quinta-feira, 23 de novembro de 2017

AS VIRGENS DE VIVALDI


A Ospedalle della pietà era uma instituição para órfãs de Veneza que ficou famosa no século XVIII pelo alto nível de educação musical que dispensava a suas internas. As meninas eram divididas em dois grupos: as chamadas figlie de coro - órfãs que possuíam algum talento musical – e as figlie di comun – órfãs que recebiam educação e um treinamento ocupacional. Como nenhuma das internas possuía o nome de suas famílias elas eram conhecidas pelo nome do instrumento que tocavam. O lugar se tornou famoso devido ao seu mais ilustre maestro e professor de violino: o compositor Antonio Vivaldi, chamado de “padre vermelho” devido à cor de seus cabelos. Ali vivia Anna Maria del Violin, uma órfã de 15 anos de idade dotada de um expressivo talento como violinista, apaixonada por musica e obcecada pelo desejo de descobrir quem eram seus pais.
O romance de Barbara Quick – “As virgens de Vivaldi” - definitivamente não tem o reconhecimento publico que deveria ter. Trata-se de um texto muito bem escrito e cativante. A protagonista aparece como um ser de carne e osso, ou seja, realista na medida em que expressa seus desejos de forma natural. Não existe uma tentativa forçada de fabricar uma personagem isenta de defeitos e sim o contrario. Anna Maria aparece de fato como uma adolescente com todos os impulsos gerados pelas descobertas que essa fase da vida carrega.
É um romance que se baseia em fatos reais, mas que não se prende a veracidade dos fatos históricos. A Ospedalle della pietà realmente existiu, e ainda existe, assim como Anna Maria del Violin, que segundo registros históricos tornou-se uma conhecida violinista no século XVIII. Barbara Quick nos presenteia com uma historia intrigante, fácil de ler, sem muitos núcleos de conflito, mas que ainda assim consegue ser grandiosa dentro daquilo que ela procura ser: uma obra profunda com uma narradora que reconta o seu passado e reflete sobre os rumos que sua vida havia tomado.
O tom narrativo é o mesmo ao longo de todo o livro. A todo o momento fica a sensação de que estamos lendo um diário escrito pela protagonista. Os momentos mais interessantes são as cartas que ela escrevia para sua mãe, mesmo sem saber quem era ou se ela as leria um dia. Esses trechos são como árias de uma ópera - aqueles momentos de reflexão onde escutamos a voz de nossa própria consciência.
É preciso, no entanto, que se diga que em alguns momentos o texto cai numa narrativa desinteressante e um pouco tediosa. Fica uma sensação de que a autora esta tentando inflar o texto. Mas são raríssimos os romances que não possuem trechos assim.
Resumir esse surpreendente livro apenas como a história de uma órfã que busca descobrir a verdade sobre a sua historia é um erro grave. A obra vai muito além dessa premissa inicial e excessivamente simplificadora. O texto explora os dilemas da passagem da vida de criança para a vida adulta com a dose certa de intensidade, realismo e erotismo.
“Toda mulher, Anna Maria, e toda garota tem um lugar secreto no corpo. Se você o massagear da maneira correta, ele fará o corpo vibrar e soar como as cordas de seu violino.”
Um dos momentos mais intensos da narrativa, no meu ponto de vista e claro, ocorre quando a personagem principal esta em um cemitério conversando com outro personagem. Estou evitando citar nomes para não dar spoilers e este é um daqueles livros em que fica difícil comentar o texto sem spoilers.
“Eu sabia que cada bloco de pedra do cemitério correspondia a uma vida que fora vivida. Dentro de cada tumulo, embaixo, repousava e apodreciam os restos mortais de alguém que como eu, desejou, chorou, riu, amou. Nenhum deles chamais acreditou que aquilo que lutou tanto para conseguir ou para evitar – a pessoa mais querida, o sonho mais caro, um segredo guardado, algo especial que lhe inspirou devoção – seria esquecido como a chuva de ontem certamente será.”
O livro é sem duvida uma obra que deve ser lida e admirada. Foi uma grata experiência as horas que passei diante de suas paginas ouvindo as musicas de Vivaldi e as palavras de Anna Maria: “Rezo por um cobertor quente, por uma janela para o mundo lá fora e pelo fim de todas as ilusões. Rezo por luz.”
AUTOR
TIAGO R, CARVALHO
As Virgens de Vivaldi
Quick,Barbara
Editora: BERTRAND BRASIL
Ano: 2009
Nº de Páginas: 352

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