sexta-feira, 16 de agosto de 2013

UM DIA NA VIDA DE VAN GOGH: A TRAGEDIA DO BORINAGE


Em janeiro de 1879, Vincent Van Gogh chegou a região do vilarejo de Petit Wasmes, no distrito do Borinage, próximo das minas de carvão de Marcasse e Frameries, onde assumiu a função temporária de “pregador laico e professor de catecismo”. Seu objetivo era seguir a carreira de pregador – assim como seu pai. Poucos meses depois de chegar à região de Borinage, Vincent escreveu a seu irmão Theo sobre a situação dos trabalhadores
“Há pouco tempo fiz uma excursão interessante: passei seis horas no fundo de uma mina. Numas das mais antigas e perigosas dos arredores, chamada Marcasse. (...) Os operários em sua maioria são magros e pálidos de febre;parecem fatigados, exaustos, tem a pele curtida e envelhecida antes da idade; de um modo geral suas mulheres são bem pálidas e murchas.”
A convivência de Vincent com os operários minaram sua fé, na medida em que não conseguia encontrar palavras de consolo religioso que amenizasse a situação daqueles pobres miseráveis do mundo subterrâneo. A simples visão da rotina de trabalho dos mineiros levou Vincent a questionar os propósitos divinos abalando sua fé e colocando em duvida seu destino como pregador evangelista. Em 17 de abril de 1879, uma tragédia no interior da mina de Agrappe, nas Frameries, colocaria um ponto final nas suas expectativa de seguir como pregador:
“A explosão veio sem aviso prévio. A invasão de picaretas, lâmpadas e ar desencadeou forças que estavam encerradas dentro da terra desde sua formação. Incolor e inodoro, o gás se avolumava na mina a cada novo golpe das picaretas, a cada pedra que caia, a cada retirada de carvão. Bastou uma faísca – de uma lâmpada com defeito ou de uma fricção nos varões de uma barricada – para provocá-la. (...) O clarão de uma chama azul característica do metano deu inicio à reação em cadeia. A explosão enviou uma onda de pressão ao corredor estreito com força suficiente para atirar longe os mineiros, até o fundo da galeria, amontoando-as nas fendas da hulha. Os veteranos sabiam que ao ouvir o chiado do gás – o “ar explosivo” como diziam -, deveriam se arremessar ao chão, pois imediatamente viria uma labareda como um maçarico – o clarão – na altura de um homem. O vento sugou o pó de carvão por todas as fendas e fissuras, ficando então suspensos no ar dando tempo para se incendiar com aquele clarão. O pó de carvão conseguia converter mesmo um pequeno lampejo de ar viciado num inferno em chamas que se alastraram, enquanto o vento e então o fogo se espalharam retumbantes pela mina, como pelo cano de uma arma. A onda de pressão arrancou vigas da abobada da mina, provocando novas quedas; retorceu varões e arremessava as barricas vazias como projeteis pela galeria. O fogo se alastrou pelos túneis a mais de mil quilômetros por hora, arrastando tudo pelo caminho – ferramentas, cavalos, homens, crianças – com ferocidade de um alto forno. O desastre subterrâneo se anunciou ao mundo quanto o vento e o fogo encontraram a escavação vertical e explodiram pelo poço da mina num estrondo descomunal – “como o estampido de um canhão gigantesco”, segundo relatos; o ascensorista que operava as cabinas ficou instantaneamente carbonizado. Logo depois uma gigantesca bolha de gás subiu pelo poço de ventilação ao lado e explodiu numa enorme bola de fogo, no meio do complexo mineiro. As moças que trabalhavam no galpão da seleção da hulha ficaram queimadas a um grau irreconhecível. O poço continuou a soltar explosões, arremessando ao ar centenas de toneladas de pedra e carvão. Numa das explosões subiram as roupas que a correntes ascendente arrancara dos mineiros. Uma imensa “coluna de fogo”, visível a vários quilômetros de distancia, e gigantescas nuvens de fumaça negra logo anunciaram aos arredores o cataclismo que se processava nas entranhas da terra. Mulheres e crianças acorreram as estrada, apressando-se na direção da mancha negra que se espraiava no céu. Quando as primeiras se aproximara da mina, ouviram o som pavoroso das explosões abafadas que ainda prosseguiram durante horas, e sentiram os tremores do solo. O pátio da mina logo ficou lotado, enquanto elas olhavam “arfando de esperança” os sobreviventes que saiam trôpegos, com o rosto ferido e enegrecido, e as padiolas eram ininterruptamente levadas a enfermaria ou à capela. Ao gemidos de dor logo se somaram as pragas e os gritos de raiva, conforme aumentava as pilhas dos corpos esquartejados e se evidenciava a magnitude da tragédia.
Naquele dia 121 mineiros perderam a vida. O acidente marcaria para sempre a vida de Vincent. Anos depois quando leu Germinal de Zola, ele se lembrou da tragédia no Borinage e concluiu que a arte era na verdade um reflexo do subjetivo; daí em diante não mais buscaria consolar os homens por meio das palavras, apenas por meio dos traços fortes de sua arte de cores vivas. A realidade seria descrita por seu pincel com simples “impressões”, pois de acordo com suas próprias palavras: “Seria magnífico se pudéssemos reter com precisão tudo o que vemos.”
OBS: O trecho do acidente foi retirado da obra "Van Gogh - a vida" de NAIFEH, STEVEN.

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