terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O ÚLTIMO DIA DO MUNDO: 1 DE NOVEMBRO DE 1755


“Que jogo de azar é a vida humana! (...) Isso deveria ensinar os homens a não perseguir outros homens; porque enquanto alguns santarrões embusteiros queimam alguns fanáticos, a terra se abre e engole a todos igualmente.”
- Voltaire (24 de novembro de 1755).
No dia 1 de novembro de 1755, dia de todos os santos, a ensolarada Lisboa foi sacudida por três tremores de terra. O primeiro fez os sinos das igrejas tocarem, despedaçou vitrais e colunas de mármore. Quarteirões inteiros desabaram soterrando centenas de pessoas: Era o inicio do maior desastre natural do século XVIII.
Por volta das nove e meia da manhã veio o segundo tremor, ainda mais forte que o primeiro. Este lançou ao chão até mesmo as construções mais robustas. O terceiro tremor ocorreria poucos minutos depois. Lisboa já era uma pilha de escombros nesse momento e começava a circular a ideia de um possível castigo divino.
Um enorme incêndio, provocado pelas centenas de velas acessas naquele tradicional dia de orações, engoliu as ruínas da cidade. A brisa marinha ajudou a amenizar a propagação do fogo, mas o que parecia um sopro divino se converteu numa cruel realidade. Um forte vento começou a soprar de forma repentina da direção do mar. Uma serie de ondas enormes atingiram a parte baixa de Lisboa por volta das 11h da manha. Em apenas cinco minutos essas ondas destruíram tudo que encontraram pelo caminho. Lisboa estava completamente arrasada e dos seus escombros surgiria um intenso debate sobre Deus, o homem e a ciência.
“O último dia do mundo. Fúria, ruína e razão no grande terremoto de Lisboa de 1755”, do autor Nicholas Shrady, é um texto perturbador sobre um dos maiores desastres da historia lusitana. É um daqueles típicos livros onde você não consegue parar de ler simplesmente porque a informação que vem depois é ainda mais impressionante daquele que você acabou de ler. Eu certamente definiria sua narrativa como ardilosa e oscilante, pois em um primeiro momento temos a impressão de que o autor esta tentando segurar o leitor através do puro sensacionalismo e logo em seguido ele joga o texto em um rumo completamente diferente empregando um tom narrativo mais seco e objetivo.
Essa mudança brusca pode parecer um ponto negativo, mas não é o que acontece em “O ultimo dia do mundo”. A descrição do terremoto em si se resume a algumas poucas paginas logo no primeiro capitulo. O autor não emprega longas digressões até chegar ao clímax da obra, pelo contrario, ela joga toda a crueza daqueles momentos terríveis logo de cara isto porque o texto de Shrady trabalha sobre os desdobramentos do evento e não sobre o evento em si. O autor se beneficia através desse foco narrativo de uma quantidade infinitamente maior de material, por meio do qual ele faz questão de deixar clara a sua postura anticatolica.
Não se trata de um simples ataque a igreja, mas da construção de uma atmosfera de medo criada pela inquisição em uma época onde o cientificismo já havia se consolidado por meio da física de Newton e do deísmo da ilustração.
Logo no segundo capitulo vemos a primeira grande mudança narrativa quando o fenômeno natural cede espaço para o fenômeno humano: Sebastião Jose de Carvalho e Melo, o lendário Marques de Pombal. O autor reconstrói a imagem desse ícone lusitano que modernizou o ensino, a administração pública e travou um longo conflito com a igreja. Em nenhum momento busca-se construir uma personalidade de herói nacional. O marques é descrito de forma bidimensional como um homem que diante do caos provocado pelo terremoto ordenou a colocação de forcas para punir os acusados de saquear lojas e armazéns e que ao mesmo tempo condenava a crueldade da igreja católica.
O meio da obra é basicamente uma descrição dos fatos históricos mais relevantes da nação portuguesa. O Brasil aparece como uma importante fonte de recursos, principalmente ouro, o que permitiu a coroa portuguesa governar sem ter que recorrer as Cortes para a aprovação de verbas.
A atmosfera filosófica dominada pelo otimismo do período desmorona completamente diante das criticas pertinentes de Voltaire tendo como base o trágico terremoto. Esse é um dos pontos mais abordados pelo autor, e também é um dos momentos mais interessantes e polêmicos do texto. A obra “Candido e Otimismo” surge como uma importante base critica do filosofo francês que enxergava a realidade ao invés de projetar nela seus desejos.
Na última parte o texto retoma a narrativa a partir do Marques de Pombal e mostra suas tentativas de eliminar o senso comum puramente misticista que envolvia o terremoto. Falhas geológicas e placas tectônicas só seriam compreendidas mais de um século depois, mesmo assim Pombal conseguiu estabelecer, através dos principais luminares de sua época e também de séculos anteriores – como Robert Hooker que havia demonstrado a relação de elasticidade em objetos sólidos – uma base cientifica bastante satisfatória que esclarecesse o modo como os terremotos aconteciam. Foi um golpe de mestre, pois ele transformou em vitimas do acaso aqueles que a igreja definia como pecadores castigados.
“O último dia do mundo” é um texto denso no seu conteúdo, mas leve na sua narrativa. Agradável, intrigante, revelador e profundamente perturbador. Vale cada minuto de leitura!
AUTOR
TIAGO R.CARVALHO
Título: O Último Dia do Mundo
Autor: Nicholas Shrady
Editora: Objetiva
Especificações: 288 páginas

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