domingo, 29 de maio de 2016

UM ESCRITOR NA GUERRA: VASILY GROSSMAN COM O EXERCITO VERMELHO 1941-1945


“Um exercito é uma estranha obra de arte combinada, cuja força resulta de enorme quantidade de impotências. Assim se explica a guerra, feita pela humanidade, contra a humanidade, apesar da humanidade.”
- Victor Hugo
“O diabo apareceu para mim ontem à noite e apertou minha mão com suas garras. Eu comecei a rezar: ‘que Deus eleve-se novamente e que seus inimigos desapareçam’, mas o diabo não deu atenção. Então eu o mandei embora ai ele sumiu.”
- Relato de uma mãe soviética cujo filho combatia no front.
Eram 15 repúblicas, 14 línguas, 290 milhões de habitantes, um único partido comandado pelas mãos de ferro de um único líder. A desfragmentação final da união soviética só ocorreria em 1991, mas em junho de 1941 a catástrofe que se abateu sobre a gigantesca nação vermelha colocaria a prova o regime erguido por Lênin e a força patriótica do povo soviético. Nos quatro anos da guerra na frente russa 1710 cidades foram destruídas, setenta mil aldeias arrasadas, 65 mil quilômetros de trilhos ferroviários danificados, 15.800 locomotivas, 428 mil vagões e 4.280 embarcações destruídas, 1,2 milhão de habitações urbanas e 3,5 milhões de residências rurais arrasadas. Em algumas regiões o potencial industrial foi reduzido a 1,2% e o numero total de mortos alcançou a imensurável marca de vinte milhões.
Nunca na historia um evento foi tão feroz e destrutivo como a luta que se travou no front soviético durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O que para alguns era o retrato vivo do apocalipse, para outros era a oportunidade para mostrar ao mundo que o caráter exponencial da violência humana era não apenas um fato, como também um dos mais trágicos elementos do século XX. Lançado no Brasil pela editora Objetiva a obra “Um escritor na guerra. Vasily Grossman com o Exercito Vermelho 1941-1945”, é quase uma epopéia realista da historia russa do ultimo século. A edição conta com comentários do historiador britânico Antony Beevor que situa o leitor à medida que se desenvolve o conflito.
Recusado para o serviço militar por inaptidão física Vasily Grossman, químico e escritor soviético, conseguiu ser incorporado ao exercito em 28 de julho de 1941, como correspondente do jornal Kranaya Zvezda. Grossman testemunhou as derrotas sofridas pelo exercito vermelho no verão de 1941, a defesa desesperada de Moscou, acompanhou de perto os combates na Ucrânia e presenciou a gigantesca batalha de Kursk. Munido de um simples bloco de anotações ele registrou o que viu no front e levou a seus leitores a realidade brutal da guerra.
Foi o correspondente soviético que por mais tempo cobriu a sangrenta batalha de Stalingrado: “Eu vinha imaginando como seria a guerra, tudo pegando fogo, crianças gritando, gatos correndo, e quando cheguei a Stalingrado vi que era realmente isso, apenas um pouco mais terrível.” Esteve entre os primeiros a entrar no campo de extermínio de Majdanek, na Polonia, após sua libertação. Descreveu em detalhes as instalações do menor e mais letal campo de extermínio nazista: Treblinka. As dimensões reduzidas de Treblinka deixava claro seu único propósito: matar. Seu impressionante artigo “Um inferno chamado Treblinka” seria posteriormente utilizado como prova durante o julgamento de crimes de guerra em Nuremberg.
Apesar de todo o horror visto nos campos de batalha nada seria capaz de preparar Grossman para o choque que teria ao chegar à pequena cidade de Berdichev, na Ucrânia. Entrevistando os sobreviventes ele descobriu que em 15 de setembro de 1941, poucas semanas após o inicio da invasão, vários destacamentos da SS haviam reunido os moradores na praça do mercado e os executado. Os idosos e incapazes de andar foram mortos dentro de suas próprias casas. Alguns moradores haviam sido levados em marcha para um campo de pouso nas proximidades da cidade e fuzilados. Dentre as centenas de idosos executados naquele dia estava Yekaterina Saviélievna: mãe de Grossman.
Sem duvida um dos trechos mais intensos e emocionantes do livro é a carta de despedida que ele escreve para sua mãe logo após descobrir sobre o seu trágico fim. Posteriormente ele dedicaria seu magistral romance "Vida e Destino" a sua mãe:
“Querida Mamãe, soube de sua morte no inverno de 1944. Cheguei a Berdichev, entrei na casa onde você morava e que tia Anyuta, tio David e Natasha havia deixado, e senti que você havia morrido. Mas lá longe, em setembro de 1941, meu coração já sentia que você não estava mais aqui. (...) Tentei dezenas de vezes, talvez centenas, imaginar como você morreu, como você caminhou para encontrar a morte. Tentei imaginar a pessoa que a matou. Foi a ultima pessoa a vê-la. Sei que você estava pensando muito em mim o tempo todo (...)”
Pelos olhos e pela caneta de Grossman ficaram marcados e registrados as ruínas de Varsóvia após o sangrento levante de 1944 e a violência das batalhas pelas ruas de Berlim, quando a Alemanha de Hitler dava seus últimos suspiros. Em dado momento ele havia escrito: “um soldado do Exercito Vermelho está deitado na grama depois de uma batalha, dizendo para si mesmo: ‘os animais e as plantas lutam por sua existência. Seres humanos lutam por supremacia”.
Qual seria o aspecto mais característico da guerra? Por que ela nos afeta de forma tão profunda? Essas são perguntas que nos fazemos durante toda a leitura dessa impressionante obra. A guerra se alimenta da expectativa que ela produz através do recrudescimento constante do comportamento que permeia as relações humanas. Nesse caso o uso da força é visto como a canalização de um ideal cujo objetivo é atingir um propósito comum. Quando chegou a Landsberg, a poucos quilômetros de Berlim, Grossman anotou:
“Crianças estão brincando de guerra no telhado plano de uma casa. Nossas tropas estão liquidando com o imperialismo alemão neste minuto, mas aqui os meninos com espadas e lanças de madeira, de pernas compridas, cabelo cortado curto na parte de trás da cabeça, franjas louras, estão gritando com vozes estridentes, apunhalando uns aos outros, pulando, saltando loucamente. Aqui está nascendo uma nova guerra. Isto é eterno, não morre.”
Infelizmente ele estava certo: a paz é uma fabula sintética da humanidade!
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
UM ESCRITOR NA GUERRA
Editora: OBJETIVA
Coleção: JORNALISMO DE GUERRA
Assunto: Comunicação - Jornalismo
Idioma: PORTUGUÊS
Ano: 2008
Encadernação: BROCHURA
Nº de Páginas: 496

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