segunda-feira, 21 de março de 2016

CRISE NA DEMOCRACIA A VIOLENCIA COMO RECURSO CIVIL


“Como explicar que o homem, um animal tão predominantemente construtivo, seja tão apaixonadamente propenso a destruição? Talvez porque seja uma criatura volúvel, de reputação duvidosa. Ou talvez porque seu único propósito na vida seja perseguir um objetivo, algo que, ao ser atingido, não é mais vida, mas o princípio da morte.”
- Dostoievski
Qual seria o melhor conceito para se definir um cidadão? Os adeptos enlouquentes do capitalismo dirão que antes de ser cidadão é preciso ser consumidor. Os socialistas certamente dirão que ser cidadão e sacrificar os interesses particulares em prol do coletivo. Aqui um intrigante debate filosófico não passa despercebido: até que ponto a sociedade “perfeita”, embora seja praticamente impossível encontrar um conceito de perfeição que se aplique a todos, se constrói a partir da perda de identidade de cada um de seus integrantes? Ora sacrificar seus interesses, sonhos e desejos segundo as imposições coletivas de uma massa de anônimos não seria exatamente isso? Essa forma de governo do coletivo exige que cada um de seus membros antes destrua a si mesmo como requisito fundamental.
Os conservadores dirão que cidadão e aquele que se pronuncia através do voto; os perfeccionistas complementam essa forma de classificação dizendo que votar apenas não basta, é preciso votar de forma facultativa e consciente. Em ambos os casos esses ideólogos da cidadania parecem ignorar que o voto antes tido como um símbolo de luta pela democracia hoje é sinônimo de demagogia, manipulação e pior: símbolo de medida improdutiva, ineficaz e de pouco valor. Pode se dizer que o voto foi elevado as alturas graças a sua origem num passado de revoltas. Uma definição mais filosófica, embora não menos política, considera cidadão aquele com poder para influenciar no destino político do Estado do qual faz parte. Restringir o papel do cidadão ao ato de votar reforça os mecanismos que contribuem para a exclusão dos temas políticos e econômicos da pauta diária da população. Como um subproduto, bastante conveniente para alguns segmentos, dessa política “disciplinante” vemos a manutenção do conformismo e a valorização da tendência de direcionar os acontecimentos para o caminho do imprevisível.
Cidadão sempre foi um termo sem definição clara, isso porque existem muitos conceitos, naturalmente antagônicos e com uma hierarquização particularizada, e muito pouco consenso. A associação explosiva entre cidadania e agressividade não é um fenômeno moderno. A violência com a qual os homens escrevem sua própria história é o exemplo mais claro de que a “cultura da violência” se mantém e se aprimora ao longo do tempo, se é que se pode considerar um comportamento irracional passível de aprimoramento.
As formas mais comuns de violência, principal protagonista da caótica novela urbana, solapam diariamente a crença do individuo no poder de contenção das leis vigentes. O aumento do nível de transgressão social é sempre interpretado como uma consequência do pouco poder efetivo do ordenamento jurídico. É justamente nesse contexto que a violência se consolida como argumento e passa a gerar as expectativas que a alimentam. Nada apavora mais o homem do que a perspectiva de uma iminente perda de controle. A genuína incapacidade de lapidar a realidade segundo um padrão particular ditado por aspectos variados, ou seja, a vulnerabilidade diante do caos imposto pela intrigante aleatoriedade aparente das circunstancias está entre as formas mais expressivas de tormento. O homem só compreende a extensão real de sua insignificância quando percebe que o sentido que tanto procura por traz de cada evento é uma ilusão. É aqui que encontramos os limites de atuação da razão. A violência e o acaso são filhos do mesmo berço. Se for de fato o acaso que rege a vida humana, pode-se dizer que a violência é o produto da assimilação dessa verdade aparente. É do silencio delineado pela aparente ausência de sentido das circunstancias que o homem alimenta o barulho incessante de suas frustrações.
O poder repressor teria criado a violência ou seria está uma consequência do autoritarismo? Para responder essa pergunta seria necessário fazer uma distinção clara entre a violência física e a violência política, adotada como mecanismo de coerção social. Ambas não partilham dos mesmos parâmetros de compreensão. A violência inata do homem, resquício de sua origem primitiva, tem sua origem tanto nos aspectos inconscientes de seu ser quanto nos aspectos do meio que o delimita. Essa interpretação, bastante limitada do conceito moderno de violência, não necessariamente remete a uma conclusão equivocada. Em algumas situações é preciso limitar, encerrar os fatos em seus devidos limites, para compreender.
A violência sempre esteve à margem das ações humanas a única variável é quanto ao seu grau de expressão. Na maioria dos casos surge como uma resposta ao medo. Diante do vazio assustador do imprevisível o aspecto primitivo da natureza humana se faz presente através da falsa noção de segurança que um comportamento violento é capaz de invocar. Durante a Revolução Francesa (1789-1799) a política de Terror adotada pelos jacobinos se deveu ao medo de que a guerra com as monarquias européias, associada à atividades contra-revolucionárias, pudesse resultar na destruição da jovem republica francesa. Os expurgos deflagrados na extinta URSS entre os anos de 1937-1938 pelo ditador Josef Stalin foram motivados pelo medo de uma suposta guerra entre as potencias capitalistas aliadas à Alemanha contra o socialismo soviético. Cada um dá vida a seus próprios demônios! Chega a ser irônico o fato de que o homem sempre recorre a guerra quando busca a paz.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

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