberiana de Mezhdurechensk é comparada a dos mineiros da fantástica obra de Emile Zola: “Germinal”.
O “Tumulo de Lenin” é uma obra excelente, e eu diria que é mais um grande acerto da Companhia das Letras. Grande em todos os sentidos, pois a obra possui 670 paginas de texto (excluindo as paginas com notas e referencias). O projeto gráfico é bem simples e com poucas fotos.
Não é uma obra que agradaria a todo tipo de leitor, pois apesar de ser um texto bem fácil ele possui uma boa dose de política, sobretudo nas ultimas paginas quando o foco passa para a tentativa de golpe de Estado dos conservadores e o ataque ao prédio do Parlamento Russo. Mas para quem se interessa pelo tema chega a ser muito satisfatório ler sobre ícones como Boris Yeltsin e Gorbatchev em meio ao turbilhão político que marcou o final do século XX e sobre o qual se ergueu o século seguinte que já nasceu em meio a incertezas e cercado por todo tipo de violência. Grande livro, ótima narrativa e um excelente resgate histórico.
AUTOR
TIAGO R. CARVALHO
O TUMULO DE LENIN
OS ULTIMOS DIAS DO IMPERIO SOVIETICO Autor: REMNICK, DAVID
Tradutor: COUTO, JOSE GERALDO
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
Ano: 2017
Nº de Páginas: 712

Seguidores