domingo, 3 de dezembro de 2017

UM NOVO OLHAR SOBRE A NATUREZA: ALEXANDER VON HUMBOLDT POR ANDREA WULF


Todo pensamento racional possui certa medida de irracionalidade. Humboldt foi um dos mais famosos cientistas de seu tempo. Um homem que se dizia amante da natureza. É nesse ponto que se concentra o caráter antagônico do naturalista: a razão, como disse o pensador Max Horkheimer surgiu devido ao desejo do homem de dominar a natureza através da descoberta de suas leis. Como um homem pode pretender dominar algo que ele a principio admira? A resposta está no sentido com que esse mesmo homem define o termo “dominar”.
Alexander Von Humboldt foi um dos mais famosos naturalistas e cientistas de seu tempo. Um homem que foi capaz de associar ciência e poesia na criação de uma ferramenta que lhe torna-se possível desnudar os segredos da natureza e, portanto, dominá-la.
Logo nas primeiras paginas fica evidente a admiração que Andrea Wulf sente por seu biografado. Ela constrói a imagem de um menino inquieto, com certa dificuldade aos estudos e que gostava de perambular pelos bosques e ler narrativas de viagens além mar. O texto é muito fluído é a autora não se prende a uma análise mais criteriosa aos primeiros anos de Alexander Von Humboldt. Em pouco mais de vinte paginas vemos a historia evoluir de um simples menino que gostava de coletar rochas e insetos a um inspetor de minas de 22 anos de idade.
Logo no final da segunda parte o livro sofre uma expressiva melhora em sua narrativa. A relação de Humboldt com Thomas Jeferson - o presidente americano que era apaixonado por agricultura - é uma das partes mais interessantes. É neste trecho da obra que tomamos contato com as opiniões de Humboldt sobre a monocultura e a economia de caráter agroexportadora.
Confesso que durante a leitura parte de minha admiração por Humboldt virou fumaça diante da narrativa de um homem que atirava dardos envenenados em macacos para capturar seus filhotes. A noção de ambientalista do século XIX era bem distante da que temos hoje, mas é realmente chocante ler esse trecho é não se decepcionar com um homem que é conhecido como amante da natureza. E o mais impressionante é que essa passagem é apenas uma nas quais questionamos Humboldt. O trecho sobre os cavalos sendo eletrocutados por enguias também é impressionante. O livro é muito bem escrito, mas acho que a autora tentou contornar certos momentos da história de Humboldt para que pudesse manter a imagem de um ídolo. A própria capa vende a imagem de um “Rousseau alemão”, mas na pratica não era bem assim.
ANDREA WULF
No capitulo 3 temos uma brilhante síntese da ciência iluminista do século XVIII. Andrea Wulf cria uma base narrativa a partir da relação de amizade entre Humboldt e dois ícones do romantismo alemão: Schiller e Goethe. Os três costumavam passar as tardes conversando sobre Newton, Leibnitz, Kant, etc. Goethe é uma figura que se destaca bastante no terceiro capitulo. Sua relação de amizade com Humboldt era bem concreta e de fato vemos como um foi importante para o outro no sentido de incentivar pesquisas em suas respectivas áreas de interesse. A autora descreve de forma bem simples e de fácil assimilação um dos pontos mais complexos de ser explicado que é a polarização da ciência do século XVIII entre Racionalistas e Empiristas.
Foi na America do Sul que Humboldt desenvolveu sua teoria que relaciona às mudanças climáticas a atividade humana. Um ponto interessante levantado pela autora é a preocupação que existia nos séculos XVIII e XIX quanto aos danos provocados pelo desmatamento. O carvão era o motor da revolução industrial e centenas de hectares de florestas eram derrubadas para a produção de carvão vegetal, que apesar de não ser utilizado na grande siderurgia era muito consumido no aquecimento domestico.
A preocupação era obviamente econômica, pois existia o temor de que as reservas de madeira se esgotassem. Mas havia também um movimento ambientalista embrionário que alertava para as alterações climáticas que a exploração predatória poderia acarretar. No século XIX acreditava-se que as doenças eram provocadas por “ar viciado”, ou seja, mau cheiro. É nesse rastro que surgiram homens como Hugh Williamson, medico e político norte americano que defendia o desmatamento alegando que a remoção das arvores melhorava a circulação dos ventos e a qualidade do ar.
A idéia de uma natureza rústica dominada pela razão humana foi defendida pelo famoso naturalista Frances George Lois Leclerc, conde de Buffon. A selva era vista como um ambiente hostil e feio que deveria ser organizado pelo homem como uma prova de sua suposta superioridade sobre a natureza. É deste conceito que surgiu a fascinação francesa pelos jardins simetricamente desenhados, comuns no período do iluminismo.
O projeto gráfico da editora Crítica é absurdamente bem feito: capa dura, fotos de uma qualidade incrível, letras com uma fonte excelente como adorno para um texto gentil, inteligente e interessante. Mais do que uma simples biografia a obra “A invenção da natureza” é um retrato das ciências da natureza do século XIX com uma linguagem cientifica adequada e certa dose de narrativa poética. Vale cada minuto de leitura!
AUTOR
TIAGO R.CARVALHO
A Invenção da Natureza
AUTORA: Wulf, Andrea
Editora: Critica
Numero de Paginas: 600
Ano: 2016

sábado, 2 de dezembro de 2017

SANGUE E LAMA


Eis que temos um excelente livro para aqueles que buscam iniciar os estudos sobre a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A obra do historiador Martin Gilbert é um gigantesco panorama de um dos mais terríveis conflitos da historia humana. Um texto amplo, robusto e fácil de ser compreendido até mesmo para os que possuem pouca familiaridade com temas militares. Gilbert tem uma ótima didática ao apresentar os eventos que deflagraram o confronto.
O texto é dividido em 29 capítulos, mas para avaliar a obra de forma geral eu convenientemente o dividi em três partes. Na primeira a obra explora o contexto político e cria uma tensão narrativa que deixa o texto fluido e agradável.
Na segunda parte o texto perde um pouco do ritmo e do carisma inicial. Isto porque a obra trata da guerra de forma geral e como resultado muitos momentos ficaram superficiais e confusos. A guerra na frente ocidental é tratada de forma simultânea aos combates na frente oriental de forma que a narrativa funciona como um pêndulo. Para alguns isso pode significar uma leitura confusa, para outros em uma narrativa dinâmica. Pessoalmente eu gostei bastante do método.
Os momentos mais intensos do texto são as batalhas mais clássicas da primeira grande guerra: a batalha do rio Marne, Ypres – onde foi utilizado pela primeira vez o gás venenoso -, a violenta ofensiva do Somme e as sangrentas batalhas de Verdun e Galipolli.
Um dos aspectos mais positivos dessa obra é a forma como os principais personagens do século XX são apresentados. Nomes como Churchill, Hitler, Mussolini, Lenin, Patton, Roosevelt, Truman, Romel, Zukov, o filosofo Wittgenstein e até mesmo Albert Einstein aparecem aos poucos no texto, sempre acompanhando o rumo dos acontecimentos. É interessante ver como essas figuras foram moldadas pelo contexto da guerra.
Martin Gilbert tem o mérito de abordar não apenas os temas militares, mas também os mitos que cercam o conflito, algo que na maioria dos casos é ignorado pela maioria dos historiadores. Um exemplo é a famosa aparição dos “anjos” – figuras brancas e altas – que supostamente foram avistadas pelos soldados nos campos de batalha próximos a cidade de Mons. É evidente que o autor tratou o assunto de forma estritamente racionalista, atribuindo essa visão ao cansaço dos combatentes, mas o simples fato de o evento ter sido mencionado já é por si apenas algo positivo.
O único ponto negativo da obra é a edição: o caderno de fotos foi impresso em papel comum, as fotos são poucas e de qualidade razoável. A tradução possui alguns erros é a capa ficou com aspecto de “documentário”. A editora Casa da Palavra poderia ter caprichado um pouco mais em seu projeto gráfico, pois a obra foi lançada no Brasil com uma preço expressivo, para dizer o mínimo.
A terceira é ultima parte do livro é excelente. Mostra a violenta ofensiva final dos esgotados exércitos do Kaiser e explora os desdobramentos do termino do conflito, principalmente na Alemanha onde o Tratado de Versalhes foi visto como o prenúncio de uma futura guerra... Infelizmente não estavam errados.
AUTOR
TIAGO R.CARVALHO
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
Autor: Martin Gilbert
832 páginas
Editora: Casa da Palavra;
Edição: 1ª (7 de agosto de 2017)
Idioma: Português

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

AS VIRGENS DE VIVALDI


A Ospedalle della pietà era uma instituição para órfãs de Veneza que ficou famosa no século XVIII pelo alto nível de educação musical que dispensava a suas internas. As meninas eram divididas em dois grupos: as chamadas figlie de coro - órfãs que possuíam algum talento musical – e as figlie di comun – órfãs que recebiam educação e um treinamento ocupacional. Como nenhuma das internas possuía o nome de suas famílias elas eram conhecidas pelo nome do instrumento que tocavam. O lugar se tornou famoso devido ao seu mais ilustre maestro e professor de violino: o compositor Antonio Vivaldi, chamado de “padre vermelho” devido à cor de seus cabelos. Ali vivia Anna Maria del Violin, uma órfã de 15 anos de idade dotada de um expressivo talento como violinista, apaixonada por musica e obcecada pelo desejo de descobrir quem eram seus pais.
O romance de Barbara Quick – “As virgens de Vivaldi” - definitivamente não tem o reconhecimento publico que deveria ter. Trata-se de um texto muito bem escrito e cativante. A protagonista aparece como um ser de carne e osso, ou seja, realista na medida em que expressa seus desejos de forma natural. Não existe uma tentativa forçada de fabricar uma personagem isenta de defeitos e sim o contrario. Anna Maria aparece de fato como uma adolescente com todos os impulsos gerados pelas descobertas que essa fase da vida carrega.
É um romance que se baseia em fatos reais, mas que não se prende a veracidade dos fatos históricos. A Ospedalle della pietà realmente existiu, e ainda existe, assim como Anna Maria del Violin, que segundo registros históricos tornou-se uma conhecida violinista no século XVIII. Barbara Quick nos presenteia com uma historia intrigante, fácil de ler, sem muitos núcleos de conflito, mas que ainda assim consegue ser grandiosa dentro daquilo que ela procura ser: uma obra profunda com uma narradora que reconta o seu passado e reflete sobre os rumos que sua vida havia tomado.
O tom narrativo é o mesmo ao longo de todo o livro. A todo o momento fica a sensação de que estamos lendo um diário escrito pela protagonista. Os momentos mais interessantes são as cartas que ela escrevia para sua mãe, mesmo sem saber quem era ou se ela as leria um dia. Esses trechos são como árias de uma ópera - aqueles momentos de reflexão onde escutamos a voz de nossa própria consciência.
É preciso, no entanto, que se diga que em alguns momentos o texto cai numa narrativa desinteressante e um pouco tediosa. Fica uma sensação de que a autora esta tentando inflar o texto. Mas são raríssimos os romances que não possuem trechos assim.
Resumir esse surpreendente livro apenas como a história de uma órfã que busca descobrir a verdade sobre a sua historia é um erro grave. A obra vai muito além dessa premissa inicial e excessivamente simplificadora. O texto explora os dilemas da passagem da vida de criança para a vida adulta com a dose certa de intensidade, realismo e erotismo.
“Toda mulher, Anna Maria, e toda garota tem um lugar secreto no corpo. Se você o massagear da maneira correta, ele fará o corpo vibrar e soar como as cordas de seu violino.”
Um dos momentos mais intensos da narrativa, no meu ponto de vista e claro, ocorre quando a personagem principal esta em um cemitério conversando com outro personagem. Estou evitando citar nomes para não dar spoilers e este é um daqueles livros em que fica difícil comentar o texto sem spoilers.
“Eu sabia que cada bloco de pedra do cemitério correspondia a uma vida que fora vivida. Dentro de cada tumulo, embaixo, repousava e apodreciam os restos mortais de alguém que como eu, desejou, chorou, riu, amou. Nenhum deles chamais acreditou que aquilo que lutou tanto para conseguir ou para evitar – a pessoa mais querida, o sonho mais caro, um segredo guardado, algo especial que lhe inspirou devoção – seria esquecido como a chuva de ontem certamente será.”
O livro é sem duvida uma obra que deve ser lida e admirada. Foi uma grata experiência as horas que passei diante de suas paginas ouvindo as musicas de Vivaldi e as palavras de Anna Maria: “Rezo por um cobertor quente, por uma janela para o mundo lá fora e pelo fim de todas as ilusões. Rezo por luz.”
AUTOR
TIAGO R, CARVALHO
As Virgens de Vivaldi
Quick,Barbara
Editora: BERTRAND BRASIL
Ano: 2009
Nº de Páginas: 352

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

A ERA VITORIANA: LITERATURA


Mas nem só de números e progressos se fez a era vitoriana. Em muitos casos a característica mais marcante do período foi justamente a falta de mobilidade na medida da pura e simples estagnação. Na literatura, por exemplo, é possível extrair certas singularidades do período, como a rígida estrutura da constituição familiar. Não surpreende o fato de que na orbita do capitalismo britânico o casamento tenha aos poucos assumido o contorno de mercadoria.
A valorização burguesa do conceito de lar, ou seja, da união indissolúvel de seus integrantes no ambiente domestico, teve um amparo discreto na pratica de leitura familiar. Nesse contexto o livro, como objeto, contribuiu diretamente para a conservação do estilo de vida burguês, que acabaria por se consolidar como um estilo de criação literária. Os textos eram criados para serem lidos durante a noite, momento em que todos os integrantes da família estavam reunidos. Alguns eram recheados de temas obscuros cujas historias de fantasmas certamente teriam mais impacto durante a leitura noturna.
Jane Austen (1775-1817) produziu um quadro vivo da importância do casamento em sua obra “Orgulho e Preconceito”. Embora o livro tenha sido publicado em 1813, período anterior a era vitoriana, o mesmo já retratava os valores da sociedade surgida a posteriori e cujos valores permaneceram praticamente inalterados. Emily Bronte (1818-1848) também é uma das principais representantes de sua época, ao lado de nomes como Oscar Wilde (1854-1900) e Charles Dickens (1812-1870), Lewis Carrol (1832-1898), Robert Louis Stevenson (1850-1894), Arthur Conan Doyle (1859-1930) e Alfred Tennyson (1809–1892). Na poesia Tennyson foi um dos maiores destaques. No trecho final de seus mais belos poemas – Ulisses – o autor apresenta um belo quadro de determinação e coragem:
Ainda que muito esteja perdido, muito nos resta; e ainda que perdida a força dos velhos dias que movia céus e terras; somos o que somos; uma coragem única nos corações heróicos, débeis pelo tempo e pelo destino, mas persistentes em lutar, achar, buscar, jamais render.
Lewis Carrol – nascido Charles Lutwidge Dodgson – se tornou mundialmente famoso com a obra “Alice no país das maravilhas”, que teria criado depois de uma viajem de barco pelo Tamisa na companhia de uma menina de 10 anos chamada Alice Liddell. A vida particular de Carrol, e seu gosto, no mínimo exótico, de fotografar crianças parcialmente nuas, contribuíram para aumentar os enigmas associados a suas obras. Pelos padrões Freudianos a cena inicial de “Alice no país das maravilhas”, onde um coelho a guia para o interior de uma toca escura e estreita, que terminada num mundo de fantasia, possui uma gritante conotação sexual, tanto pelo coelho – animal que no período era associado ao sexo – quanto pela toca “escura e estreita”.
Existe uma tendência de se aplicar padrões Freudianos a todas as épocas, o que não me parece correto, mas que de forma curiosa acaba por expor certas particularidades notáveis. No caso de Lewis Carrol o padrão Freudiano parece não só perfeitamente aplicável como igualmente revelador. Não chega a ser surpreendente que textos com conteúdo homoerótico, como no caso de “O retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde, tenham sido alvo de criticas ferozes em uma época tão moralista quanto a vitoriana.
Uma das primeiras vozes literárias a se elevar por sobre a miséria das grandes cidades industriais foi Elizabeth Gaskell, autora do romance “Mary Barton” cujo enredo era direcionado aos trabalhadores das industrias têxteis de Manchester. Nascida Elizabeth Stevenson, e conhecida popularmente com Mrs. Gazkell, se tornaria uma das maiores contistas da era vitoriana, ao lado de Charles Dickens. O romance “Mary Barton” impressionou a sociedade britânica ao retratar o mundo fétido das fabricas com seus operários esqueléticos e famintos.
Charles John Huffam Dickens, nasceu em 7 de fevereiro de 1812 na cidade de Portsmouth, e logo na infância sentiu os efeitos da Revolução Industrial. Seu pai, chamado John, era um funcionário da marinha que vivia endividado. Em 1822 a família decide se mudar para Londres na esperança de melhorar de vida. Dois anos depois John Dickens vai para a cadeia por dividas. Elisabeth Dickens, sozinha a própria sorte com o filho resolve vender os pertences da família; o jovem Dickens, apaixonado por leitura desde cedo, viu seus livros serem vendidos para saldar as dividas. Em 1824 ele consegue emprego em uma fabrica de graxa como colador de rótulos. Anos mais tarde ele se recordaria de sua ocupação na fabrica como um dos momentos mais dramáticos de sua vida. Três anos depois ele se torna escrevente de um escritório de advocacia e em 1832, após aprender sozinho a taquigrafia, consegue emprego como repórter parlamentar.
Em 1836 Dickens se casar com Catherine Hogarth, filha do editor do Evening Chronicle. Naquele mesmo ano ele finalmente pública seu primeiro livro: “Retratos Londrinos”“Sketches by Boz” (O nome era devido ao costume de Dickens em assinar seus textos com o pseudônimo “Boz”). A obra teve sucesso imediato e abriu as portas para Dickens emergir como um dos maiores escritores da era vitoriana.
Apesar do sucesso estrondoso de “Grandes Esperanças” sua obra mais marcante foi “Um Conto de Natal”. A história do rabugento Ebenezer Scrooge, um funcionário de escritório que passou a odiar o Natal depois que seu sócio, chamado Jacob Marley, morreu em uma noite de 25 de dezembro, encantou a sociedade da época e se consolidou como o mais famoso conto natalino da historia. Dickens sempre fora apaixonado pelo clima natalino. Uma das mais belas passagens de sua obra “Retratos Londrinos” ele escreveu:
“Não viva no passado. Não lembre que apenas há um ano a criança que hoje já se foi estava sentada diante de você, com as bochechas rosadas e a alegre inconsciência da infância brilhando nos olhos. Pense nas bênçãos presentes – aquelas que todos os homens têm -, não nas desgraças passadas, que todos os homens possuem em algum momento da vida. Encha novamente o cálice, com um rosto feliz e o coração contente. Nossa vida depende disso (...)”
Em 1780, Luige Galvani, que na época era professor de anatomia, descobriu o efeito da eletricidade sobre os músculos. Inicialmente ele havia testado em sapos mortos e constatou a contração dos membros diante de uma descarga elétrica. Seu neto, chamado Giovani Aldini, percorreu a Europa divulgando as descobertas do avô. Em 1803 ele realizou uma de suas mais bizarras apresentações: diante de uma platéia de espectadores Giovani utilizou o cadáver de um homem que havia acabado de ser executado na forca. O cadáver, deitado em uma mesa, teve dois eletrodos ligados a dois pontos distinto, onde foi aplicada uma carga de 120 volts.
A descarga no rosto gerou movimentos convulsivos na face; em dado momento o olho esquerdo chegou a abrir. Mas o clímax aconteceu quando um dos eletrodos foi colocado na boca e o outro no reto. Ao acionar o disjuntor a contração muscular no cadáver foi tão intensa que o mesmo chegou a se sentar sobre a mesa, causando pânico entre os expectadores. Entre os que assistiam a apresentação estava uma jovem chamada Mary Shelley (1797-1851), que devido a esse espetáculo inusitado encontrou inspiração para escrever sua obra mais famosa: “Frankenstein”
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

sábado, 23 de setembro de 2017

EVA BRAUN: UMA BIOGRAFIA MINIMALISTA


Essa é uma biografia de Eva Braun cujo nome que menos aparece em suas paginas é o da própria Eva Braun. Lançada pela Companhia das Letras a obra “Eva Braun a vida com Hitler”, da historiadora alemã Heike B. Gortemaker, tenta desconstruir a imagem de uma mulher apagada vivendo a sombra de Adolf Hitler. O fato é que o livro não cumpre o que ele promete.
A narrativa é focada sobre o circulo de pessoas que tinha um contato mais intimo com Hitler, no entanto, a própria Eva Braun aparece muito pouco. Talvez a ausência de material sobre o passado da família Braun tenha determinado a construção de um texto mais superficial onde a biografada se constrói por meio do ambiente social em que ela se insere. O problema é que essa abordagem cria uma figura que emerge a sombra de outras pessoas e isso, ao meu ver, contraria a proposta do texto.
O que falta aqui é intimidade entre a autora e a biografada. Heike B. Gortemaker não conseguiu romper a dimensão social de Eva Braun e entrar em um terreno mais intimo que naturalmente é o que se espera de uma biografia.
Apesar de suas falhas a obra possui também seus méritos. O maior deles talvez seja a elegância elucidativa das palavras com as quais a autora fez um breve resumo da ascensão do regime nazista em algumas regiões da Alemanha, como na Baviera. O texto é também um ótimo apanhado sobre as pessoas que conviviam diariamente com Hitler no Berghof – sua casa de campo nas montanhas.
Embora não funcione como uma biografia tradicional a autora deve ter seus méritos reconhecidos por buscar uma diferente base de relacionamento entre o leitor e a obra. Se por um lado a obra peca devido a falta de profundidade por outro ela acerta por não entrar no campo especulativo ou recorre a dados biográficos extensos que quando não são bem trabalhados se tornam cansativos.
Como uma biografia a obra definitivamente não funciona. Como um retrato do staff de Hitler o texto se mostra mais competente. Esse é um dos casos raros em que o subtítulo da obra está mais próximo daquilo que ela se dispõe a ser: um retrato de como era a vida com Hitler.
AUTOR
TIAGO R.CARVALHO
Título original: EVA BRAUN - LEBEN MIT HITLER
Autora:Heike B. Görtemaker
Páginas: 408
Acabamento: Brochura
Selo: Companhia das Letras

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

DO INFERNO


A história de Jack, o Estripador, o primeiro serial killer a ter destaque na imprensa e que aterrorizou a Londres vitoriana do final do século XIX, é o tema desta graphic novel de Alan Moore e Eddie Campbell. “Do Inferno” possui um tom inicial de suspense que evolui de intensidade à medida que o enredo se constrói.
Não é um enredo que tenta domesticar sua historia, ou seja, não existe o menor esforço de atenuar os aspectos mais chocantes e desagradáveis. Tudo é muito visceral, intenso e sem eufemismos. O tom bem pronunciado de erotismo de alguns trechos contribui e muito para a história. Não se trata de uma mera exposição barata de cenas de sexo e sim de algo que cria uma intimidade entre o leitor e os personagens.
Alan Moore sabe bem a história que possui em mãos. Em nenhum momento fica a sensação de que ele não sabe para onde ir. Quem possui um conhecimento razoável sobre os eventos de 1888 em Whitchapel (bairro pobre de Londres onde Jack fez suas vitimas) vai identificar muitos fatos reais que foram inseridos na versão de Moore de modo que criasse uma explicação valida, embora conveniente do ponto de vista narrativo, para as lacunas deixadas pelos eventos reais. É obvio que se trata de uma ficção, mas existem sim elementos que são encadeados de forma coerente de modo que em muitos momentos agente se pergunta: ok, por que não?
Alan Moore levou uma década para concluir essa magnífica obra que é também um retrato da população pobre da Londres do século XIX. E comum encontrarmos textos que exploram a Londres vitoriana porem de uma perspectiva mais aristocrática, ou seja, as residências ricamente mobiliadas com seus jardins ingleses e costumes burgueses. Aqui essa imagem idílica aparece apenas como elemento de realce para mostrar o distanciamento enorme entre as classes sociais do período.
O resultado é um texto muito bem feito e envolvente, pois é importante ressaltar: o fato de um texto ser bom não necessariamente se traduz em uma boa experiência de leitura. Existem livros que possuem um conteúdo excepcional, porem são chatos. Definitivamente isso não acontece em “Do inferno”. Foi um texto que me prendeu desde o inicio!
Os grupos de personagens são muito bem construídos desde as prostitutas com seus diálogos expositivos ao inspetor Aberline, um personagem que não possui vigor ou carisma, mas que se torna interessante devido à ligação que estabelece com uma das mulheres do grupo. O príncipe Albert – neto da Rainha Victoria - têm uma grande relevância, pois é em torno dele que o enredo se constrói, porem ele é de longe o personagem mais apagado.
Willian Gull é sem duvida o mais profundo e enigmático de todos. Na pele do assassino Jack ele consegue elevar a historia ao nível da catarse. Um fato que aparentemente se resume as ações de um louco se transforma numa divagação filosófica que resume o século XIX e projeta o violento século XX. Suas divagações são excepcionais e a sua teoria sobre uma “arquitetura da historia” é algo que nos leva a questionar elementos como a linearidade do tempo.
Nenhum dos personagens mais relevantes é unidimensional, ou seja, todos eles apresentam certo desenvolvimento. A empatia do leitor por esses personagens surge gradualmente de forma que a arte rústica dos traços de Eddie Campbell - que no inicio pode dificultar um pouco o entendimento - se torna completamente irrelevante depois de algumas paginas. Muito tem se falado sobre os desenhos de Campbell. Alguns gostam outros nem tanto, mas o fato é que o aspecto de “rascunho” dos desenhos me agradou bastante.
De fato não é uma arte que prima por uma estética perfeita. Inicialmente pode ser um pouco complicado identificar certos personagens. Um leitor menos detalhista certamente vai se perder em algumas passagens ao se perguntar, por exemplo, se o personagem de determinado quadro é o mesmo do quadro anterior. No entanto, esse obstáculo acaba criando uma atmosfera de mistério que se justifica diante do desfecho. Quem leu sabe do que estou falando!
Existem alguns cortes bruscos – por pura conveniência narrativa - em alguns diálogos que podem confundir um pouco os leitores menos familiaridades com HQs. A linguagem é bruta, agressiva, obscena e sempre acompanha o tom dos elementos que ela busca narrar. O problema é que exatamente onde a obra acerta ela também apresenta falhas: as gírias na linguagem dos personagens são muito atuais e distante da fala do século XIX.
Em determinados momentos os personagens não parecem pertencer ao período no qual os eventos ocorrem deixando a sensação de uma caracterização moderna do passado. Por outro lado o uso da linguagem mais atual parece buscar estabelecer uma ligação entre os eventos daquele período é o século posterior. É exatamente essa relação entre o século XIX e o XX que fazem de “Do inferno” uma obra prima magistral.
O desfecho da obra acompanha aquilo que o texto vinha desenvolvendo, ou seja, não ocorre uma grande reviravolta no enredo embora exista um pequeno twist no final que obviamente não direi qual é. Isso faz sentido, pois não existe nenhum mistério em “Do inferno”. O assassino é revelado logo no inicio de modo que o que fica para o final é uma retomada de fatos reais que levam o próprio leitor a repensar o propósito do texto. O objetivo de Alan Moore não foi falar sobre Jack, o estripador. Ele utilizou a história do assassino para abordar outro tema. O que fica após a leitura é a questão: Seria Jack ou o século XX um produto do inferno?
AUTOR
TIAGO R. CARVALHO
DO INFERNO
Autor: MOORE, ALAN
Tradutor: MARTINS, JOTAPE
Ilustrador: CAMPBELL, EDDIE
Editora: EDITORA VENETA
Assunto: HQs - Quadrinhos
Idioma: PORTUGUÊS
Ano: 2014 Encadernação: CAPA DURA
Altura: 28,00 cm
Largura: 21,00 cm
Comprimento: 3,90 cm
Nº de Páginas: 592

terça-feira, 22 de agosto de 2017

AGENDA DE EVENTOS COMPANHIA DAS LETRAS


Eventos de lançamento de Lima Barreto: Triste visionário Lilia Moritz Schwarcz promove nesta semana diversos eventos de lançamento de Lima Barreto: Triste visionário, biografia do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma. Confira as datas e cidades.
Debate na UFRJ
Segunda-feira, 21 de agosto, às 17h
Lilia Moritz Schwarcz conversa sobre Lima Barreto com André Botelho, Beatriz Resende e Flávio Gomes.
Local: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ - Largo São Francisco de Paula,1 - Rio de Janeiro, RJ Aula de lançamento em São Paulo
Terça-feira, 22 de agosto, às 19h30
Uma aula sobre a vida e a obra de Lima Barreto na inauguração do teatro do Sesc 24 de Maio. Retirada de ingressos a partir das 18h30 no foyer do teatro.
Local: Sesc 24 de Maio - Rua 24 de Maio, 109 - São Paulo, SP
Lançamento de Inquebrável
Fernando Fernandes e Pablo Miyazawa lançam Inquebrável pela Editora Paralela. Confira locais e datas dos eventos. São Paulo
Terça-feira, 22 de agosto, às 19h
Local: Saraiva do Shopping Pátio Paulista - Rua Treze de Maio, 1947 - São Paulo, SP
Rio de Janeiro
Quinta-feira, 24 de agosto, às 19h
Local: Livraria da Travessa do Shopping Leblon - Avenida Afrânio de Melo Franco, 290 - Rio de Janeiro, RJ
Sempre um Papo com Luiz Eduardo Soares
Terça-feira, 22 de agosto, às 19h
Luiz Eduardo Soares, autor de Rio de Janeiro, participa de mais um encontro do Sempre um Papo.
Local: Auditório da Cemig - Rua Alvarenga Peixoto, 1220, Santo Agostinho - Belo Horizonte, MG
Lançamento de Chic profissional
Terça-feira, 22 de agosto, às 19h30
Gloria Kalil autografa Chic profissional em Curitiba.
Local: Livrarias Curitiba do Shopping Palladium - Av. Presidente Kennedy, 4121 - Curitiba, PR
Sessão de autógrafos com Raphael Montes
Quinta-feira, 24 de agosto, às 18h30
Raphael Montes, que está relançando Suicidas pela Companhia das Letras, autografa seus livros no Rio.
Local: Livraria da Travessa Botafogo - Rua Voluntários da Pátria, 97 - Rio de Janeiro, RJ
Marília Garcia autografa Câmera lenta
Quinta-feira, 24 de agosto, às 19h
Marília Garcia lança em São Paulo seu novo livro de poemas, Câmera lenta.
Local: Tapera, Taperá - Av. São Luís, 187, loja 29, Galeria Metrópole - São Paulo, SP
Ana Maria Machado na FLIM
De 25 a 27 de agosto
Autora de Ponto de Fuga e Um mapa todo seu, Ana Maria Machado é a autora homenageada da Festa Literária de Santa Maria Madalena, no Rio de Janeiro.
Autores do Grupo Companhia das Letras no Seminário Fazer Pensar Brasil
Sexta-feira, 25 de agosto, das 9h às 18h30
José Miguel Wisnik, Lilia Moritz Schwarcz, Pedro Meira Monteiro, André Botelho, Ricardo Teperman e Lira Neto participam do Seminário Fazer Pensar Brasil. O evento também contará com lançamento de Lima Barreto: Triste visionário.
Local: Instituto brincante - Rua Purpurina, 412, Vila Madalena - São Paulo, SP
ENTRADA FRANCA | Sujeito à lotação
Pré-inscrição: http://bit.ly/FazerPensarBrasil
Informações: http://bit.ly/FazerPensarBrasil_Eevento
Programação sujeita a alterações. Consulte o calendário atualizado Blog da Companhia

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