quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016


Atualmente quando se invoca a questão do natal na Inglaterra vitoriana as opiniões se divergem e em muitos casos se complementam. Para alguns se trata da imagem de um conto de fadas com ruas cobertas de neves, pinheiros decorados, padarias abertas, bolos de frutas e famílias reunidas diante da lareira. Para outros se trata de uma espécie de hipocrisia social institucionalizada uma vez que o natal fornecia os meios através dos quais se reafirmava os ideais da tradicional família burguesa, com seus costumes aparentemente imiscíveis dentro do contexto de uma revolução industrial que havia exacerbado as discrepâncias entre riqueza e pobreza nas grandes metrópoles urbanas. No que se refere a sociedade inglesa do século XIX a “questão natalina”, portanto, preserva no seu cerne aquilo que a caracterizava e aquilo que fez dela uma singularidade absoluta: a dualidade.
Perspectivas opostas como método de interpretação e estudo eram algo que se difundiria ao longo de toda a segunda metade do século XIX, sobretudo nas ciências não exatas como a psicanálise freudiana. O inconsciente, o sobrenatural, o fantástico eram temas recorrentes sendo natural sua incorporação gradual aos meios de criação artística. E nesse contexto que se inserem as historias de fantasmas, características pelo tratamento com o qual a morte é encarada. Para os conservadores vitorianos a morte não era o fim da existência terrena, mas o limiar de uma nova forma de existência, daí porque as historias de fantasmas e terror, chamadas narrativas góticas, escritas para as noites de inverno, serem tão amplamente consumidas
Não há duvidas de que “O medico e o monstro” é um produto que carrega marcas indeléveis de seu tempo. Em 1885, Robert Louis Stevenson, na época com 35 anos de idade e com problemas financeiros, recebeu de seu editor a proposta para criar uma narrativa para o mercado de historias góticas do natal. O resultado foi um dos mais famosos textos já escritos, cuja idéia central serviu de amparo para inúmeras adaptações, seja no cinema ou nos desenhos infantis.
Em “O medico e o monstro” vemos a estranha relação entre o Dr. Jekyll e o Sr. Hyde; indivíduos completamente opostos, mas que mantém uma estranha relação de amizade. Trata-se de uma obra onde o mistério consiste no fator determinante de sua grandeza, portanto quanto menos o leitor souber maior o impacto ao final da leitura. Stevenson explorou a dimensão da subjetividade empregando conceitos científicos de sua época. Conceitos da química, como as reações entre ácidos e bases que resultam na formação de sais – mais estáveis do que seus reagentes – são empregados de forma sutil na construção de uma parábola do dualismo psicofísico da natureza humana.
Hyde é o retrato da vontade humana libertada de todo o racionalismo e de qualquer censo moral fabricado pela orientação dos moldes sociais. A instabilidade desencadeada pela dissociação entre ele e o Dr. Jekyll nos leva a questionar a real relevância de nossos aspectos inconscientes na construção daquilo que somos: Seria de fato um benefício abrir mão de nossa essência primitiva? O grau de dependência entre o irracional e o racional, entre a paixão e a razão não seria uma exigência a nossa preservação?
A natureza humana preserva sua contingência e a manifesta continuamente: ora estamos alegres, ora estamos tristes, às vezes desejamos o bem e às vezes o mal, somos capazes de realizar atos altruístas e também de cometer as maiores barbáries. Essa prevalência intermitente de opostos vai de encontro ao determinismo cientifico do século XIX. Jekyll, um homem racional e de mentalidade cientifica, resolve desafiar sua própria contingência moral ao se propor criar uma substancia capaz de separar nosso lado bom do ruim.
Jekyll e Hyde ambíguos na medida de suas adversidades, e sobrepostos por sua contingência, são as bases para um questionamento no mínimo polemico: existe de fato um conflito de ordem destrutiva entre o bem e o mal ou ambos consistem num engendramento preciso e equilibrado que uma vez desfeito se torna destrutivo? Seria o ser humano perfeito uma síntese dos contrários?
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
Editora: PENGUIN COMPANHIA
Idioma: PORTUGUÊS
Ano de Edição: 2015
Nº de Páginas: 160

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