sábado, 4 de maio de 2013

"CRIANÇA 44" E "O DISCURSO SECRETO"


“Quando o medo silencia uma nação, alguém precisa falar a verdade.”
Entre os anos de 1978 e 1990 um homem chamado Andrei Romanovich Chikatilo assassinou 53 pessoas na Ucrânia, então republica Soviética; a maioria das vitimas eram crianças. Os crimes de Chikatilo chocaram todo o mundo rendendo-lhe o nome de “Açougueiro de Rostov”. Em 14 de fevereiro de 1994 ele foi executado pelas autoridades soviéticas com um tiro na nuca em uma floresta ucraniana, depois de um julgamento que se alongou por vários dias e atraiu uma multidão de ucranianos indignados que tiveram de ser contidos pelo exercito soviético.
Chikatilo permaneceu dentro de uma jaula durante todo o julgamento e em alguns momentos protagonizou cenas lamentáveis, chegando a tirar a roupa e insultando as autoridades. “O açougueiro de Rostov”, ou “estripador vermelho” como também era chamado, foi produto do maior genocídio da história: o chamado Holodomor - um período de fome que assolou a Ucrânia entre 1932-1933 é culminou na morte de aproximadamente 10 milhões de pessoas.
O genocídio foi arquitetado pelo próprio Josef Stalin como um reflexo de sua política de coletivização forçada da terra e a repressão aos chamados Kulaks – na teoria seriam camponeses ricos que conspiravam contra as políticas do Estado por meio de especulação; na pratica os Kulaks era uma cidadão qualquer acusado de esconder grãos do confisco feito pelos órgãos estatais. O Holodomor resultou num número de morte infinitamente maior que o holocausto nazista, pois em apenas um ano Stalin matou, pela fome, mais pessoas do que Hitler conseguiria em doze anos do regime nazista.
Tom Rob Smith se baseou na história de Andrei Chikatilo para escrever o primeiro livro de sua trilogia, chamado “Criança 44”. Muitos aspectos históricos do período Stalinista então presentes na obra que mistura ficção com realidade.
O livro se inicia em uma aldeia Ucrânia chamada Chervoy no ano de 1933. Maria Antonovna era uma pobre camponesa, enlouquecida pela fome e que já havia roído as pernas da mesa na desesperada tentativa de aliviar sua dor no estomago. Seu único animal de estimação era um gato que ela havia prometido cuidar até que não fosse capaz de alimentar a si mesma. Naquele dia Maria decidiu por fim ao seu sofrimento por meio da morte, mas antes libertaria o único ser vivo na qual ainda amava: seu esquelético gato. Ela esperou o anoitecer para libertar seu amado felino, acreditava que assim o pobre animal teria mais chances de escapar sem ser notado pelos famintos habitantes locais.
Oksana era uma vizinha de Maria e possuía dois filhos: Pavel, de 10 anos, e Andrei, de apenas oito. Pavel havia assumido o papel de homem da casa depois que seu pai havia partido em busca de comida na cidade de Kiev e jamais retornara. Naquela noite Pavel havia saído para buscar lenha é mal pode acreditar quando viu o gato de Maria correndo de forma fantasmagórica pela neve. Ele imediatamente volta para casa e anuncia para Oksana:
- Mãe, vi um gato
Imediatamente ele decide partir em busca do animal. A fome era tremenda e a esperança de conseguir um gato para o jantar era por demais sedutora. A mãe insiste para que Pavel leve seu irmão mais novo, Andrei, pois assim teriam mais chance de sucesso. Mas aquela fria noite ucraniana terminaria com uma tragédia que levaria a pobre Oksana ao limite da loucura.
A história então avança vinte anos após a tragédia ucraniana, mais precisamente no ano de 1953. Liev Stepanivitch Demidov era um membro da MGB – Departamento de Segurança do Estado – que havia lutado durante a Segunda Guerra Mundial sendo condecorado com a Ordem de Suvorov, uma distinção concedida por bravura no campo de batalha. Liev era casado com Raissa Gavrílovna Demidova, uma professora de 27 anos com um passado nebuloso é desmembrado ao longo da obra.
Naquela tarde de 14 de fevereiro ele recebe um relatório informando que um menino de 4 anos, chamado Arkady, havia sido encontrado morto ao lado de uma linha ferroviária de Moscou. O relatório dizia que o garoto havia sido estraçalhado pelas rodas do trem enquanto brincava no local. A forma como o corpo foi encontrado intrigou Liev: ele estava completamente vestido, o abdome estava aberto e a boca cheia de terra.
A família de Arkady estava convencida de que a morte do menino não havia sido um acidente, pois um homem havia sido visto perto da linha de trem poucas horas antes do corpo do garoto ser encontrado. Liev também estava convencido de que se tratava de um assassinato, porem, sua teoria ia contra o próprio governo que insistia em alegar que em uma sociedade igualitária como a comunista, onde todos possuíam as mesmas coisas, o crime simplesmente não existia.
Os superiores de Liev insistem para que esqueça a história, mas sua relutância em abandonar o caso acabara por colocá-lo como inimigo de Estado. Liev parte para uma busca implacável pela verdade, enfrentando o peso do Estado Soviético, descobrindo a verdade sobre a mulher que chamava de esposa e esclarecendo detalhes surpreendentes de seu proprio passado, que ele convenientemente havia procurado esquecer. Em seu percurso Liev descobre que as autoridades haviam encoberto as noticias sobre 43 crianças que supostamente haviam sido assassinadas e que tiveram seus corpos encontrados perto de uma linha de trem. Todas eles estavam com o abdome aberto e com a boca cheia de terra. Arkady, o menino de 4 anos encontrado morto em Moscou havia sido a vitima de número 44.
O livro é um dos mais eletrizantes, dinâmicos e impressionantes thrillers policiais que já tive o imenso prazer de ler. O que inicialmente se apresenta com uma historia batida e de fácil resolução – de fato eu já sabia quem era o assassino logo nas primeiras paginas – termina com uma reviravolta e um desfecho surpreendente, onde a historia de todos os personagens estão interligadas de alguma forma. Esse é um dos poucos livros onde a identidade do policial, e não do assassino, é a verdadeira chave para a serie de assassinatos brutais. A narrativa intensa prende desde o inicio e a cada capitulo a historia se descortina de forma impressionante. Eu simplesmente não conseguia parar de ler. O texto consegue fisgar o leitor já nas primeiras paginas com uma historia extremamente envolvente.
O segundo livro, chamado “O Discurso Secreto”, se passa em 1956 quando Nikita Kruschev assume o poder na União Soviética e denuncia os crimes de Stalin no famoso 20º Congresso do Partido Comunista. Como resultado da denuncia dos crimes antigos dogmas stalinistas são questionados pela população enfurecida e enganada durante anos. Os oficiais dos órgãos de repressão como a MGB imediatamente passam da condição de policiais para o de bandidos, da noite para o dia os heróis se transformam em vilões. Uma serie de agentes de segurança do Estado começam a ser assassinados por uma organização liderada pela enigmática e vingativa Fraera. Liev tem de enfrentar, ao lado de Raissa, essa nova realidade.
Apesar de não possuir o suspense do primeiro livro em o “Discurso Secreto” a ação está presente desde as primeiras paginas em um ritmo alucinante de perseguições que termina em meio às ruas de Budapeste durante o levante Húngaro. Apesar de não ter gostado tanto do segundo livro quanto do primeiro, talvez pela ausência do suspense que tanto cativa e instiga a leitura de “Criança 44”, ambos os livros compõem uma inigualável literatura policial cuja grandeza cativou até mesmo o diretor Ridley Scott que produziu uma versão cinematográfica do premiado “Criança 44” para o cinema - lançado no Brasil com o nome de "Crimes Ocultos" - que apesar de levar a assinatura de um grande diretor não conseguiu retratar o suspense e a agilidade do livro. Trata-se de uma adaptação que deixa muito a desejar.

CRIANÇA 44
Autor: SMITH, TOM ROB
Editora: RECORD
Assunto: LITERATURA ESTRANGEIRA - FICÇÃO DE SUSPENSE E AÇÃO

DISCURSO SECRETO, O
Autor: SMITH, TOM ROB
Editora: RECORD
Assunto: LITERATURA ESTRANGEIRA - FICÇÃO DE SUSPENSE E AÇÃO
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A PROBLEMÁTICA DA BIOTECNOLOGIA NO CAMPO



A biotecnologia é de fato a mais promissora ciência de nossa época. Imaginem poder curar uma doença genética antes mesmo que esta apresente seus sintomas. Utilizando enzimas especificas é possível transportar genes responsáveis por determinadas características para outro organismo vivo. Isso é possível porque todos os seres vivos possuem uma estrutura de DNA. Desnecessário dizer que o beneficio dos transgênicos são imensos; citando apenas um tímido exemplo: a criação de vegetais resistentes a pragas por meio da transdução de genes específicos eliminaria a necessidade de produtos químicos nocivos a saúde. No entanto a biotecnologia esbarra em questões éticas e econômicas cuja solução seria bem mais complicada do que parece.
As vantagens da biotecnologia no campo se apresentam com a mesma lógica sedutora que o processo de mecanização da agricultura que se consolidou durante o século XX: prometia maior rendimento da produção e redução dos custos. A mecanização surgiu para atender ao mercado capitalista urbano, cujo crescimento exigia um incremento proporcional dos alimentos, uma vez que a população crescia em escala geométrica e a produção de alimentos em escala aritimetica – teoria está defendida por Thomas Maltus em sua obra “Ensaio sobre as Populações”.

A relação cidade-campo perdeu equilíbrio na medida em que a produção agrícola se viu completamente subordinada às necessidades urbanas. Apesar da produção agrícola ser indispensável para a manutenção da economia a mesma teve sua importância hierárquica reduzida a um nível muito inferior a mercadoria industrial. Desde o século XVIII que a relação cidade-campo oscila no sentido favorável ao núcleo urbano. O baixo valor agregado a mercadoria rural levou a miséria a funcionar como potente fator de repulsão populacional. Em 1800 apenas 3% da humanidade habitavam as cidades, no século XX esse número já havia subido para 14%. Desde o seu inicio o berço tecnológico se concentrou nas cidades fazendo com que esta deixasse a condição de mero mercado consumidor agrícola para exportador de tecnologia de produção. Isso permitiu que as cidades consolidassem sua liderança e assumisse a dianteira na escala de hierarquia econômica. Daí em diante a população camponesa teve de aprimorar seus métodos para atender as necessidades urbanas. A mecanização das colheitas e o uso de pesticidas no controle de pragas subordinaram o campo à indústria química e as instituições de credito urbanas, encarecendo ainda mais a produção. É justamente neste ponto que se encaixa a problemática econômica da aplicação da biotecnologia no campo.
As mercadorias agrícolas são infinitamente menos valorizadas que os produtos industriais e os riscos associados à produção campesina também são muito superiores, pois está submetida aos caprichos do tempo e do clima local. Basta uma mudança climática para arrasar plantações inteiras. Como o lucro obtido é muito baixo, em função do baixo valor agregado, a solução para uma safra ruim são os empréstimos e as hipotecas. A biotecnologia é um processo caro que estreitaria ainda mais os lucros e aumentando a pratica da adoção de hipotecas. Em curto prazo o número acumulado de hipotecas resultaria numa centralização pouco benéfica para a população. Seria questão de tempo para que as grandes plantações se concentrassem nas mãos de banqueiros e industriais. O resultado não poderia ser mais desastroso: o preço dos alimentos aumentaria na proporção exata da queda de vendas dos produtos industriais, numa espécie de “ferramenta balança” cujo objetivo seria impedir que as empresas fechassem o orçamento no vermelho.
Dado o grau de desenvolvimento da sociedade humana (que inegavelmente já atingiu o limite da sustentabilidade) os desafios praticamente não podem ser solucionados sem que outro surja de modo igualmente danoso. É o traço singular da natureza que insistentemente direciona o fluxo das atividades no caminho do equilíbrio dinâmico. A mentalidade torpe do homem, escrava do hedonismo moderno, está focada no presente, mas a natureza, essa sim sabe bem equilibrar a balança.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

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