“Carmen” é uma opera cômica que termina em tragédia. A história se passa em Sevilha onde a cigana Carmen, uma mulher promiscua, convence Jose a abandonar sua carreira no exercito e se aliar ao bando de contrabandistas. Foi uma das óperas de maior sucesso do século XIX, mas parte de seu sucesso se deveu a um fato macabro de sua historia.
Em 2 de junho de 1875, durante a 33ª apresentação de
“Carmen” a cantora Celestine Gelli-Marie desmaiou no palco após sentir uma forte dor no lado direito do corpo. O fato aconteceu durante o terceiro ato, no exato instante em que Celestine encenava a icônica cena do taro marcada pela aparição da carta da morte.
Após recobrar a consciência Celestine conseguiu terminar o espetáculo, mas logo em seguida caiu em prantos. Enquanto ainda tentava se recuperar do ocorrido chegou a noticia de que Bizet, autor da ópera
“Carmen”, havia falecido poucas horas antes. Essa é outras historias estão presentes em
“Uma historia da ópera”, de Carolyn Abbate e Roger Parker. Um texto ambicioso que se propõe a discutir os mais de quatrocentos anos de história da ópera, uma arte cuja beleza emerge do seu aspecto irreal.
O questionamento inicial que os autores levantam é bem interessante: para se apreciar a ópera é necessário que o publico entenda o idioma no qual ela é encenada? Alguns especialistas acreditam que não. Isto porque ao serem pronunciadas como musicas algumas palavras perdem o seu significado semântico. Entre os elementos que contribuem para essa perda está o som dos instrumentos que tanto servem como moldura para a voz humana como em determinados momentos suplantam essa mesma voz.
Existe de fato uma pretensão poética nas letras de algumas musicas, porem os significados dos mesmos versos mudam de acordo com a forma na qual são pronunciados: na poesia a beleza está no significado da palavra, na musica é o som dessa palavra que se destaca, portanto a musica explora muito mais o elemento estético da língua do que o seu significado verbal.
Outro ponto levantado pelos autores é o fato de a ópera ser tão exótica e, por conseqüência, estranha. Um dos elementos que essa arte busca é a fuga da realidade, provocar o esquecimento e isso inclui o abandono temporário da obsessão moderna pelo aspecto do visual perfeito. E dessa forma que, segundo os autores, a ópera apela para algo que transcende a estreita dimensão cognitiva humana.
Uma das coisas de que eu senti falta no início apareceu por volta da pagina duzentos, que é a contextualização histórica. Até esse momento os autores se detiveram nos aspectos mais técnicos da ópera. Mozart, como já era de se esperar, aparece como figura central. O compositor, no entanto, não tem tanto destaque quanto suas peças e seus trabalhos. Os aspectos biográficos surgem apenas como elementos de transição o que é muito bom tendo em vista aquilo que a obra tem como pretensão: narrar à história da ópera e não a história de seus ícones.
A contextualização do romantismo alemão na ópera é inserido no texto através de uma passagem belíssima da obra “Orlando”, de Virginia Woolf. Era meia noite de 31 de dezembro de 1799:
“O relógio deu meia noite, nuvens cobriram o céu a partir do norte, soprava um vento frio, a luz de mil velas douradas se extinguiu, e, subitamente, aqueles que estavam vestidos com diamantes e calções de seda branca e rendas prateadas e cetim cor de pêssego se envolveram em sombrios veludos e ornamentos feitos de contas de âmbar negro. O século XIX tinha chegado.”
A ópera alemã do século XIX tinha um aspecto xenofóbico bem evidente, e é por meio da contextualização que os autores explicam o porquê dessa hostilidade alemã para com os demais povos. As constantes invasões napoleônicas, por exemplo, criaram a imagem de uma nação violada, corrompida. Isso é muito interessante porque explica o anti-semitismo de alguns grandes ícones da ópera alemã como Richard Wagner – ícone supremo e símbolo maximo de admiração de Adolf Hitler, o cabo austríaco que em seus anos de juventude era um assíduo freqüentador das casas de ópera de Viena.
O problema maior aqui é a abrangência do publico alvo. Os autores obviamente criaram uma obra que fosse relevante para os críticos e também para o publico mais leigo. O resultado foi uma quebra no impulso narrativo devido a sua intermitência. Em um momento estamos lendo sobre a vida de um grande compositor e sobre a relevância de determinada ópera e no momento seguinte somos jogados numa tempestade entediante de análises puramente técnicas e incompreensíveis para qualquer leigo.
O que os autores fazem de melhor é apresentar ao leitor o material que este tem em mãos. O capitulo inicial é absurdamente bem escrito. Certamente é um texto que cumpre o que promete, pois desde o inicio fica claro que ele dialoga com todo tipo de leitor.
Nas ultimas cem paginas a narrativa se torna mais truncada com muitas análises técnicas e com contextualizações ocasionais. Em uma delas os autores exploram a influencia da psicanálise de Freud nas encenações operísticas do final do século XIX.
Ao termino da leitura fica de fato a sensação de que a obra é direcionada a um publico familiarizado com o mundo da ópera, embora isso não signifique que não possa ser lido por um leigo que procura em textos desse gênero informações, como por exemplo, sobre a rotina dos atores, figurinos, detalhes arquitetônicos, histórias de bastidores, enfim o trivial associado a um resumo das óperas. Tudo isso está presente na obra porem de forma mais minimalista, o que predomina é a análise técnica: libretos, orquestrações, etc. Um ótimo texto onde a arte é sempre superior ao artista.
AUTOR
TIAGO R. CARVALHO
UMA HISTORIA DA OPERA
Autor: ABBATE, CAROLYN e PARKER, ROGER
Tradutor: GEIGER, PAULO
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
Ano: 2015
Nº de Páginas: 656
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