As duas melhores biografias já públicadas sobre o lider sovietico.
Uma pesquisa no Google com as palavras "Stálin, biografia" revela a existência de quase 1 milhão de sites (mais de vinte mil em português). Qual o sentido então de escrever e publicar mais uma biografia do famigerado líder soviético? A resposta é simples: além de desencavar memórias e diários inéditos de personagens importantes e de entrevistar os sobreviventes e descendentes dos poderosos da era stalinista, o jornalista e escritor inglês Simon Sebag Montefiore beneficiou-se da recentíssima liberação de cartas, bilhetinhos, anotações nas margens de documentos e livros, minutas de reuniões, agendas e papéis que passavam todos os dias pela escrivaninha de Stálin, em muitos dos quais ele deixava sua marca de aprovação, reprovação ou escárnio. Com isso, pôde revelar a intimidade do poder que até agora permanecia envolta em mistério e mostrar sua face mais humana, embora nem sempre menos brutal.
Montefiore oferece um retrato nuançado de Stálin: leitor compulsivo, apreciador de música e cinema, burocrata minucioso e infatigável, pai rígido, marido desesperado com o suicídio da esposa, político suspeitoso e paranóico, implacável com possíveis inimigos e concorrentes, e líder disposto a sacrificar qualquer coisa - família, amigos, camaradas e milhões de camponeses e soldados - em nome do ideal comunista. E traz para o primeiro plano o que chama de "magnatas", os membros do círculo íntimo do poder - Mólotov, Vorochílov, Mikoian, Khruchióv e muitos outros -, que, como uma grande família, participavam de longos jantares e intermináveis bebedeiras, em que decidiam assuntos de Estado e compartilhavam a responsabilidade pelo terror.
Montefiore relata em detalhes os bastidores das grandes decisões políticas e diplomáticas, ao mesmo tempo em que penetra na "cozinha" dos poderosos, revelando as preocupações cotidianas com a saúde, as férias, os filhos, ou o disse-me-disse muitas vezes mortal dos corredores do Kremlin. No fim, temos a imagem detalhada e completa da grande máquina montada para implantar o comunismo a ferro e fogo, aquela que, como admitiria Khruchióv mais tarde, deixou todos "com sangue até os cotovelos".
"Um retrato perturbador da vida no círculo íntimo do ditador [...] e da cultura de sadismo, crueldade e terror que floresceu ao seu redor e promoveu um regime assassino que causaria milhões de mortes." - The New York Times
TRECHO DA OBRA
PRÓLOGO
O JANTAR FESTIVO - 8 DE NOVEMBRO DE 1932
Por volta das dezenove horas de 8 de novembro de 1932, Nádia Allilúieva Stálin, a esposa de 31 anos, rosto oval e olhos castanhos do secretário-geral do Partido, vestia-se para a ruidosa festa anual que celebraria o 15o. aniversário da Revolução. Puritana, diligente mas frágil, Nádia orgulhava-se de sua "modéstia bolchevique", usando os vestidos mais sem graça e sem forma, envolvida em xales simples, com blusas de colarinho quadrado e sem maquiagem. Mas, naquela noite, fazia um esforço especial. No apartamento sombrio dos Stálin, na construção do século XVII de dois andares do Palácio Potechny, que significa "palácio do divertimento", pois abrigara outrora os atores czaristas e um teatro, ela rodopiava diante de sua irmã Ana, com um vestido preto longo e inusitadamente moderno, com rosas vermelhas bordadas, importado de Berlim. Daquela vez, ela concordara em fazer um penteado, em vez de usar seu coque costumeiro. Descontraída, colocou uma rosa escarlate nos cabelos negros.
Prestigiada por todos os magnatas bolcheviques, tais como o premiê Mólotov e sua esposa, a esbelta, inteligente e sedutora Polina, que era a melhor amiga de Nádia, a festa era promovida anualmente pelo comissário da Defesa Vorochílov, que morava no longo e estreito prédio da Guarda Montada, a cinco passos do Potiéchni. No mundo minúsculo e íntimo da elite bolchevique, aquelas noitadas simples e alegres acabavam com os potentados e suas mulheres dançando gigas cossacas e cantando lamentos georgianos. Mas, naquela noite, a festa não acabou do modo usual.
Na mesma hora, a poucas centenas de metros dali, perto do mausoléu de Lênin e da Praça Vermelha, em seu escritório do segundo andar do Palácio Amarelo, uma construção triangular do século XVIII, Ióssif Stálin, o secretário-geral do Partido Bolchevique e o Vojd - líder - da União Soviética, então com 53 anos, 22 a mais do que Nádia e pai de seus dois filhos, encontrava-se com seu agente da polícia secreta favorito. Guenrikh Iagoda, vice-presidente da GPU, um filho de joalheiro judeu com cara de doninha, originário de Nijny Nóvgorod, com um "bigode hitlerista" e um gosto por orquídeas, pornografia alemã e amizades literárias, informava Stálin de novos complôs contra ele dentro do partido e mais turbulência no campo.
Stálin, assessorado por Mólotov, de 42 anos, e o responsável pela economia, Valerian Kúibichev, que parecia um poeta louco, com cabelos desgrenhados, um entusiasmo por bebidas, mulheres e, apropriadamente, escrever poesia, ordenou a prisão dos que se opunham a ele. A tensão daqueles meses crescia à medida que Stálin temia perder a Ucrânia, que, em certas partes, caíra numa distopia de fome e desordem. Quando Iagoda saiu, cinco minutos depois das sete da noite, os outros ficaram conversando sobre a guerra para "dobrar a espinha" do campesinato, qualquer que fosse o custo para as milhões de vítimas da maior epidemia de fome da história provocada pelo homem. Eles estavam decididos a usar os grãos para financiar o gigantesco programa de industrialização da Rússia. Mas, naquela noite, a tragédia ocorreria mais perto de casa: Stálin iria enfrentar a crise pessoal mais profunda e misteriosa de sua carreira. Ele a relembraria sem cessar pelo resto de seus dias.
Cinco minutos depois das oito, acompanhado pelo grupo, Stálin desceu as escadas na direção da festa, caminhando pelas vielas e praças cheias de neve daquela fortaleza medieval de muros vermelhos, vestido com a túnica do partido, velhas calças largas, botas de couro macio, velho sobretudo do Exército e seu chapka (gorro) de pele de lobo com orelheiras. Seu braço esquerdo era levemente menor do que o direito - mas a diferença era muito menos perceptível do que se tornou na velhice - e ele costumava fumar um cigarro ou cachimbo. A cabeça e os cabelos grossos e curtos, ainda pretos, mas já com as primeiras manchas grisalhas, irradiavam a força graciosa dos homens das montanhas do Cáucaso; seus olhos felinos, quase orientais, eram "cor de mel", mas soltavam chispas lupinas amarelas quando ele estava irado. As crianças achavam seu bigode espinhento e seu cheiro de tabaco acre, mas, como Mólotov e suas admiradoras femininas lembravam, Stálin ainda era atraente para as mulheres, com quem flertava de modo tímido e desajeitado.
Essa figura atarracada e baixa, de 1,68 metro de altura, que caminhava pesadamente, mas com rapidez, com as pontas dos pés voltadas para dentro (modo de andar imitado meticulosamente pelos atores do Bolchoi quando interpretavam czares), conversando de forma calma com Mólotov em seu sotaque forte de georgiano, era protegida apenas por dois guarda-costas. Os poderosos andavam por Moscou quase sem segurança. Até o suspeitoso Stálin, que já era odiado no campo, ia a pé de seu escritório para casa com apenas um guarda-costas. Uma noite de tempestade de neve, Mólotov e Stálin, no caminho para casa, atravessavam "sem guarda-costas" a praça Manege quando foram abordados por um mendigo. Stálin deu-lhe dez rublos, e o vagabundo, desapontado, gritou: "Seu burguês desgraçado!".
"Quem pode entender nosso povo?", comentou Stálin. Apesar do assassinato de autoridades soviéticas (inclusive uma tentativa de matar Lênin, em 1918), as coisas continuaram muito relaxadas até o assassinato do embaixador soviético na Polônia, em junho de 1927, quando houve um leve aperto na segurança. Em 1930, o Politburo aprovou um decreto "para proibir o camarada Stálin de andar a pé pela cidade". No entanto, ele continuou com suas caminhadas por mais alguns anos. Essa era uma idade de ouro que, em poucas horas, acabaria em morte, senão assassinato.
Stálin já era famoso por sua inescrutabilidade de esfinge e modéstia fleumática, representadas pelo cachimbo que fumava de modo ostentoso, como um ancião camponês. Longe de ser a mediocridade burocrática insossa desdenhada por Trotski, o verdadeiro Stálin era uma pessoa melodramática, enérgica e orgulhosa, excepcional em tudo.
Sob a calma lúgubre dessas águas insondáveis havia redemoinhos mortais de ambição, ódio e infelicidade. Capaz tanto de se comportar com autocontrole como de ter rompantes imprudentes, ele parecia fechado numa armadura fria de aço, mas suas antenas eram extremamente sensíveis, e seu gênio impetuoso de georgiano era tão incontrolável que quase arruinara sua carreira ao se lançar contra a mulher de Lênin. Era um neurótico volúvel com o temperamento tenso e fervente de um ator excitável que se compraz com o próprio drama - o que seu sucessor Nikita Khruchióv chamou de um litsedei, um homem de muitas faces. Lázar Kaganóvitch, um de seus camaradas mais próximos por mais de trinta anos, que também se dirigia à festa, deixou a melhor descrição desse "personagem singular": ele era "um homem diferente em diferentes momentos [...]. Conheci não menos de cinco ou seis Stálins".
Porém, a abertura de seus arquivos e muitas fontes novas disponíveis o iluminam mais do que nunca: não é mais suficiente descrevê-lo como um "enigma". Sabemos agora como ele falava (constantemente sobre si mesmo, amiúde com honestidade reveladora), como escrevia notas e cartas, o que comia, cantava e lia. Colocado no contexto da liderança fissípara soviética, um ambiente sem par, ele se torna uma pessoa real. O homem que havia dentro dele era um político superinteligente e talentoso para quem o próprio papel histórico era fundamental, um intelectual nervoso que lia história e literatura de modo compulsivo, um hipocondríaco inquieto que sofria de amidalite crônica, psoríase, dores reumáticas em seu braço deformado e algidez, resultado de seu exílio na Sibéria. Loquaz, sociável e excelente cantor, esse homem solitário e infeliz arruinou todas as suas relações de amor e de amizade ao sacrificar a felicidade à necessidade política e à paranóia canibalesca. Marcado pela infância e de temperamento anormalmente frio, tentou ser um pai e marido amoroso, mas envenenou todos os poços emocionais. Esse amante nostálgico de rosas e mimosas acreditava que a solução para todos os problemas humanos era a morte e foi obcecado por execuções. Esse ateu devia tudo aos padres e via o mundo em termos de pecado e arrependimento, mas era um "marxista convicto e fanático desde a juventude". Seu fanatismo era "semi-islâmico", seu egotismo messiânico, sem fronteiras. Assumia a missão imperial dos russos, mas continuava a ser um georgiano, levando as vendetas de seus antepassados para Moscou.
A maioria dos homens públicos tem o hábito cesarista de se afastar de si mesmo para admirar a própria figura no palco mundial, mas o afastamento de Stálin era em grau maior. Seu filho adotivo, Artiom Serguéiev, lembra dele gritando com o filho Vassíli por ter se aproveitado do nome do pai. "Mas eu sou um Stálin também", disse Vassíli.
"Não, você não é", replicou Stálin. "Você não é Stálin e eu não sou Stálin. Stálin é o poder soviético. Stálin é o que ele é nos jornais e nos retratos, não você, nem mesmo eu!"
Ele era uma criação de si mesmo. Um homem que inventa seu nome, data de nascimento, nacionalidade, educação e seu passado inteiro, a fim de mudar a história e desempenhar o papel de líder, provavelmente acabará numa instituição mental, a não ser que abrace, por vontade, sorte e habilidade, o movimento e o momento que podem inverter a ordem natural das coisas. Stálin foi um homem assim. O movimento foi o Partido Bolchevique; seu momento, a decadência da monarquia russa. Após a morte de Stálin, virou moda considerá-lo uma aberração, mas isso significava reescrever a história de modo tão grosseiro quanto o próprio Stálin fez. Seu sucesso não foi um acidente. Ninguém se ajustava mais às intrigas conspiratórias, às filigranas teóricas, ao dogmatismo homicida e à frieza desumana do partido de Lênin. É difícil encontrar uma síntese melhor entre um homem e um movimento que o casamento ideal de Stálin com o bolchevismo: ele era um espelho de suas virtudes e defeitos.
Nádia estava excitada porque se vestia para uma festa. No dia anterior, na parada do Dia da Revolução, a dor de cabeça fora insuportável, mas ela agora estava alegre. Assim como o verdadeiro Stálin era diferente de sua personagem histórica, o mesmo acontecia com Nadejda Allilúieva. "Ela era muito bonita, mas não se vê isso nas fotografias", lembra Artiom Serguéiev. Ela não tinha uma beleza convencional. Quando sorria, seus olhos irradiavam honestidade e sinceridade, mas era também solene, distante e perturbada por males físicos e mentais. Sua frieza era periodicamente destruída por ataques de histeria e depressão. Sofria de ciúmes crônicos. Ao contrário de Stálin, que tinha a graça de um verdugo, ninguém lembra do senso de humor de Nádia. Ela era uma bolchevique, bem capaz de agir como informante do marido, denunciando seus inimigos. Era então o casamento de um ogro e uma ovelha, uma metáfora do tratamento que Stálin dava à Rússia? Somente na medida em que se tratava de um casamento bolchevique em todos os sentidos, típico da cultura peculiar que o gerou. Contudo, visto de outro ângulo, trata-se simplesmente da tragédia comum de um empedernido viciado em trabalho que não poderia ser um parceiro pior para sua esposa autocentrada e desequilibrada.
A vida de Stálin parecia ser uma fusão perfeita de política e família bolchevique.
Apesar da guerra brutal contra os camponeses e da crescente pressão sobre os líderes, aquele era um período de idílio feliz, uma vida de fins de semana no campo em datchas tranqüilas, jantares alegres no Kremlin e férias lânguidas às margens do mar Negro que os filhos de Stálin lembrariam como as mais felizes de suas vidas. As cartas de Stálin revelam um casamento difícil, mas amoroso:
"Olá, Tatska [...] sinto tanto a sua falta Tatotchka - estou solitário como um mocho", escreveu para Nádia, usando o apelido carinhoso dela, a 21 de junho de 1930. "Não vou sair da cidade a negócios. Estou só acabando meu trabalho e depois vou sair da cidade com as crianças amanhã. [...] Então adeus, não demore muito, volte para casa mais cedo! Beijos! Seu Ióssif." Nádia estava tratando de suas dores de cabeça em Carlsbad, Alemanha. Stálin sentia saudades dela e cuidava das crianças, como qualquer marido. Em outra ocasião, ela terminava uma carta assim: "Peço muito que cuide de você! Mando beijos apaixonados, tal como você me beijou quando nos despedimos! Sua Nádia".
Nunca foi uma relação fácil. Ambos eram apaixonados e suscetíveis: suas brigas eram sempre dramáticas. Em 1926, ela levou os filhos para Leningrado, dizendo que o estava abandonando. Mas ele implorou que voltasse e ela voltou. Percebe-se que esse tipo de briga era freqüente, porém havia intervalos de um tipo de felicidade, embora não se devesse esperar aconchego nessa espécie de lar bolchevique. Stálin era amiúde agressivo e insultante, no entanto o que mais tornava difícil sua convivência era provavelmente seu distanciamento. Nádia era orgulhosa e severa, mas sempre doente. Se camaradas como Mólotov e Kaganóvitch achavam que ela estava à beira da "loucura", sua própria família admite que ela era "às vezes enlouquecida e demasiado sensível, todos os Allilúiev tinham sangue cigano instável". Os dois eram impossíveis de maneira parecida. Ambos eram egoístas, frios com temperamento fogoso, embora ela não tivesse nada da crueldade e duplicidade dele. Talvez fossem parecidos demais para ser felizes. Todas as testemunham concordam que a vida com Stálin "não era fácil, era uma vida dura". Não era um "casamento perfeito", disse Polina Mólotova à filha do casal Svetlana, "mas qual casamento o é?"
Após 1929, eles ficavam freqüentemente separados, pois Stálin ia de férias para o sul no outono, quando Nádia ainda estava estudando. Não obstante, os tempos felizes eram cálidos e amorosos: suas cartas eram levadas e trazidas por mensageiros da polícia secreta e os bilhetes seguem-se com tal rapidez que parecem e-mails. Mesmo entre esses ascetas bolcheviques havia insinuações de sexo: os "beijos muito apaixonados" que ela relembrou na carta citada acima. Eles gostavam da companhia um do outro. Como vimos, ele sentia muitas saudades quando ela estava longe e Nádia também sentia a falta dele. "É muito chato sem você", escreveu ela. "Venha para cá e será gostoso ficarmos juntos."
Eles compartilhavam Vassíli e Svetlana. "Conte alguma coisa sobre as crianças", escreveu Stálin do mar Negro. Quando ela está longe, ele relata: "As crianças estão bem. Não gosto da professora, ela anda correndo pelo lugar e deixa Vássia e Tolika [o filho adotivo Artiom] correr da manhã à noite. Tenho certeza de que Vaska vai mal nos estudos e quero que eles aprendam alemão". Muitas vezes, ela mandava junto com a carta os recados infantis de Svetlana. Compartilhavam suas preocupações com saúde como qualquer casal. Quando estava fazendo a cura nos banhos de Matsesta, perto de Sotchi, Stálin contou a ela: "Já tive dois banhos e terei dez [...]. Acho que ficarei seriamente melhor".
"Como está sua saúde?", perguntou ela.
"Tive um eco nos pulmões e uma tosse", respondeu ele. Seus dentes eram um problema perene: "Seus dentes, por favor, trate deles", disse Nádia.
Quando ela foi fazer uma cura em Carlsbad, ele pediu preocupado: "Você visitou os médicos - conte-me a opinião deles!". Sentia falta dela, mas se o tratamento demorasse mais, ele compreendia.
Stálin não gostava de trocar de roupa e usava trajes de verão no inverno; ela então se preocupava: "Mando-lhe um sobretudo porque depois do sul você pode pegar um resfriado". Ele também mandava presentes para Nádia: "Estou lhe mandando alguns limões", escreveu ele, orgulhoso. "Você vai gostar deles." Esse jardineiro zeloso gostaria de cuidar de limoeiros até sua morte.
Eles fofocavam sobre os amigos e camaradas que viam: "Ouvi dizer que Gorki [o romancista famoso] foi a Sotchi", escreveu ela. "Talvez esteja visitando você - que pena para mim. Ele tem uma conversa tão encantadora [...]". E, é claro, como uma criada bolchevique vivendo naquela minúscula família mais ampla de líderes e suas esposas, Nádia era quase tão obcecada por política quanto Stálin, passando adiante o que Mólotov ou Vorochílov lhe haviam contado. Mandava-lhe livros e ele agradecia, mas reclamava quando faltava um. Ela caçoava de Stálin devido à forma como ele aparecia na literatura dos russos brancos emigrados.
A modesta e austera Nádia não temia dar ordens. Repreendeu Poskrióbichev, o sombrio chefe de gabinete de Stálin, quando estava em férias, queixando-se de que "não recebemos nenhuma literatura estrangeira. Mas dizem que existem coisas novas boas. Talvez você converse com Iagoda [subchefe da gpu] [...]. Na última vez, recebemos livros muito desinteressantes [...]". Quando voltou das férias, mandou a Stálin as fotografias: "Só as boas - Mólotov não está engraçado?". Ele depois caçoou do absurdamente impassível Mólotov na frente de Churchill e Roosevelt. E mandou para Nádia fotografias das férias dele.
Porém, no final dos anos 20, Nádia estava descontente do ponto de vista profissional. Queria ser uma mulher com carreira bolchevique séria por seus próprios méritos. No começo dos anos 20 datilografara para o marido, depois para Lênin e Sergo Ordjonikidze, outro dínamo georgiano, responsável agora pela Indústria Pesada. Depois foi para o Instituto Agrário Internacional, no Departamento de Agitação e Propaganda, onde, perdida nos arquivos, encontramos o trabalho diário da esposa de Stálin em toda a sua monotonia bolchevique: seu chefe pede a sua assistente, que se assina "N. Allilúieva", para cuidar da publicação de um artigo extremamente chato intitulado "Devemos estudar o movimento jovem na aldeia".
"Não tenho absolutamente nada a ver com ninguém em Moscou", resmungava ela. "É estranho, mas me sinto mais próxima de gente que não é do Partido - mulheres, é claro. O motivo é que elas são de convivência mais fácil. [...] Há uma quantidade incrível de preconceitos novos. Se não trabalha, você é só uma baba! Ela tinha razão. As novas mulheres bolcheviques, como Polina Mólotova, eram políticas por seus próprios méritos. Essas feministas desprezavam as donas-de-casa e datilógrafas como Nádia. Mas Stálin não queria uma mulher desse tipo para ele: sua Nádia seria o que ele chamava uma "baba". Em 1929, Nádia decidiu se tornar uma mulher poderosa do partido e não saiu de férias com o marido, mas ficou em Moscou a fim de prestar exame para a Academia Industrial, onde estudaria fibras sintéticas, daí sua correspondência amorosa com Stálin. A educação era uma das grandes realizações bolcheviques e havia milhões como ela. Stálin queria realmente uma baba, mas apoiou a iniciativa de Nádia: por ironia, seus instintos talvez estivessem certos, pois ficou claro que ela não era suficientemente forte para ser estudante, mãe e esposa de Stálin ao mesmo tempo. Muitas vezes, ele terminava a carta assim: "Como vão os exames? Beijo minha Tatka!". A mulher de Mólotov tornou-se comissária do povo - e havia todos os motivos para que Nádia esperasse o mesmo.
[...]
O JOVEM STÁLIN
Simon Sebag Montefiore
Depois de ter revelado as minúcias do terror stalinista em Stálin: a corte do czar vermelho, Simon Sebag Montefiore mergulha agora no passado do ditador soviético e faz um relato fascinante de sua infância e juventude. Trata-se de um período sobre o qual Stálin sempre lançou cortinas de fumaça, dando informações contraditórias e enganadoras, suprimindo fatos e personagens e minimizando sua importância. As revelações extraordinárias de O jovem Stálin deixam claro por que o czar vermelho preferia esconder boa parte de seu passado pré-soviético.
Com o fim da União Soviética, emergiu um tesouro de informações sobre a vida de Stálin anterior à Revolução - os segredos de suas origens, os infortúnios e sucessos de sua infância, os eventos extraordinários e a carreira ímpar de um jovem que foi seminarista brilhante, intelectual, poeta, agitador, assaltante, pirata, incendiário, assassino e mestre da conspiração e da fuga de prisões. É com base neste material desencavado de inúmeros arquivos, especialmente da Geórgia, e em conversas com descendentes (e até mesmo testemunhas da época) que Simon Sebag Montefiore traça um retrato vívido, complexo e surpreendente dos anos de formação daquele que viria a ser Stálin.
"O retrato de Stálin que emerge destas paginas é mais completo, mais vivo, mais arrepiante e muito mais convincente do que todos os que o precederam." - New York Review of Books
TRECHO DA OBRA
Prólogo
O assalto ao banco
Às dez da manhã abafada de quarta-feira, 13 de junho de 1907, na fervilhante praça central de Tíflis, um vistoso e bigodudo capitão de cavalaria de culotes e botas, empunhando um grande sabre circassiano, realizava truques a cavalo, brincando com duas belas e bem vestidas garotas georgianas que giravam sombrinhas espalhafatosas - ao mesmo tempo que seguravam pistolas Mauser escondidas em suas vestes.
Rapazes de aparência ordinária, vestidos com blusas claras de camponês e calças de estilo marinheiro, esperavam nas esquinas, acariciando revólveres e granadas escondidos. Na mal-afamada taberna Tiliputchúri, um bando de gângsteres fortemente armados ocupou o bar do porão e convidava alegremente os transeuntes a acompanhá-los na bebida. Todos eles aguardavam para executar a primeira proeza de Ióssif Djugachvíli, de 29 anos, mais tarde conhecido como Stálin, a chamar a atenção do mundo. Poucas pessoas de fora da gangue sabiam do plano daquele dia para um "número" criminoso-terrorista, mas Stálin trabalhara nele durante meses. Um homem que conhecia o plano em termos amplos era Vladímir Lênin, o líder do Partido Bolchevique, que estava escondido muito longe da Geórgia, numa casa de campo em Kuokola, Finlândia. Dias antes, tivesse acabado de proibir rigorosamente todas as "expropriações", o eufemismo para roubo de bancos. Mas as operações, assaltos e assassinatos de Stálin, sempre executados com atenção meticulosa aos detalhes e ao sigilo, haviam feito dele o "principal financiador do Centro Bolchevique".
Os acontecimentos daquele dia fariam manchetes em todo o mundo, sacudiriam literalmente os alicerces de Tíflis e fragmentariam ainda mais os social-democratas em facções rivais: aquele dia iria ao mesmo tempo fazer a carreira de Stálin e quase arruiná-la - um divisor de águas em sua vida.
Na praça Ierevan, os vinte salteadores que compunham o núcleo da gangue de Stálin conhecida como "Drujina" assumiram posições, enquanto seus vigias observavam a avenida Golovinski, a elegante rua principal de Tíflis, depois do esplendor branco italianado do palácio do vice-rei. Eles esperavam o tropel de uma diligência e seu esquadrão de cossacos a galope. O capitão do exército com o sabre circassiano rodopiou seu cavalo antes de desmontar para um desfile pelo bulevar da moda.
Todas as esquinas estavam guardadas por um cossaco ou um policial: as autoridades estavam a postos. Esperava-se alguma coisa desde janeiro. Os informantes e agentes da polícia secreta do czar, a Okhrana, e sua polícia política uniformizada, os gendarmes, haviam feito copiosos relatórios sobre as traquinagens clandestinas das gangues de revolucionários e criminosos. No lusco-fusco enevoado desse submundo, os universos dos bandidos e dos terroristas se haviam fundido e era difícil diferenciar boatos da verdade. Mas haviam escutado um "papo" sobre um "extraordinário" - como os especialistas em inteligência de hoje diriam - durante meses.
Naquela manhã quente e úmida, a cor oriental de Tíflis (agora Tbilíssi, capital da República da Geórgia) mal parecia pertencer ao mesmo mundo da capital do czar, São Petersburgo, distante 1.600 quilômetros. As ruas mais antigas, sem água encanada ou eletricidade, subiam as encostas da Mtatsminda, a Montanha Sagrada, até ficarem impossivelmente escarpadas, cheias de casas tortuosamente pitorescas, vergadas com sacadas, entrelaçadas por velhas videiras. Tíflis era uma grande aldeia onde todos se conheciam.
Logo atrás do quartel-general militar, na elegante rua Freilinskaia, a um passo da praça, morava a esposa de Stálin, uma bela e jovem costureira georgiana chamada Kató Svanidze, e seu filho recém-nascido Iákov. Era um verdadeiro casamento de amor: apesar de seu temperamento sombrio, Stálin era devotado a Kató, que o admirava e compartilhava seu fervor revolucionário. Enquanto tomava sol com o bebê na sacada, seu marido estava prestes a dar a ela e à própria Tíflis um choque medonho.
Essa cidade familiar era a capital do Cáucaso, o vice-reinado montanhoso e selvagem do czar, entre os mares Negro e Cáspio, um caldeirão de povos orgulhosos e arrebatados. A avenida Golovinski era quase parisiense em sua elegância. Teatros neoclássicos brancos, um teatro lírico em estilo mourisco, hotéis grandiosos e os palácios dos príncipes georgianos e barões do petróleo armênios enfileiravam-se na rua, mas, assim que se passava o quartel-general militar, a praça Ierevan se abria para um pot-pourri asiático.
Ambulantes em trajes exóticos e barracas ofereciam o condimentado feijão lobio georgiano e tortas de queijo katchapúri quentes. Transportadores de água, vendedores ambulantes, batedores de carteira e carregadores faziam entregas, ou roubavam os bazares armênios e persas, cujos corredores se pareciam mais com uma feira levantina do que com uma cidade européia. Caravanas de camelos e burros, carregadas de sedas e especiarias da Pérsia e do Turquestão, frutas e odres de vinho do luxuriante interior georgiano, entravam pelos portões do caravançará. Jovens garçons e mensageiros serviam sua clientela de hóspedes e comensais, trazendo para dentro os sacos, desatrelando os camelos - e observando a praça. Com a abertura dos arquivos da Geórgia, sabemos agora que Stálin usava os meninos do caravançará para o serviço revolucionário de espionagem de rua e entrega de mensagens. Enquanto isso, em um dos recintos cavernosos do fundo do caravançará, os chefes da gangue levantavam o moral de seus homens, repassando o plano uma última vez. Stálin estava pessoalmente presente naquela manhã.
As duas adolescentes de sombrinhas rodopiantes e revólveres carregados, Pátsia Goldava e Anneta Sulakvelidze, "de cabelos castanhos, esbeltas, com olhos negros que expressavam juventude", atravessaram afetadamente a praça para ficar diante do quartel-general militar, onde flertaram com oficiais russos, gendarmes de vistosos uniformes azuis, e cossacos de pernas arqueadas.
Tíflis era - e ainda é - uma cidade lânguida de pessoas que perambulam e param com freqüência para tomar uma taça de vinho nas muitas tabernas ao ar livre: se os exibidos e excitáveis georgianos se parecem com algum povo europeu, é com os italianos. Os homens georgianos e de outras regiões do Cáucaso, vestidos com sua tchokha tradicional - casacos longos e rodados com cartucheiras enfileiradas no peito -, pavoneavam-se pelas ruas, cantando em voz alta. As mulheres georgianas, com lenços pretos na cabeça, e as esposas dos oficiais russos, em trajes europeus, passeavam pelos jardins Púchkin, comprando gelados e sorvetes junto de persas e armênios, tchetchenos, abkhazes e judeus da montanha com roupas e chapéus de festa.
Gangues de pivetes - kintos - observavam a multidão em busca de vítimas. Seminaristas adolescentes, com longas sobrepelizes brancas, eram escoltados por seus professores-padres barbudos ao sair do seminário do outro lado da rua, onde Stálin quase se tornara padre nove anos antes. Esse caleidoscópio do Ocidente e do Oriente, não eslavo, não russo e ferozmente caucasiano, foi o mundo em que Stálin se criou.
Depois de verificar a hora, Anneta e Pátsia assumiram novas posições em ambos os lados da praça. Na rua Palácio, a clientela suspeita da taberna Tiliputchúri - príncipes, cafetões, informantes e batedores de carteira - já bebia vinho da Geórgia e aguardente da Armênia, não longe da grandiosidade plutocrática do palácio do príncipe Sumbátov.
Naquele exato momento, David Saguirachvíli, outro revolucionário que conhecia Stálin e alguns dos gângsteres, visitava um amigo que era dono de uma loja no andar superior da taberna e foi convidado a entrar pelo alegre bandoleiro Batchúa Kupriachvíli, que estava à porta e "imediatamente me ofereceu uma cadeira e um copo de vinho tinto, conforme o costume georgiano". David bebeu o vinho e estava para sair quando o capanga armado sugeriu "com refinada delicadeza" que ele ficasse dentro da taberna e "experimentasse mais petiscos e vinho". David se deu conta de que "eles estavam deixando as pessoas entrarem no restaurante, mas não as deixavam sair. Indivíduos armados guardavam a porta". Ao divisar o comboio que vinha a galope pelo bulevar, Pátsia Goldava, a morena esguia que estava à espreita, virou rapidamente a esquina para o jardim Púchkin, onde sacudiu seu jornal para Stepko Intskirvéli, que esperava junto ao portão.
"Vamos nessa!", murmurou ele.
Stepko fez um sinal com a cabeça para Anneta Sulakvelidze, que estava do outro lado da rua, junto à taberna, e ela fez um sinal chamando os outros do bar. Os capangas armados que estavam à porta acenaram para dentro. "A um sinal dado", Saguirachvíli viu os bandidos que estavam na taberna largarem suas bebidas, engatilharem suas pistolas e saírem, espalhando-se pela praça - jovens magros, definhados, de calças largas, que mal haviam comido durante semanas. Alguns eram gângsteres, outros eram criminosos, e outros, ainda, príncipes empobrecidos típicos da Geórgia, vindos de castelos sem telhado e sem muros das províncias. Embora suas façanhas fossem criminosas, eles não davam nenhuma importância ao dinheiro: eram devotados a Lênin, ao Partido e a seu chefe títere em Tíflis, Stálin.
"As funções de cada um de nós foram planejadas com antecedência", relembrou uma terceira garota da gangue, Alexandra Darakhvelidze, de apenas dezenove anos, amiga de Anneta e já veterana de uma farra de assaltos e tiroteios.
Os gângsteres cobriram os policiais da praça - os gorodovói, conhecidos nas ruas como faraós. Dois homens ficaram de olho nos cossacos que estavam do lado de fora da Prefeitura; o resto seguiu para a esquina da rua Veliamínov e o bazar armênio, não longe do Banco do Estado. Alexandra Durakhvelidze, em suas memórias inéditas, relembrou que ficou guardando uma das esquinas com dois homens armados.
Então Batchúa Kupriachvíli, fingindo ler despreocupadamente um jornal, divisou a distância a nuvem de poeira levantada pelos cascos dos cavalos. Eles estavam vindo! Batchúa enrolou seu jornal, preparado...
O capitão da cavalaria com o sabre reluzente que estava passeando pela praça começou a advertir os transeuntes para que se afastassem, mas, como ninguém lhe dava atenção, saltou de volta para seu belo cavalo. Não se tratava de nenhum oficial, mas do ideal do beau sabreur e proscrito georgiano, meio cavaleiro, meio bandido. Era Kamó, de 25 anos, chefe da Drujina e, como Stálin disse, "um mestre do disfarce", capaz de se passar por um rico príncipe ou uma lavadeira camponesa. Movia-se rigidamente e seu olho esquerdo meio cego envesgava e se revirava: uma das bombas fabricadas por ele mesmo explodira em seu rosto algumas semanas antes. Ainda estava em recuperação.
Kamó "estava completamente fascinado" por Stálin, que o convertera ao marxismo. Eles haviam crescido juntos na violenta cidade de Góri, distante setenta quilômetros de Tíflis. Era um assaltante de bancos de audácia engenhosa, um Houdini das fugas de prisão, um simplório crédulo - e um praticante meio insano de violência psicopática. Intensa e sinistramente tranqüilo, com um esquisito "rosto sem brilho" e um olhar vazio, servia com entusiasmo ao seu senhor, implorando com freqüência a Stálin: "Deixe-me matá-lo para você!". Nenhuma proeza de horror macabro ou coragem bombástica estava fora do seu alcance: tempos depois enfiou a mão no peito aberto de um homem e arrancou seu coração.
Durante toda a sua vida, o magnetismo desprendido de Stálin atrairia e conquistaria a devoção de psicopatas amorais e desenfreados. Seu assecla de infância Kamó e esses gângsteres foram os primeiros de uma longa lista. "Aqueles jovens seguiam Stálin de forma desinteressada [...] A admiração que tinham por ele lhe possibilitava impor-lhes uma disciplina férrea." Kamó visitava com freqüência a casa de Stálin, onde tomara emprestado o sabre do pai de Kató, explicando que ia "brincar de oficial dos cossacos". Até mesmo Lênin, aquele advogado fastidioso, criado como um fidalgo, ficou fascinado com o temerário Kamó, a quem chamava de seu "bandoleiro caucasiano". Na velhice, Stálin refletiu: "Kamó era uma pessoa realmente espantosa".
O "capitão" Kamó virou seu cavalo na direção do bulevar e cruzou audaciosamente pelo comboio que vinha na direção oposta. Depois que o tiroteio começasse, vangloriou-se, a coisa toda "estaria terminada em três minutos".
Os cossacos entraram a galope na praça Ierevan, dois à frente, dois atrás e um ao lado das duas diligências. Através da poeira, os gângsteres puderam perceber que o veículo transportava dois homens de sobrecasaca - o caixa do Banco do Estado Kurchúmov e o contador Golovnia - e dois soldados com rifles engatilhados, enquanto um segundo faeton estava cheio de policiais e soldados. No trovão dos cascos, demorou apenas segundos para que os carros e os cavaleiros atravessassem a praça, prontos para entrar na rua Sololaki, onde ficava o novo Banco do Estado: as estátuas de leões e deuses acima de sua porta representavam a prosperidade crescente do capitalismo russo.
Batchúa deu o sinal abaixando o jornal, depois o jogou fora e sacou suas armas. Os gângsteres pegaram o que apelidavam de "maçãs" - poderosas granadas que haviam sido contrabandeadas para dentro de Tíflis por Anneta e Alexandra dentro de um grande sofá.
Os homens armados e as garotas avançaram, puxaram os detonadores e jogaram quatro granadas que explodiram sob as diligências com um barulho ensurdecedor e uma força infernal que estripou os cavalos e espedaçou os soldados, espalhando vísceras e sangue pelas pedras do pavimento. Os bandoleiros sacaram suas pistolas Mauser e Browning e abriram fogo sobre os cossacos e os policiais da praça, que, pegos totalmente de surpresa, caíram feridos ou fugiram para se proteger. Mais de dez bombas explodiram. Testemunhas acharam que vinham de todas as direções, até mesmo dos telhados: mais tarde, foi dito que Stálin jogara a primeira bomba do teto da mansão do príncipe Sumbátov.
As diligências do banco pararam. Os transeuntes procuraram abrigo aos gritos. Alguns acharam que se tratava de um terremoto: a Montanha Sagrada estaria caindo sobre a cidade? "Ninguém sabia se o terrível tiroteio vinha de canhões ou da explosão de bombas", registrou o jornal georgiano Isari (Flecha). "O som causou pânico geral [...] quase em toda a cidade, as pessoas começaram a correr. Carruagens e carroças se afastaram a galope." Chaminés caíram dos edifícios; todas as vidraças foram estilhaçadas, até as do palácio do vice-rei.
Kató Svanidze estava na sacada de sua casa cuidando do bebê de Stálin com a família "quando de repente ouvimos o som de bombas", relembrou sua irmã Sachikó. "Aterrorizadas, corremos para dentro da casa." Lá fora, em meio à fumaça amarela e ao caos, entre os corpos dos cavalos e os membros mutilados dos homens, alguma coisa dera errado.
Um cavalo atrelado à diligência da frente contorceu-se e, aos solavancos, voltou à vida. No momento em que os gângsteres correram para pegar os sacos de dinheiro que estavam na traseira da diligência, o cavalo se ergueu e disparou morro abaixo em direção ao bazar dos soldados, desaparecendo com o dinheiro que Stálin prometera a Lênin para a Revolução.
[...]
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