sábado, 24 de agosto de 2013

STALIN EM DOSE DUPLA


As duas melhores biografias já públicadas sobre o lider sovietico.
Uma pesquisa no Google com as palavras "Stálin, biografia" revela a existência de quase 1 milhão de sites (mais de vinte mil em português). Qual o sentido então de escrever e publicar mais uma biografia do famigerado líder soviético? A resposta é simples: além de desencavar memórias e diários inéditos de personagens importantes e de entrevistar os sobreviventes e descendentes dos poderosos da era stalinista, o jornalista e escritor inglês Simon Sebag Montefiore beneficiou-se da recentíssima liberação de cartas, bilhetinhos, anotações nas margens de documentos e livros, minutas de reuniões, agendas e papéis que passavam todos os dias pela escrivaninha de Stálin, em muitos dos quais ele deixava sua marca de aprovação, reprovação ou escárnio. Com isso, pôde revelar a intimidade do poder que até agora permanecia envolta em mistério e mostrar sua face mais humana, embora nem sempre menos brutal.
Montefiore oferece um retrato nuançado de Stálin: leitor compulsivo, apreciador de música e cinema, burocrata minucioso e infatigável, pai rígido, marido desesperado com o suicídio da esposa, político suspeitoso e paranóico, implacável com possíveis inimigos e concorrentes, e líder disposto a sacrificar qualquer coisa - família, amigos, camaradas e milhões de camponeses e soldados - em nome do ideal comunista. E traz para o primeiro plano o que chama de "magnatas", os membros do círculo íntimo do poder - Mólotov, Vorochílov, Mikoian, Khruchióv e muitos outros -, que, como uma grande família, participavam de longos jantares e intermináveis bebedeiras, em que decidiam assuntos de Estado e compartilhavam a responsabilidade pelo terror. Montefiore relata em detalhes os bastidores das grandes decisões políticas e diplomáticas, ao mesmo tempo em que penetra na "cozinha" dos poderosos, revelando as preocupações cotidianas com a saúde, as férias, os filhos, ou o disse-me-disse muitas vezes mortal dos corredores do Kremlin. No fim, temos a imagem detalhada e completa da grande máquina montada para implantar o comunismo a ferro e fogo, aquela que, como admitiria Khruchióv mais tarde, deixou todos "com sangue até os cotovelos".
"Um retrato perturbador da vida no círculo íntimo do ditador [...] e da cultura de sadismo, crueldade e terror que floresceu ao seu redor e promoveu um regime assassino que causaria milhões de mortes." - The New York Times
TRECHO DA OBRA
PRÓLOGO O JANTAR FESTIVO - 8 DE NOVEMBRO DE 1932
Por volta das dezenove horas de 8 de novembro de 1932, Nádia Allilúieva Stálin, a esposa de 31 anos, rosto oval e olhos castanhos do secretário-geral do Partido, vestia-se para a ruidosa festa anual que celebraria o 15o. aniversário da Revolução. Puritana, diligente mas frágil, Nádia orgulhava-se de sua "modéstia bolchevique", usando os vestidos mais sem graça e sem forma, envolvida em xales simples, com blusas de colarinho quadrado e sem maquiagem. Mas, naquela noite, fazia um esforço especial. No apartamento sombrio dos Stálin, na construção do século XVII de dois andares do Palácio Potechny, que significa "palácio do divertimento", pois abrigara outrora os atores czaristas e um teatro, ela rodopiava diante de sua irmã Ana, com um vestido preto longo e inusitadamente moderno, com rosas vermelhas bordadas, importado de Berlim. Daquela vez, ela concordara em fazer um penteado, em vez de usar seu coque costumeiro. Descontraída, colocou uma rosa escarlate nos cabelos negros. Prestigiada por todos os magnatas bolcheviques, tais como o premiê Mólotov e sua esposa, a esbelta, inteligente e sedutora Polina, que era a melhor amiga de Nádia, a festa era promovida anualmente pelo comissário da Defesa Vorochílov, que morava no longo e estreito prédio da Guarda Montada, a cinco passos do Potiéchni. No mundo minúsculo e íntimo da elite bolchevique, aquelas noitadas simples e alegres acabavam com os potentados e suas mulheres dançando gigas cossacas e cantando lamentos georgianos. Mas, naquela noite, a festa não acabou do modo usual.
Na mesma hora, a poucas centenas de metros dali, perto do mausoléu de Lênin e da Praça Vermelha, em seu escritório do segundo andar do Palácio Amarelo, uma construção triangular do século XVIII, Ióssif Stálin, o secretário-geral do Partido Bolchevique e o Vojd - líder - da União Soviética, então com 53 anos, 22 a mais do que Nádia e pai de seus dois filhos, encontrava-se com seu agente da polícia secreta favorito. Guenrikh Iagoda, vice-presidente da GPU, um filho de joalheiro judeu com cara de doninha, originário de Nijny Nóvgorod, com um "bigode hitlerista" e um gosto por orquídeas, pornografia alemã e amizades literárias, informava Stálin de novos complôs contra ele dentro do partido e mais turbulência no campo. Stálin, assessorado por Mólotov, de 42 anos, e o responsável pela economia, Valerian Kúibichev, que parecia um poeta louco, com cabelos desgrenhados, um entusiasmo por bebidas, mulheres e, apropriadamente, escrever poesia, ordenou a prisão dos que se opunham a ele. A tensão daqueles meses crescia à medida que Stálin temia perder a Ucrânia, que, em certas partes, caíra numa distopia de fome e desordem. Quando Iagoda saiu, cinco minutos depois das sete da noite, os outros ficaram conversando sobre a guerra para "dobrar a espinha" do campesinato, qualquer que fosse o custo para as milhões de vítimas da maior epidemia de fome da história provocada pelo homem. Eles estavam decididos a usar os grãos para financiar o gigantesco programa de industrialização da Rússia. Mas, naquela noite, a tragédia ocorreria mais perto de casa: Stálin iria enfrentar a crise pessoal mais profunda e misteriosa de sua carreira. Ele a relembraria sem cessar pelo resto de seus dias.
Cinco minutos depois das oito, acompanhado pelo grupo, Stálin desceu as escadas na direção da festa, caminhando pelas vielas e praças cheias de neve daquela fortaleza medieval de muros vermelhos, vestido com a túnica do partido, velhas calças largas, botas de couro macio, velho sobretudo do Exército e seu chapka (gorro) de pele de lobo com orelheiras. Seu braço esquerdo era levemente menor do que o direito - mas a diferença era muito menos perceptível do que se tornou na velhice - e ele costumava fumar um cigarro ou cachimbo. A cabeça e os cabelos grossos e curtos, ainda pretos, mas já com as primeiras manchas grisalhas, irradiavam a força graciosa dos homens das montanhas do Cáucaso; seus olhos felinos, quase orientais, eram "cor de mel", mas soltavam chispas lupinas amarelas quando ele estava irado. As crianças achavam seu bigode espinhento e seu cheiro de tabaco acre, mas, como Mólotov e suas admiradoras femininas lembravam, Stálin ainda era atraente para as mulheres, com quem flertava de modo tímido e desajeitado.
Essa figura atarracada e baixa, de 1,68 metro de altura, que caminhava pesadamente, mas com rapidez, com as pontas dos pés voltadas para dentro (modo de andar imitado meticulosamente pelos atores do Bolchoi quando interpretavam czares), conversando de forma calma com Mólotov em seu sotaque forte de georgiano, era protegida apenas por dois guarda-costas. Os poderosos andavam por Moscou quase sem segurança. Até o suspeitoso Stálin, que já era odiado no campo, ia a pé de seu escritório para casa com apenas um guarda-costas. Uma noite de tempestade de neve, Mólotov e Stálin, no caminho para casa, atravessavam "sem guarda-costas" a praça Manege quando foram abordados por um mendigo. Stálin deu-lhe dez rublos, e o vagabundo, desapontado, gritou: "Seu burguês desgraçado!". "Quem pode entender nosso povo?", comentou Stálin. Apesar do assassinato de autoridades soviéticas (inclusive uma tentativa de matar Lênin, em 1918), as coisas continuaram muito relaxadas até o assassinato do embaixador soviético na Polônia, em junho de 1927, quando houve um leve aperto na segurança. Em 1930, o Politburo aprovou um decreto "para proibir o camarada Stálin de andar a pé pela cidade". No entanto, ele continuou com suas caminhadas por mais alguns anos. Essa era uma idade de ouro que, em poucas horas, acabaria em morte, senão assassinato. Stálin já era famoso por sua inescrutabilidade de esfinge e modéstia fleumática, representadas pelo cachimbo que fumava de modo ostentoso, como um ancião camponês. Longe de ser a mediocridade burocrática insossa desdenhada por Trotski, o verdadeiro Stálin era uma pessoa melodramática, enérgica e orgulhosa, excepcional em tudo. Sob a calma lúgubre dessas águas insondáveis havia redemoinhos mortais de ambição, ódio e infelicidade. Capaz tanto de se comportar com autocontrole como de ter rompantes imprudentes, ele parecia fechado numa armadura fria de aço, mas suas antenas eram extremamente sensíveis, e seu gênio impetuoso de georgiano era tão incontrolável que quase arruinara sua carreira ao se lançar contra a mulher de Lênin. Era um neurótico volúvel com o temperamento tenso e fervente de um ator excitável que se compraz com o próprio drama - o que seu sucessor Nikita Khruchióv chamou de um litsedei, um homem de muitas faces. Lázar Kaganóvitch, um de seus camaradas mais próximos por mais de trinta anos, que também se dirigia à festa, deixou a melhor descrição desse "personagem singular": ele era "um homem diferente em diferentes momentos [...]. Conheci não menos de cinco ou seis Stálins".
Porém, a abertura de seus arquivos e muitas fontes novas disponíveis o iluminam mais do que nunca: não é mais suficiente descrevê-lo como um "enigma". Sabemos agora como ele falava (constantemente sobre si mesmo, amiúde com honestidade reveladora), como escrevia notas e cartas, o que comia, cantava e lia. Colocado no contexto da liderança fissípara soviética, um ambiente sem par, ele se torna uma pessoa real. O homem que havia dentro dele era um político superinteligente e talentoso para quem o próprio papel histórico era fundamental, um intelectual nervoso que lia história e literatura de modo compulsivo, um hipocondríaco inquieto que sofria de amidalite crônica, psoríase, dores reumáticas em seu braço deformado e algidez, resultado de seu exílio na Sibéria. Loquaz, sociável e excelente cantor, esse homem solitário e infeliz arruinou todas as suas relações de amor e de amizade ao sacrificar a felicidade à necessidade política e à paranóia canibalesca. Marcado pela infância e de temperamento anormalmente frio, tentou ser um pai e marido amoroso, mas envenenou todos os poços emocionais. Esse amante nostálgico de rosas e mimosas acreditava que a solução para todos os problemas humanos era a morte e foi obcecado por execuções. Esse ateu devia tudo aos padres e via o mundo em termos de pecado e arrependimento, mas era um "marxista convicto e fanático desde a juventude". Seu fanatismo era "semi-islâmico", seu egotismo messiânico, sem fronteiras. Assumia a missão imperial dos russos, mas continuava a ser um georgiano, levando as vendetas de seus antepassados para Moscou. A maioria dos homens públicos tem o hábito cesarista de se afastar de si mesmo para admirar a própria figura no palco mundial, mas o afastamento de Stálin era em grau maior. Seu filho adotivo, Artiom Serguéiev, lembra dele gritando com o filho Vassíli por ter se aproveitado do nome do pai. "Mas eu sou um Stálin também", disse Vassíli. "Não, você não é", replicou Stálin. "Você não é Stálin e eu não sou Stálin. Stálin é o poder soviético. Stálin é o que ele é nos jornais e nos retratos, não você, nem mesmo eu!" Ele era uma criação de si mesmo. Um homem que inventa seu nome, data de nascimento, nacionalidade, educação e seu passado inteiro, a fim de mudar a história e desempenhar o papel de líder, provavelmente acabará numa instituição mental, a não ser que abrace, por vontade, sorte e habilidade, o movimento e o momento que podem inverter a ordem natural das coisas. Stálin foi um homem assim. O movimento foi o Partido Bolchevique; seu momento, a decadência da monarquia russa. Após a morte de Stálin, virou moda considerá-lo uma aberração, mas isso significava reescrever a história de modo tão grosseiro quanto o próprio Stálin fez. Seu sucesso não foi um acidente. Ninguém se ajustava mais às intrigas conspiratórias, às filigranas teóricas, ao dogmatismo homicida e à frieza desumana do partido de Lênin. É difícil encontrar uma síntese melhor entre um homem e um movimento que o casamento ideal de Stálin com o bolchevismo: ele era um espelho de suas virtudes e defeitos. Nádia estava excitada porque se vestia para uma festa. No dia anterior, na parada do Dia da Revolução, a dor de cabeça fora insuportável, mas ela agora estava alegre. Assim como o verdadeiro Stálin era diferente de sua personagem histórica, o mesmo acontecia com Nadejda Allilúieva. "Ela era muito bonita, mas não se vê isso nas fotografias", lembra Artiom Serguéiev. Ela não tinha uma beleza convencional. Quando sorria, seus olhos irradiavam honestidade e sinceridade, mas era também solene, distante e perturbada por males físicos e mentais. Sua frieza era periodicamente destruída por ataques de histeria e depressão. Sofria de ciúmes crônicos. Ao contrário de Stálin, que tinha a graça de um verdugo, ninguém lembra do senso de humor de Nádia. Ela era uma bolchevique, bem capaz de agir como informante do marido, denunciando seus inimigos. Era então o casamento de um ogro e uma ovelha, uma metáfora do tratamento que Stálin dava à Rússia? Somente na medida em que se tratava de um casamento bolchevique em todos os sentidos, típico da cultura peculiar que o gerou. Contudo, visto de outro ângulo, trata-se simplesmente da tragédia comum de um empedernido viciado em trabalho que não poderia ser um parceiro pior para sua esposa autocentrada e desequilibrada. A vida de Stálin parecia ser uma fusão perfeita de política e família bolchevique. Apesar da guerra brutal contra os camponeses e da crescente pressão sobre os líderes, aquele era um período de idílio feliz, uma vida de fins de semana no campo em datchas tranqüilas, jantares alegres no Kremlin e férias lânguidas às margens do mar Negro que os filhos de Stálin lembrariam como as mais felizes de suas vidas. As cartas de Stálin revelam um casamento difícil, mas amoroso:
"Olá, Tatska [...] sinto tanto a sua falta Tatotchka - estou solitário como um mocho", escreveu para Nádia, usando o apelido carinhoso dela, a 21 de junho de 1930. "Não vou sair da cidade a negócios. Estou só acabando meu trabalho e depois vou sair da cidade com as crianças amanhã. [...] Então adeus, não demore muito, volte para casa mais cedo! Beijos! Seu Ióssif." Nádia estava tratando de suas dores de cabeça em Carlsbad, Alemanha. Stálin sentia saudades dela e cuidava das crianças, como qualquer marido. Em outra ocasião, ela terminava uma carta assim: "Peço muito que cuide de você! Mando beijos apaixonados, tal como você me beijou quando nos despedimos! Sua Nádia". Nunca foi uma relação fácil. Ambos eram apaixonados e suscetíveis: suas brigas eram sempre dramáticas. Em 1926, ela levou os filhos para Leningrado, dizendo que o estava abandonando. Mas ele implorou que voltasse e ela voltou. Percebe-se que esse tipo de briga era freqüente, porém havia intervalos de um tipo de felicidade, embora não se devesse esperar aconchego nessa espécie de lar bolchevique. Stálin era amiúde agressivo e insultante, no entanto o que mais tornava difícil sua convivência era provavelmente seu distanciamento. Nádia era orgulhosa e severa, mas sempre doente. Se camaradas como Mólotov e Kaganóvitch achavam que ela estava à beira da "loucura", sua própria família admite que ela era "às vezes enlouquecida e demasiado sensível, todos os Allilúiev tinham sangue cigano instável". Os dois eram impossíveis de maneira parecida. Ambos eram egoístas, frios com temperamento fogoso, embora ela não tivesse nada da crueldade e duplicidade dele. Talvez fossem parecidos demais para ser felizes. Todas as testemunham concordam que a vida com Stálin "não era fácil, era uma vida dura". Não era um "casamento perfeito", disse Polina Mólotova à filha do casal Svetlana, "mas qual casamento o é?" Após 1929, eles ficavam freqüentemente separados, pois Stálin ia de férias para o sul no outono, quando Nádia ainda estava estudando. Não obstante, os tempos felizes eram cálidos e amorosos: suas cartas eram levadas e trazidas por mensageiros da polícia secreta e os bilhetes seguem-se com tal rapidez que parecem e-mails. Mesmo entre esses ascetas bolcheviques havia insinuações de sexo: os "beijos muito apaixonados" que ela relembrou na carta citada acima. Eles gostavam da companhia um do outro. Como vimos, ele sentia muitas saudades quando ela estava longe e Nádia também sentia a falta dele. "É muito chato sem você", escreveu ela. "Venha para cá e será gostoso ficarmos juntos." Eles compartilhavam Vassíli e Svetlana. "Conte alguma coisa sobre as crianças", escreveu Stálin do mar Negro. Quando ela está longe, ele relata: "As crianças estão bem. Não gosto da professora, ela anda correndo pelo lugar e deixa Vássia e Tolika [o filho adotivo Artiom] correr da manhã à noite. Tenho certeza de que Vaska vai mal nos estudos e quero que eles aprendam alemão". Muitas vezes, ela mandava junto com a carta os recados infantis de Svetlana. Compartilhavam suas preocupações com saúde como qualquer casal. Quando estava fazendo a cura nos banhos de Matsesta, perto de Sotchi, Stálin contou a ela: "Já tive dois banhos e terei dez [...]. Acho que ficarei seriamente melhor". "Como está sua saúde?", perguntou ela. "Tive um eco nos pulmões e uma tosse", respondeu ele. Seus dentes eram um problema perene: "Seus dentes, por favor, trate deles", disse Nádia. Quando ela foi fazer uma cura em Carlsbad, ele pediu preocupado: "Você visitou os médicos - conte-me a opinião deles!". Sentia falta dela, mas se o tratamento demorasse mais, ele compreendia.
Stálin não gostava de trocar de roupa e usava trajes de verão no inverno; ela então se preocupava: "Mando-lhe um sobretudo porque depois do sul você pode pegar um resfriado". Ele também mandava presentes para Nádia: "Estou lhe mandando alguns limões", escreveu ele, orgulhoso. "Você vai gostar deles." Esse jardineiro zeloso gostaria de cuidar de limoeiros até sua morte. Eles fofocavam sobre os amigos e camaradas que viam: "Ouvi dizer que Gorki [o romancista famoso] foi a Sotchi", escreveu ela. "Talvez esteja visitando você - que pena para mim. Ele tem uma conversa tão encantadora [...]". E, é claro, como uma criada bolchevique vivendo naquela minúscula família mais ampla de líderes e suas esposas, Nádia era quase tão obcecada por política quanto Stálin, passando adiante o que Mólotov ou Vorochílov lhe haviam contado. Mandava-lhe livros e ele agradecia, mas reclamava quando faltava um. Ela caçoava de Stálin devido à forma como ele aparecia na literatura dos russos brancos emigrados.
A modesta e austera Nádia não temia dar ordens. Repreendeu Poskrióbichev, o sombrio chefe de gabinete de Stálin, quando estava em férias, queixando-se de que "não recebemos nenhuma literatura estrangeira. Mas dizem que existem coisas novas boas. Talvez você converse com Iagoda [subchefe da gpu] [...]. Na última vez, recebemos livros muito desinteressantes [...]". Quando voltou das férias, mandou a Stálin as fotografias: "Só as boas - Mólotov não está engraçado?". Ele depois caçoou do absurdamente impassível Mólotov na frente de Churchill e Roosevelt. E mandou para Nádia fotografias das férias dele. Porém, no final dos anos 20, Nádia estava descontente do ponto de vista profissional. Queria ser uma mulher com carreira bolchevique séria por seus próprios méritos. No começo dos anos 20 datilografara para o marido, depois para Lênin e Sergo Ordjonikidze, outro dínamo georgiano, responsável agora pela Indústria Pesada. Depois foi para o Instituto Agrário Internacional, no Departamento de Agitação e Propaganda, onde, perdida nos arquivos, encontramos o trabalho diário da esposa de Stálin em toda a sua monotonia bolchevique: seu chefe pede a sua assistente, que se assina "N. Allilúieva", para cuidar da publicação de um artigo extremamente chato intitulado "Devemos estudar o movimento jovem na aldeia". "Não tenho absolutamente nada a ver com ninguém em Moscou", resmungava ela. "É estranho, mas me sinto mais próxima de gente que não é do Partido - mulheres, é claro. O motivo é que elas são de convivência mais fácil. [...] Há uma quantidade incrível de preconceitos novos. Se não trabalha, você é só uma baba! Ela tinha razão. As novas mulheres bolcheviques, como Polina Mólotova, eram políticas por seus próprios méritos. Essas feministas desprezavam as donas-de-casa e datilógrafas como Nádia. Mas Stálin não queria uma mulher desse tipo para ele: sua Nádia seria o que ele chamava uma "baba". Em 1929, Nádia decidiu se tornar uma mulher poderosa do partido e não saiu de férias com o marido, mas ficou em Moscou a fim de prestar exame para a Academia Industrial, onde estudaria fibras sintéticas, daí sua correspondência amorosa com Stálin. A educação era uma das grandes realizações bolcheviques e havia milhões como ela. Stálin queria realmente uma baba, mas apoiou a iniciativa de Nádia: por ironia, seus instintos talvez estivessem certos, pois ficou claro que ela não era suficientemente forte para ser estudante, mãe e esposa de Stálin ao mesmo tempo. Muitas vezes, ele terminava a carta assim: "Como vão os exames? Beijo minha Tatka!". A mulher de Mólotov tornou-se comissária do povo - e havia todos os motivos para que Nádia esperasse o mesmo. [...]
O JOVEM STÁLIN Simon Sebag Montefiore
Depois de ter revelado as minúcias do terror stalinista em Stálin: a corte do czar vermelho, Simon Sebag Montefiore mergulha agora no passado do ditador soviético e faz um relato fascinante de sua infância e juventude. Trata-se de um período sobre o qual Stálin sempre lançou cortinas de fumaça, dando informações contraditórias e enganadoras, suprimindo fatos e personagens e minimizando sua importância. As revelações extraordinárias de O jovem Stálin deixam claro por que o czar vermelho preferia esconder boa parte de seu passado pré-soviético. Com o fim da União Soviética, emergiu um tesouro de informações sobre a vida de Stálin anterior à Revolução - os segredos de suas origens, os infortúnios e sucessos de sua infância, os eventos extraordinários e a carreira ímpar de um jovem que foi seminarista brilhante, intelectual, poeta, agitador, assaltante, pirata, incendiário, assassino e mestre da conspiração e da fuga de prisões. É com base neste material desencavado de inúmeros arquivos, especialmente da Geórgia, e em conversas com descendentes (e até mesmo testemunhas da época) que Simon Sebag Montefiore traça um retrato vívido, complexo e surpreendente dos anos de formação daquele que viria a ser Stálin. "O retrato de Stálin que emerge destas paginas é mais completo, mais vivo, mais arrepiante e muito mais convincente do que todos os que o precederam." - New York Review of Books
TRECHO DA OBRA
Prólogo
O assalto ao banco
Às dez da manhã abafada de quarta-feira, 13 de junho de 1907, na fervilhante praça central de Tíflis, um vistoso e bigodudo capitão de cavalaria de culotes e botas, empunhando um grande sabre circassiano, realizava truques a cavalo, brincando com duas belas e bem vestidas garotas georgianas que giravam sombrinhas espalhafatosas - ao mesmo tempo que seguravam pistolas Mauser escondidas em suas vestes. Rapazes de aparência ordinária, vestidos com blusas claras de camponês e calças de estilo marinheiro, esperavam nas esquinas, acariciando revólveres e granadas escondidos. Na mal-afamada taberna Tiliputchúri, um bando de gângsteres fortemente armados ocupou o bar do porão e convidava alegremente os transeuntes a acompanhá-los na bebida. Todos eles aguardavam para executar a primeira proeza de Ióssif Djugachvíli, de 29 anos, mais tarde conhecido como Stálin, a chamar a atenção do mundo. Poucas pessoas de fora da gangue sabiam do plano daquele dia para um "número" criminoso-terrorista, mas Stálin trabalhara nele durante meses. Um homem que conhecia o plano em termos amplos era Vladímir Lênin, o líder do Partido Bolchevique, que estava escondido muito longe da Geórgia, numa casa de campo em Kuokola, Finlândia. Dias antes, tivesse acabado de proibir rigorosamente todas as "expropriações", o eufemismo para roubo de bancos. Mas as operações, assaltos e assassinatos de Stálin, sempre executados com atenção meticulosa aos detalhes e ao sigilo, haviam feito dele o "principal financiador do Centro Bolchevique". Os acontecimentos daquele dia fariam manchetes em todo o mundo, sacudiriam literalmente os alicerces de Tíflis e fragmentariam ainda mais os social-democratas em facções rivais: aquele dia iria ao mesmo tempo fazer a carreira de Stálin e quase arruiná-la - um divisor de águas em sua vida.
Na praça Ierevan, os vinte salteadores que compunham o núcleo da gangue de Stálin conhecida como "Drujina" assumiram posições, enquanto seus vigias observavam a avenida Golovinski, a elegante rua principal de Tíflis, depois do esplendor branco italianado do palácio do vice-rei. Eles esperavam o tropel de uma diligência e seu esquadrão de cossacos a galope. O capitão do exército com o sabre circassiano rodopiou seu cavalo antes de desmontar para um desfile pelo bulevar da moda. Todas as esquinas estavam guardadas por um cossaco ou um policial: as autoridades estavam a postos. Esperava-se alguma coisa desde janeiro. Os informantes e agentes da polícia secreta do czar, a Okhrana, e sua polícia política uniformizada, os gendarmes, haviam feito copiosos relatórios sobre as traquinagens clandestinas das gangues de revolucionários e criminosos. No lusco-fusco enevoado desse submundo, os universos dos bandidos e dos terroristas se haviam fundido e era difícil diferenciar boatos da verdade. Mas haviam escutado um "papo" sobre um "extraordinário" - como os especialistas em inteligência de hoje diriam - durante meses. Naquela manhã quente e úmida, a cor oriental de Tíflis (agora Tbilíssi, capital da República da Geórgia) mal parecia pertencer ao mesmo mundo da capital do czar, São Petersburgo, distante 1.600 quilômetros. As ruas mais antigas, sem água encanada ou eletricidade, subiam as encostas da Mtatsminda, a Montanha Sagrada, até ficarem impossivelmente escarpadas, cheias de casas tortuosamente pitorescas, vergadas com sacadas, entrelaçadas por velhas videiras. Tíflis era uma grande aldeia onde todos se conheciam.
Logo atrás do quartel-general militar, na elegante rua Freilinskaia, a um passo da praça, morava a esposa de Stálin, uma bela e jovem costureira georgiana chamada Kató Svanidze, e seu filho recém-nascido Iákov. Era um verdadeiro casamento de amor: apesar de seu temperamento sombrio, Stálin era devotado a Kató, que o admirava e compartilhava seu fervor revolucionário. Enquanto tomava sol com o bebê na sacada, seu marido estava prestes a dar a ela e à própria Tíflis um choque medonho. Essa cidade familiar era a capital do Cáucaso, o vice-reinado montanhoso e selvagem do czar, entre os mares Negro e Cáspio, um caldeirão de povos orgulhosos e arrebatados. A avenida Golovinski era quase parisiense em sua elegância. Teatros neoclássicos brancos, um teatro lírico em estilo mourisco, hotéis grandiosos e os palácios dos príncipes georgianos e barões do petróleo armênios enfileiravam-se na rua, mas, assim que se passava o quartel-general militar, a praça Ierevan se abria para um pot-pourri asiático. Ambulantes em trajes exóticos e barracas ofereciam o condimentado feijão lobio georgiano e tortas de queijo katchapúri quentes. Transportadores de água, vendedores ambulantes, batedores de carteira e carregadores faziam entregas, ou roubavam os bazares armênios e persas, cujos corredores se pareciam mais com uma feira levantina do que com uma cidade européia. Caravanas de camelos e burros, carregadas de sedas e especiarias da Pérsia e do Turquestão, frutas e odres de vinho do luxuriante interior georgiano, entravam pelos portões do caravançará. Jovens garçons e mensageiros serviam sua clientela de hóspedes e comensais, trazendo para dentro os sacos, desatrelando os camelos - e observando a praça. Com a abertura dos arquivos da Geórgia, sabemos agora que Stálin usava os meninos do caravançará para o serviço revolucionário de espionagem de rua e entrega de mensagens. Enquanto isso, em um dos recintos cavernosos do fundo do caravançará, os chefes da gangue levantavam o moral de seus homens, repassando o plano uma última vez. Stálin estava pessoalmente presente naquela manhã. As duas adolescentes de sombrinhas rodopiantes e revólveres carregados, Pátsia Goldava e Anneta Sulakvelidze, "de cabelos castanhos, esbeltas, com olhos negros que expressavam juventude", atravessaram afetadamente a praça para ficar diante do quartel-general militar, onde flertaram com oficiais russos, gendarmes de vistosos uniformes azuis, e cossacos de pernas arqueadas.
Tíflis era - e ainda é - uma cidade lânguida de pessoas que perambulam e param com freqüência para tomar uma taça de vinho nas muitas tabernas ao ar livre: se os exibidos e excitáveis georgianos se parecem com algum povo europeu, é com os italianos. Os homens georgianos e de outras regiões do Cáucaso, vestidos com sua tchokha tradicional - casacos longos e rodados com cartucheiras enfileiradas no peito -, pavoneavam-se pelas ruas, cantando em voz alta. As mulheres georgianas, com lenços pretos na cabeça, e as esposas dos oficiais russos, em trajes europeus, passeavam pelos jardins Púchkin, comprando gelados e sorvetes junto de persas e armênios, tchetchenos, abkhazes e judeus da montanha com roupas e chapéus de festa. Gangues de pivetes - kintos - observavam a multidão em busca de vítimas. Seminaristas adolescentes, com longas sobrepelizes brancas, eram escoltados por seus professores-padres barbudos ao sair do seminário do outro lado da rua, onde Stálin quase se tornara padre nove anos antes. Esse caleidoscópio do Ocidente e do Oriente, não eslavo, não russo e ferozmente caucasiano, foi o mundo em que Stálin se criou.
Depois de verificar a hora, Anneta e Pátsia assumiram novas posições em ambos os lados da praça. Na rua Palácio, a clientela suspeita da taberna Tiliputchúri - príncipes, cafetões, informantes e batedores de carteira - já bebia vinho da Geórgia e aguardente da Armênia, não longe da grandiosidade plutocrática do palácio do príncipe Sumbátov. Naquele exato momento, David Saguirachvíli, outro revolucionário que conhecia Stálin e alguns dos gângsteres, visitava um amigo que era dono de uma loja no andar superior da taberna e foi convidado a entrar pelo alegre bandoleiro Batchúa Kupriachvíli, que estava à porta e "imediatamente me ofereceu uma cadeira e um copo de vinho tinto, conforme o costume georgiano". David bebeu o vinho e estava para sair quando o capanga armado sugeriu "com refinada delicadeza" que ele ficasse dentro da taberna e "experimentasse mais petiscos e vinho". David se deu conta de que "eles estavam deixando as pessoas entrarem no restaurante, mas não as deixavam sair. Indivíduos armados guardavam a porta". Ao divisar o comboio que vinha a galope pelo bulevar, Pátsia Goldava, a morena esguia que estava à espreita, virou rapidamente a esquina para o jardim Púchkin, onde sacudiu seu jornal para Stepko Intskirvéli, que esperava junto ao portão. "Vamos nessa!", murmurou ele. Stepko fez um sinal com a cabeça para Anneta Sulakvelidze, que estava do outro lado da rua, junto à taberna, e ela fez um sinal chamando os outros do bar. Os capangas armados que estavam à porta acenaram para dentro. "A um sinal dado", Saguirachvíli viu os bandidos que estavam na taberna largarem suas bebidas, engatilharem suas pistolas e saírem, espalhando-se pela praça - jovens magros, definhados, de calças largas, que mal haviam comido durante semanas. Alguns eram gângsteres, outros eram criminosos, e outros, ainda, príncipes empobrecidos típicos da Geórgia, vindos de castelos sem telhado e sem muros das províncias. Embora suas façanhas fossem criminosas, eles não davam nenhuma importância ao dinheiro: eram devotados a Lênin, ao Partido e a seu chefe títere em Tíflis, Stálin.
"As funções de cada um de nós foram planejadas com antecedência", relembrou uma terceira garota da gangue, Alexandra Darakhvelidze, de apenas dezenove anos, amiga de Anneta e já veterana de uma farra de assaltos e tiroteios. Os gângsteres cobriram os policiais da praça - os gorodovói, conhecidos nas ruas como faraós. Dois homens ficaram de olho nos cossacos que estavam do lado de fora da Prefeitura; o resto seguiu para a esquina da rua Veliamínov e o bazar armênio, não longe do Banco do Estado. Alexandra Durakhvelidze, em suas memórias inéditas, relembrou que ficou guardando uma das esquinas com dois homens armados. Então Batchúa Kupriachvíli, fingindo ler despreocupadamente um jornal, divisou a distância a nuvem de poeira levantada pelos cascos dos cavalos. Eles estavam vindo! Batchúa enrolou seu jornal, preparado... O capitão da cavalaria com o sabre reluzente que estava passeando pela praça começou a advertir os transeuntes para que se afastassem, mas, como ninguém lhe dava atenção, saltou de volta para seu belo cavalo. Não se tratava de nenhum oficial, mas do ideal do beau sabreur e proscrito georgiano, meio cavaleiro, meio bandido. Era Kamó, de 25 anos, chefe da Drujina e, como Stálin disse, "um mestre do disfarce", capaz de se passar por um rico príncipe ou uma lavadeira camponesa. Movia-se rigidamente e seu olho esquerdo meio cego envesgava e se revirava: uma das bombas fabricadas por ele mesmo explodira em seu rosto algumas semanas antes. Ainda estava em recuperação.
Kamó "estava completamente fascinado" por Stálin, que o convertera ao marxismo. Eles haviam crescido juntos na violenta cidade de Góri, distante setenta quilômetros de Tíflis. Era um assaltante de bancos de audácia engenhosa, um Houdini das fugas de prisão, um simplório crédulo - e um praticante meio insano de violência psicopática. Intensa e sinistramente tranqüilo, com um esquisito "rosto sem brilho" e um olhar vazio, servia com entusiasmo ao seu senhor, implorando com freqüência a Stálin: "Deixe-me matá-lo para você!". Nenhuma proeza de horror macabro ou coragem bombástica estava fora do seu alcance: tempos depois enfiou a mão no peito aberto de um homem e arrancou seu coração. Durante toda a sua vida, o magnetismo desprendido de Stálin atrairia e conquistaria a devoção de psicopatas amorais e desenfreados. Seu assecla de infância Kamó e esses gângsteres foram os primeiros de uma longa lista. "Aqueles jovens seguiam Stálin de forma desinteressada [...] A admiração que tinham por ele lhe possibilitava impor-lhes uma disciplina férrea." Kamó visitava com freqüência a casa de Stálin, onde tomara emprestado o sabre do pai de Kató, explicando que ia "brincar de oficial dos cossacos". Até mesmo Lênin, aquele advogado fastidioso, criado como um fidalgo, ficou fascinado com o temerário Kamó, a quem chamava de seu "bandoleiro caucasiano". Na velhice, Stálin refletiu: "Kamó era uma pessoa realmente espantosa". O "capitão" Kamó virou seu cavalo na direção do bulevar e cruzou audaciosamente pelo comboio que vinha na direção oposta. Depois que o tiroteio começasse, vangloriou-se, a coisa toda "estaria terminada em três minutos". Os cossacos entraram a galope na praça Ierevan, dois à frente, dois atrás e um ao lado das duas diligências. Através da poeira, os gângsteres puderam perceber que o veículo transportava dois homens de sobrecasaca - o caixa do Banco do Estado Kurchúmov e o contador Golovnia - e dois soldados com rifles engatilhados, enquanto um segundo faeton estava cheio de policiais e soldados. No trovão dos cascos, demorou apenas segundos para que os carros e os cavaleiros atravessassem a praça, prontos para entrar na rua Sololaki, onde ficava o novo Banco do Estado: as estátuas de leões e deuses acima de sua porta representavam a prosperidade crescente do capitalismo russo. Batchúa deu o sinal abaixando o jornal, depois o jogou fora e sacou suas armas. Os gângsteres pegaram o que apelidavam de "maçãs" - poderosas granadas que haviam sido contrabandeadas para dentro de Tíflis por Anneta e Alexandra dentro de um grande sofá. Os homens armados e as garotas avançaram, puxaram os detonadores e jogaram quatro granadas que explodiram sob as diligências com um barulho ensurdecedor e uma força infernal que estripou os cavalos e espedaçou os soldados, espalhando vísceras e sangue pelas pedras do pavimento. Os bandoleiros sacaram suas pistolas Mauser e Browning e abriram fogo sobre os cossacos e os policiais da praça, que, pegos totalmente de surpresa, caíram feridos ou fugiram para se proteger. Mais de dez bombas explodiram. Testemunhas acharam que vinham de todas as direções, até mesmo dos telhados: mais tarde, foi dito que Stálin jogara a primeira bomba do teto da mansão do príncipe Sumbátov.
As diligências do banco pararam. Os transeuntes procuraram abrigo aos gritos. Alguns acharam que se tratava de um terremoto: a Montanha Sagrada estaria caindo sobre a cidade? "Ninguém sabia se o terrível tiroteio vinha de canhões ou da explosão de bombas", registrou o jornal georgiano Isari (Flecha). "O som causou pânico geral [...] quase em toda a cidade, as pessoas começaram a correr. Carruagens e carroças se afastaram a galope." Chaminés caíram dos edifícios; todas as vidraças foram estilhaçadas, até as do palácio do vice-rei. Kató Svanidze estava na sacada de sua casa cuidando do bebê de Stálin com a família "quando de repente ouvimos o som de bombas", relembrou sua irmã Sachikó. "Aterrorizadas, corremos para dentro da casa." Lá fora, em meio à fumaça amarela e ao caos, entre os corpos dos cavalos e os membros mutilados dos homens, alguma coisa dera errado.
Um cavalo atrelado à diligência da frente contorceu-se e, aos solavancos, voltou à vida. No momento em que os gângsteres correram para pegar os sacos de dinheiro que estavam na traseira da diligência, o cavalo se ergueu e disparou morro abaixo em direção ao bazar dos soldados, desaparecendo com o dinheiro que Stálin prometera a Lênin para a Revolução. [...]

1888 OUTONO DE TERROR NA LONDRES VITORIANA


Londres, 30 de agosto de 1888, por volta das 3h30 da manhã um carroceiro chamado Charles Cross a caminho do trabalho ao passar pela Travessa Buck – atualmente chamada Rua Durward – no bairro de Whitechapel, encontra uma mulher caída na calçada em frente ao estabelecimento Buck’s Row. A iluminação era feita por apenas um lampião no final da rua o que associado a típica neblina que tomava conta das ruas durante a madrugada impediu que o carroceiro enxergasse muitos detalhes. Aparentemente a mulher estava bêbada e havia desmaiado a caminho de casa. No exato momento em que Charles Cross observava a mulher um carregador, chamado Robert Paul, passou pela rua e viu Cross perto do que parecia ser o corpo de uma mulher. Paul se aproximou e viu que a mulher estava deitada de costas para o chão com as sais levantadas. Robert Cross pensou que a mulher estivesse morta, devido à palidez de sua face, mas Paul acreditava que estivesse apenas desfalecida. O rosto e as mãos da mulher estavam frias e os dois partiram, no sentido contrario a Brady Street, em busca de ajuda policial.
John Neil era o policial encarregado de fazer a ronda pelo local. Por volta das 3h15 ele havia passado em frente ao estabelecimento Buck’s Row, mas não havia encontrado nada que pudesse chamar sua atenção. As 3h45 ele retornou a Travessa Buck e encontrou o que parecia ser um corpo caído em frente ao Buck’s Row. Ao iluminar o local com sua lanterna a gás Neil viu uma cena grotesca: a mulher estava morta com os olhos arregalados e um terrível corte se estendia ao longo da garganta de uma orelha a outra. Neil fez sinal com sua lanterna para outro policial, chamado John Thain, que passava pela esquina na Travessa Buck com a Brady Street. Os dois analizaram a cena por alguns minutos e John Thain resolveu partir a procura do Dr. Llewellyn enquanto Neil permaneceu junto ao cadáver. Naquele momento Charles Cross e Robert Paul encontraram um policial, chamado Jonas Mizen, e alegaram ter encontrado uma mulher caída na calçada da travessa Buck. Quando Mizen chegou a Travessa Buck o guarda John Neil já estava junto ao corpo.
Por volta das 4h o Dr. Llewellyn, que era cirurgião, chegou a travessa Buck e confirmou o óbito. Havia pouco sangue no local – a roupa havia absorvido boa parte – e dois cortes profundos havia lesionado a traquéia e a goela da vitima. O segundo corte foi tão profundo que atingiu a vértebra. A hora da morte foi estipulada por volta das 3h30 – hora em que Charles Cross alegou ter encontrado o corpo. Cross explicou que o corpo da mulher já estava frio quando ele o encontrou – sugerindo que a hora da morte poderia ter sido um pouco antes da determinada por Llewellyn. O fato e que a baixa temperatura das ruas pode ter acelerado o resfriamento do corpo mascarando, portanto, a possível hora do óbito.
Nenhum morador alegou ter visto ou escutado algo. Devido a escuridão do local o corpo foi levado por uma ambulância ao necrotério próximo do asilo de pobre de Whitechapel localizado na rua Old Montague. Quando o corpo começou a ser analisando constatou-se um terrível corte que se estendia do esterno a região genital. O abdômen havia sido completamente retalhado por diversos cortes, mas nenhum órgão havia sido retirado. O Dr. Llewellyn, que realizou a autopsia relatou a imprensa: “Já vi muitos casos terríveis, mas nada tão brutal quanto isto.” De acordo com Llewellyn o rosto da vitima apresentava marcas semelhantes às ocasionadas por pressão dos dedos, o assassino devia ter um conhecimento superficial de anatomia e provavelmente era canhoto. Não foi encontrado sinais de violência sexual e nenhum vestígio de sêmem. A vitima foi identificada como Mary Ann Nichols, uma prostituta de 43 anos que atendia pelo nome de Polly. Nichols possuía os cabelos grisalhos, olhos castanhos e aparentava ser bem mais jovem que sua idade.
A imprensa imediatamente associou o ocorrido aos assassinatos de duas outras prostitutas nos arredores de Whitechapel: na madrugada de 3 de abril de 1888, Emma Smith, de quarenta e cinco anos, foi estuprada e roubada por jovens no bairro de Spitalfields. Devido a brutalidade dos estupradores a vitima morreria no dia seguinte no Hospital de Londres devido a uma peritonite. Em 7 de agosto, uma prostituta chamada Martha Tabram, foi encontrada morta, por volta das 3h30 nas escadarias de um cortiço da Rua Commercial, com trinta e nove golpes de faca distribuído por seu corpo. Na edição de 1º de setembro do Star a seguinte nota foi divulgada: “Será que temos um maníaco assassino no leste de Londres? Parece que sim.”
Devido à noticias na imprensa a Scotland Yard nomeou Frederick George Abberline para investigar as mortes. Vários albergues foram revistados e inúmeros moradores do local foram ouvidos, mas ninguém forneceu nenhuma prova acerca do assassino. Mary Ann Nichols havia sido à primeira vitima oficial do mais conhecido serial Killer da história.
COMO DIRIA JACK: “VAMOS POR PARTES!”
Quem teria sido o responsável pelos cinco assassinatos ocorridos entre 30 de agosto e 9 de novembro de 1888 no distrito de Whitechapel, uma região pobre do East End londrino? O mistério permanece indecifrável até os dias atuais intrigando criminalistas e apaixonados por literatura policial. O assassino que ficaria conhecido pelo nome de Jack, O estripador atuou numa região miserável da Londres vitoriana.
Naquele outono de 1888, cerca de 11 prostitutas foram encontradas assassinadas no East End, sendo que destas 5 foram vitimas do famoso estripador. Os corpos das cinco vitimas oficiais foram encontradas dentro de um limite Maximo de 1,5 quilômetros quadrados. Os assassinatos ocorreram sempre nas primeiras horas da madrugada e nos últimos dias da semana - entre quinta-feira e domingo. As vitimas eram mulheres pobres que ganhavam a vida como prostitutas e, portanto, eram mais vulneráveis considerando-se os locais e o horário em que trabalhavam.
A Revolução Industrial dotou a Inglaterra do mais desenvolvido capitalismo do século XIX. A burguesia floresceu sob o impulso da mecanização produtiva, pautada na maximização da produção em massa e da exploração do trabalho assalariado. Grandes cidades industriais como Manchester e Liverpool emergiram debaixo da densa névoa negra das chaminés das fabricas. O êxodo rural motivado pela miséria no campo, em função da perda de equilíbrio entre a relação agricultura e meio urbano, aumentou a miséria das grandes cidades abarrotadas por desempregados que sonhavam melhorar de vida. Londres era a maior metrópole da Europa e o retrato vivo da miséria urbana.
Londres era praticamente dividida em duas: a região do West End concentrava as regiões residências e comerciais da capital. Suas ruas eram percorridas por homens de negócios com trajes elegantes e usando as famosas cartolas que imortalizaram o estilo burguês do século XIX. Na outra margem do Tamisa a realidade era bem diferente. A região conhecida como East End estava abarrotada de indústrias têxteis, navais, curtumes de peles e matadouros. Centenas de cortiços em péssimas condições estavam espalhadas pela região que abrigava uma população de 900 mil pessoas. Cerca de 55% das crianças nascidas no East End morriam antes de completar cinco anos de idade. A região era habitada por indigentes, mendigos, prostitutas e imigrantes. As ruas eram estreitas, pouco iluminadas, cobertas de imundice e carentes de qualquer serviço sanitário. Os prédios possuíam uma coloração escura, devido a poluição das fabricas, e o chão das ruas era coberto por uma camada negra pegajosa que lembrava a graxa de sapato.
Centenas de Pubs – os típicos bares londrinos - se estendia pela região, mas a prostituição era a ocupação mais comum. Segundo registros oficiais da época havia cerca de 1200 prostitutas espalhadas pelos 62 bordeis da região do East End. Grande parte da população feminina era obrigada a se prostituir para sobreviver em meio a miséria. O sexo era praticado de pé no meio da rua, em quintais ou becos pouco iluminados, pois dessa forma as mulheres ganhavam mais tempo para novos clientes e não precisavam gastar com o aluguel de quartos. A maioria não tinha endereço fixo e recorria ao típicos albergues imundos da região. O aluguel de um quarto por uma única noite custava cinco pennies, cada prostituta costumava cobrar 3 pennies (o preço de um pão) por um programa, que em geral não durava mais que alguns minutos. Boa parte das mulheres recorria ao álcool como meio de fuga da realidade deplorável. O gim era consumido com generosidade pelas prostitutas e também por seus clientes, que não maioria dos casos estavam tão bêbados que não conseguiam consumar o “ato”.
O policiamento da cidade de Londres era bastante ineficiente: havia 15 mil policiais para garantir a segurança da maior cidade do mundo na época. Eles percorriam as ruas armados apenas com um cassetete e uma lanterna a gás. Os lampiões eram escassos nos bairros mais pobres, na maioria dos casos havia apenas um por rua. Dados estáticos revelam que havia um único policial para cada dez quilômetros de ruas e para cada 4 mil londrinos.
UM POLICIAL MEDE A LARGURA DE UM DOS BECOS DO WHITCHAPEL
Num comportamento tipicamente Malthusiano a Igreja Anglicana ignorava a região do East End e atribui a proliferação da miséria as esmolas doadas aos pobres. Samuel Barnett, vigário da igreja de São Judas, em Whitechapel, era famoso por suas pregações pouco altruístas: “A solução segundo o reverendo, seria que eles ajudassem a si próprios administrando melhor o seu dinheiro, opinião no mínimo curiosa, em se tratando de pessoas que mal ganhavam o suficiente para comer.” – escreveu Paulo Schmidt, autor da obra “Jack o estripador, a verdadeira historia 120 depois”. Seria nesse deplorável ambiente, fruto do “progresso” urbano, que um dos mais cruéis assassinos em serie, talvez o mais clássico deles, deixaria sua marca na historia do século XIX
SABADO – 8 DE SETEMBRO DE 1888
Anne Chapman, nascida Smith, era filha de um militar. Teve três filhos, provenientes do seu casamento em 1869 com um cocheiro chamado John Chapman. O filho mais novo era paralitico e a filha mais velharia morreu de meningite com apenas doze anos de idade. Em 1874 o casamento chegou ao fim. Uma das filhas ficou com o pai e a filha paralitica foi mandada para uma instituição de caridade. Durante certo período Anne sobreviveu com a pensão de dez xelins recebida de seu marido toda semana, porem em 1886 John Chapman faleceu devido a uma cirrose e Anne teve que se arranjar sozinha.
A prostituição não lhe parecia um caminho muito vantajoso, pois era considerada gorda, tinha apenas 1,52m de altura, nariz grosso, cabelos escuros, lhe faltavam dois dentes e sofria com uma tuberculose em estado avançado. Em maio de 1888, com 45 anos de idade, Annie se mudou para o albergue Crossingham, localizado na Rua Dorset; cuja capacidade era de trezentas pessoas. Ela passou a se prostituir ganhando o apelido de “Dark Annie”. Depois de passar um curto período internada em uma enfermaria para se tratar da tuberculose, Anne retornou ao albergue no dia 8 de setembro.
Por volta das 1h30 da madrugada o zelador do local, chamado Timothy Donavan, encontrou Annie comendo batatas na cozinha e lhe cobrou o aluguel atrasado. Depois de um discussão, Annie pediu para que o leito 29 – na qual tinha costume de alugar – fosse reservado. Ela saiu às ruas prometendo retornar com o valor do aluguel. Poucas horas mais tarde ela seria encontrada morta em um quintal a menos de 300 metros do albergue.
Por volta das 5h30 Annie Chapman foi vista por uma mulher, chamada Elizabeth Long, na Rua Hanbury em frente ao numero 29 conversando com um homem, que aparentava ter mais de 40 anos, cerca de 1,67m de altura e usando um chapéu Deerstalker. Segundo a testemunha o rosto do homem não lhe era familiar e a escuridão da rua a impediu de ver maiores detalhes. Ao passar pelos dois Elizabeth conseguiu escutar apenas um curto fragmento da conversa:
“Você vai?” – perguntou o homem. “Sim” – respondeu Annie.
Elizabeth Long foi à última pessoa a ver Anne Chapman com vida.
Por volta das seis horas da manhã um carroceiro chamado John Davis, retornando do mercado, entrou em um quintal no número 29 da Rua Hanbury para urinar – uma pratica comum na época. Assim que abril a porta Davis Encontrou uma mulher caída ao lado da cerca de madeira. As pernas estavam abertas, a garganta cortada, a saia estava erguida expondo o abdômen violentamente retalhado. Os intestinos da vitima aviam sido colocados sobre o ombro esquerdo.
A ESQUERDA ENTRADA DO QUINTAL NO NUMERO 29 DA RUA HANBURY, A DIREITA O QUINTAL ONDE ANNE CHAPMAN FOI ENCONTRADA MORTA
O cirurgião Dr. George Bagster Phillips, com 23 anos de experiência como cirurgião a serviço da policia, examinou o corpo por volta das 6h30. A hora do óbito foi calculada por volta das 4h. O frio parece ter esfriado o cadáver mais rapidamente, pois de acordo com o testemunho de Elizabeth Long a vitima ainda estava viva por volta das 5h30 da manhã. Não havia sinais de luta corporal e o assassinato provavelmente foi cometido no mesmo local. Alguns pertences da vitima foram cuidadosamente colocados ao redor dos seus pés pelo assassino e dois anéis de latão parecem ter sido levados. O quintal parecia ser um local muito utilizado pelas prostitutas à noite.
O Dr. George Bagster Phillips alegou em seu relatório que o assassino provavelmente asfixiou a vitima e posteriormente cortou sua garganta. Havia dois cortes ao longo do pescoço – ambos haviam atingido a vértebra – realizados por uma faca muito afiada de 15 a 20 centímetros no mínimo. O relatório do medico dizia:
“O abdômen havia sido totalmente aberto. Os intestinos, amputados de seus ligamentos mesentéricos, foram erguidos para fora do corpo e colocados sobre o ombro do cadáver, ao passo que o útero e seus apêndices, bem como a porção superior da vagina e os dois terços posteriores da bexiga, foram inteiramente removidos da pélvis. Nenhum vestígio dessas partes foi encontrado.”
De acordo com o medico o assassino tinha profundo conhecimento de anatomia, pois “as incisões haviam sido muito precisas, evitando o reto e dividindo a vagina baixo o bastante para evitar dano ao colo do útero.” A policia imediatamente começou a interrogar os moradores. Um homem chamado Albert Cadosch, carpinteiro, alegou ter se dirigido ao quintal por volta da hora do assassinato para usar a privada externa. Em seu depoimento a policia ele alegou ter ouvido uma voz atrás da cerca de madeira seguida de um som que parecia ser de algo sendo jogado ao chão. A cerca tinha 1,67m de altura e provavelmente Albert Cadosch poderia ter visto o assassinato se ousasse espiar por sobre a cerca, o que lamentavelmente ele não fez.
A morte de Annie Chapman chocou o East End. A população ficou apavorada com as noticias de um assassino a solta. As mulheres começaram a percorrer as ruas armadas com facas e navalhas para se protegerem. A policia estava estagnada a espera de indícios, pois a cena do crime pouco podia fornecer em termos de provas. Impressões digitais ainda não eram utilizadas nas investigações e a análise de laboratório ainda era tão primitiva que o sangue humano ainda não podia ser diferenciado do sangue animal.
No dia 27 de setembro uma carta endereçada a policia chegou a Agencia Central dos Correios. O autor era supostamente o assassino. O conteúdo da carta dizia o seguinte:
25 de setembro de 1888
Cara Chefia
Eu fico ouvindo que a policia me pegou, mas não me prenderam ainda. Dei risada com eles parecendo tão sabidos e dizendo que estavam no caminho certo. Aquela piada sobre o avental de couro me fez gargalhar. Estou na cola das putas e não vou parar de estripá-las ate me prenderem. Belo serviço foi o ultimo, nem dei a mulher dama tempo para gritar. Quero ver me pegarem agora. Adoro meu trabalho e quero começar de novo. Em breve vocês ouviram falar de mim e das minhas travessuras. Guardei um pouco do troço vermelho numa garrafa de cerveja depois do ultimo serviço, para escrever, mas ficou grosso que nem cola e não posso usar. Espero que a tinta vermelha quebre o galho, há-há. No próximo serviço vou cortar as orelhas da mulher-dama e mandar para os policiais só de gozação que tal. Guarde esta carta até eu trabalhar mais um pouco, depois passe adiante. Minha faca e bacana e afiada, quero trabalhar sem parar se tiver chance.
Boa sorte
Atenciosamente
Jack, o Estripador
Inicialmente a policia considerou que a carta era falsa, provavelmente alguém da imprensa querendo alarmar a situação. Somente três dias depois, quando o assassino matasse duas mulheres em uma única noite e de fato cortasse o lobo da orelha de uma delas, a carta foi considerada como potencialmente verdadeira.
O duplo assassinato ocorrido em 30 de setembro cercaria a figura de Jack por uma áurea de misticismo. Alguns passaram a considerá-lo um fantasma, outros mais céticos diziam apenas se tratar de alguém muito astucioso e ágil. De acordo com Paulo Schmidt: “Essa fama de assassino invisível ficou ainda maior quando Jack cometeu seus dois assassinatos seguintes no meio da rua, em menos de uma hora, e desapareceu sem ser visto por viva alma.”
30 DE SETEMBRO DE 1888
Nascida em 1843, Elizabeth Gustafsdotter – conhecida como Liz Stride – era de origem sueca e oriunda de uma família de camponeses. Em 1866 ela havia se mudado para a Inglaterra onde trabalhou como fiandeira e se casou com John Stride, um carpinteiro, com o qual teve nove filhos. Pouco se sabe sobre a vida de Liz Stride do período anterior a 1888. Após a morte do marido ela passou a habitar albergues, onde teria ganhado o apelido de Long Liz, apesar de possuir apenas 1,57m de altura. No dia 25 de setembro de 1888 ela se mudou para um albergue na Rua Flower and Dean, região do East End. Ela havia terminado um conturbado relacionamento de cerca de 3 anos como Michael Kidney, que de acordo com os registros da policia havia sido acusado pela própria Liz de agressão.
No dia 30 de setembro de 1888, Liz foi vista saindo do pub Bricklayer’s por volta das 23h. Segundo as testemunhas ela estava abraçada com um homem de bigode preto, 1,65m de altura aproximadamente, usando um chapéu-coco e um paletó preto. Um homem chamado Willian Marshall teria visto Liz em frente ao número 58 da Rua Berner, por volta das 23h45, com um homem usando um casaco preto, calças escuras e um boné. O sujeito não aparentava ser muito velho, era razoavelmente corpulento, tinha aproximadamente 1,67m e parecia ser um funcionário de escritório. Havia apenas um lampião a gás na rua e Willian Marshall não conseguiu enxergar com clareza o seu rosto.
Entre as 00h30 e 00h35 um policial, chamado Willian Smith, viu Liz na rua conversando com um homem a poucos metros do local onde seria encontrada morta. Smith reconheceria o rosto de Liz poucas horas depois no necrotério e também conseguiu descrever o homem que estava em sua companhia:
“Ele tinha na mão uma pacote embrulhado em jornal. O pacote media mais ou menos 45 centímetros de comprimento por 15 ou 20 de largura. (...) Ele media cerca de 1,70m(.. ) usava um chapéu deerstalker de feltro escuro (...) as roupas dele eram escuras. O casaco era um fraque.”
Outras testemunhas alegaram ter visto Liz naquela noite, mas seus depoimentos são pouco confiáveis embora à descrição do sujeito que acompanhava a vitima fosse compatível com os outros.
Era por volta de 1h da manhã quando Louis Diemschutz, um comerciante de bijuterias russo, chegou ao numero 42 da Rua Berner – ele morava no número 40, mas utilizava o estreito pátio do numero 42 para descarregar a carroça que transportava sua mercadoria. O portão estava aberto, mas não havia aparentemente nada de anormal no local. Quando tentou entrar no pátio o pônei de Diemschutz empacou na porta de forma incomum. Como estava muito escuro o homem não conseguiu entender o comportamento do animal. Ao descer da carroça e acender um fósforo ele se deparou com uma mulher deitada, mas não conseguiu ver se estava morta ou bêbada.
Ele imediatamente foi ao Clube de Trabalhadores ao lado do pátio e pediu ajuda. Algumas pessoas chegaram trazendo velas para iluminar o local e constataram que a mulher estava deitada em uma poça de sangue com a garganta cortada, as roupas sujas de lama e molhadas pela chuva. O corpo ainda estava quente. Diemschutz provavelmente interrompeu o assassino ao chegar ao pátio e por pouco não testemunhou o ato. A vitima não apresentava sinais de luta corporal e seu abdômen não havia sido aberto – mais um indício de que o assassino teria sido interrompido durante o assassinato.
ENTRADA DO PATIO NA RUA BERNER (Dutfield's yard)
A policial chegou rapidamente ao local e selou o pátio, o que aumentou ainda mais o numero de curiosos. O Dr. Blackwell examinou a vitima, cujo corpo foi levado para o necrotério da alameda Golden. Na mão esquerda da mulher havia uma caixa de pastilhas para o hálito. A autopsia revelou um corte no pescoço semelhante ao das outras duas vitimas. No seu estomago não havia sinais de que ela havia comido uva o que desacreditou o testemunho de Matthew Packer- um vendedor de frutas que alegou ter visto Liz naquela noite com um homem que teria comprado uva em sua barraca para os dois.
O local do assassinato estava abarrotado de policiais tentando entender o crime. Todos os presentes no Clube Trabalhista fora revistados assim como todas as casas da Rua Berner. A investigação ainda prosseguia quando por volta da 1h45 da manhã chegaram noticias de que uma segunda mulher havia acabado de ser encontrada morta na Praça Mitre, cerca de 1,5 quilometro do local de onde Liz havia sido morta.
A Praça Mitre ficava na área pertencente à chamada City, uma região de apenas 1,6 quilômetros quadrados, com serviços municipais e policiamento próprio. A policia da pequena City era mais preparada que a Policia Metropolitana sendo a região, teoricamente, mais segura. Mesmo assim o local não escapou da atuação do assassino. O corpo foi encontrado por um policial chamado Edward Watkins. Em seu depoimento esta registrado:
“Passei pelo local a 1h30, mas nada havia naquele canto então. Passei lá de novo a 1h45, e, entrando na Praça Mitre do lado direito vi o corpo diante de mim. As roupas estava arregaçadas até o peito, e o abdome todo descoberto, com um talho medonho que se estendia da pélvis até o peito. Ao examinar o corpo encontrei as entranhas decepadas e colocadas ao redor da garganta, a qual ostentava um horrendo talho, que ia de orelha a orelha. Na verdade a cabeça estava quase separada do corpo. Havia sangue por toda a parte. (...) não sei dizer se uma orelha foi cortada fora. O assassino enfiou a faca bem abaixo do olho esquerdo, e arrastando-a ate abaixo do nariz completamente para fora do rosto (...) O nariz foi colocado sobre a bochecha. (...) por pouco não desmaiei.”
Aterrorizado, Watkins correu até o outro lado da praça e entrou no armazém Kearley e Tonge, onde pediu ajuda do vigia George Morris, um ex-policial:
- Pelo amor de Deus, homem – disse Watkins – venha me ajudar. - O que aconteceu? – perguntou Morris - Mais uma mulher foi cortada em pedaços!
Watkins permaneceu junto ao cadáver enquanto Morris avisou a Policia Municipal. Rapidamente uma multidão de policiais apareceu. As 2h o Dr. George Willian Sequeira, o medico da região, chegou ao local do crime. Segundo Sequeira a morte havia acontecido a não mais que 15 minutos. O cirurgião Dr. Frederick Gordon Brown chegou por volta das 2h18. Ao ver o corpo ele também estipulou à hora da morte há ultima meia hora.
LOCAL ONDE KATE EDDOWES FOI ENCONTRADA
A brutalidade dos ferimentos impressionou a todos. A mulher havia sido estripada ao longo de todo o abdômen e os intestinos colocados ao lado do ombro direito. Parte do lóbulo da orelha direita da vitima fora cortado – o que fez a carta enviada dias antes passar de improvável para relevante. O corpo foi levado para o necrotério da alameda Golden, o mesmo para onde havia sido levado o corpo de Liz Stride. O local onde a vitima foi encontrada - muito utilizada pelas prostitutas - bem como suas roupas indicavam a natureza do seu oficio, mas sua identidade ainda era um mistério. Segundo os médicos a vitima foi primeiramente estrangulada sendo em seguida deitada ao chão onde teve sua garganta cortada entes de ser eviscerada. A autópsia revelou que a causa da morte fora devido à perda de sangue pelo rompimento da artéria carótida. O útero e o rim esquerdo foram removidos e levados pelo assassino. Os sinais do estado avançado de doença de Bright foram constatados no rim direito da vitima. Nenhum vestígio de sêmem foi encontrado. O Dr. Phillips foi o único dos médicos presentes na autópsia a sustentar a opinião de que o assassino parecia não ter nenhum conhecimento de anatomia devido a natureza dos ferimentos.
Na Praça Mitre as investigações prosseguiam. Ninguém, nem mesmo um segundo policial que estava de serviço nas imediações da praça escutaram um único ruído, embora as ruas estivessem imersas em um silencio sepulcral. Pelo menos quatro policiais estavam nos arredores da praça no exato momento do assassinato e nenhum deles viu ou ouviu sequer um ruído. Um pedaço do avental da roupa da morta havia sido levado pelo assassino e cerca de 1h depois do crime o pedaço de pano ensangüentado foi encontrado por um policial na porta de uma casa da Rua Goulston – a menos de dez minutos a pé da Praça Mitre. O trapo estava em frente ao número 108-119, ao lado de uma parede com uma inscrição rabiscada em giz que dizia: “The Juwes are the men that will not be blamed for nothing.”
A policia temendo que o assassino fosse associado a um judeu apagou a inscrição antes que a mesma fosse fotografada. Somente dois dias depois um homem chamado John Kelly se apresentou a delegacia da Rua Bishopsgate dizendo saber à identidade da mulher encontrada na Praça Mitre. Ao ler nos jornais a descrição dos pertences encontrados junto ao corpo ele reconheceu sua companheira. O nome da vitima era Kate Eddowes, uma prostituta de 46 anos de idade que havia se mudado para Londres em 1880. Kate era morena, tinha 1,52m, magra e aparentava ser mais nova que sua idade. Kate havia sido presa no mesmo dia de sua morte: por volta das 20h30 ela foi encontrada bêbada provocando um escândalo na Rua Aldgate High. Dois policiais a conduziram até a delegacia da Rua Bishopsgate onde adormeceu dentro de uma cela. Por volta das 1h da manhã ela foi liberada, pois o efeito do álcool aparentemente havia passado. O guarda chamado George Hutt que estava na delegacia alegou mais tarde que ao liberar Kate ela teria lhe perguntado:
- Que horas são? - Tarde demais para você conseguir algo para beber – respondeu Hutt
Kate saiu da delegacia e seguiu em direção a Rua Aldgate High. Joseph Lawend e mais dois amigos alegaram ter visto Kate a 1h35 na Rua Duke, a oito minutos da Praça Mitre, conversando com um homem que aparentava ter trinta anos, 1,70m de altura, pele clara e com um lenço vermelho ao redor do pescoço. Ninguém parece ter visto Kate Eddowes viva depois dessa hora.
JORNAIS E REVISTAS DO PERIODO ANUNCIAM OS CRIMES DO ESTRIPADOR
O duplo assassinato espalhou o pânico. As noticias dos crimes ocuparam as manchetes de todo o mundo. Os moradores de Whitchapel foram tomados de um pavor cuja paranóia foi o sentimento mais lógico. Algumas pessoas chegaram a cometer suicídio. Setenta e seis açougueiros foram interrogados pela policia. Estrangeiros e trabalhadores das fabricas também foram interrogados. 1600 pastas de papeis foram reunidas, entre testemunhos e relatórios. Era a primeira vez que a policia de Londres se deparava com tamanha tarefa. Oitenta mil cartões foram distribuídos pela Scotland Yard com a mensagem:
AVISO DA POLICIA
AO MORADOR
Nas manhãs de sexta-feira, 31 de agosto, sábado, dia 8, e domingo, dia 30 de setembro de 1888, mulheres foram assassinadas em ou perto de Whitechapel, supostamente por alguém residente na vizinhança. Caso conheça alguma pessoa passível de suspeita, V.sa está encarecidamente solicitada a contatar de imediato a delegacia de policia mais próxima.
POLICIA METROPOLITANA, 30 de setembro de 1888
Uma chuva de cartas foram encaminhadas a policia, mas no dia 16 de outubro o Presidente do Comitê de Vigilância de Whitechapel, chamado George Lusk, recebeu um pacote cujo remetente dizia “From Hell” – “Do Inferno”. Dentro da pequena caixa havia a metade de um rim humano – que acreditou ser de Kate Eddowes por apresentar os mesmos sinais avançados da doença de Brigth. Médicos analisaram o órgão e constataram ser de fato um rim humano conservado no álcool. Junto um bilhete, supostamente escrito pelo assassino, dizia que a outra metade do rim havia sido “fritado e comido”. A caligrafia da carta sugeria alguém com pouca familiaridade com as letras e provavelmente alcoólatra.
Os crimes agitaram toda a cidade de Londres. Pela primeira vez em sua historia a Scotland Yard começou a adotar métodos de investigação que se tornariam comum nos séculos seguintes. Foi a primeira vez que corpos foram fotografados com objetivos forenses (devido ao tipo de câmera desajeitada da época os corpos nos necrotérios tiveram de ser presos numa parede e fotografados de pé). Na foto do corpo de Kate Eddowes essa pratica está bastante evidente. Foi a primeira vez que a policia percorreu casas interrogando pessoas e pela primeira vez a imprensa teve papel relevante na investigação de um crime. Apesar das mortes brutais dos dias anteriores o pior ainda estava por vir.
9 DE NOVEMBRO DE 1888 (SEXTA-FEIRA)
Mary Jane Kelly era uma irlandesa que havia se mudado para Londres em 1884. Tinha um corpo robusto, 1,70m, olhos azuis e um cabelo Cor de gengibre que se estendia até a cintura. Em 1888 ela tinha apenas 25 anos e ficaria conhecida por ser a vitima do mais terrível crime do século XIX.
Uma mulher chamada Mary Ann Cox, vizinha de Mary Jane Kelly e também prostituta, alegou ter visto a mesma por volta das 23h45 na Rua Dorset ao lado de um homem, que aparentava ter 36 anos, corpulento e por volta de 1,65m. O homem usava um longo sobretudo escuro e um chapéu-coco. Cox passou em frente aos dois e deu boa noite a Kelly que retribuiu dizendo:
- “Boa noite, vou cantar uma canção.”
Logo em seguida entrou no quarto com o homem. Cox alegou ter escutado Mary Jane cantar uma musica irlandesa chamada “A Violet from Mother’s” até por volta da 1h da manha. Naquela hora Mary Ann Cox, que havia saído para o beco Miller meia hora antes, retornou para casa pois havia começado a chover. Ela alegou ter visto uma luz acessa no quarto de Kelly. As 2h da manhã um homem chamado George Hutchinson alegou ter visto Mary Jane Kelly na Rua Commercial. Segundo Hutchinson a mulher teria lhe pedido dinheiro emprestado, mas como sua resposta foi negativa ela simplesmente disse:
- “Tenha um bom dia. Preciso conseguir algum dinheiro.”
Ela seguiu na direção da Rua Thrawl quando foi abordado por um homem, que segurava um pacote de cerca de 20 centímetros na mão direita, usava luvas marrons e um chapéu escuro. Só havia um lampião na rua e Hutchinson não conseguiu ver direito o rosto do homem, que abaixou a cabeça quando ambos passaram na sua frente. Os dois seguiram até o beco Miller onde ficaram conversando por cerca de três minutos. Hutchinson seguiu o casal e conseguiu escutar Mary Jane Kelly dizer:
- “Está bem querido, venha; você ficará confortável.”
Logo em seguida eles entraram no quarto numero 13. Hutchinson esperou por cerca de 45 minutos na entrada do beco Miller, como Mary Jane não retornou e não havia luz na janela do quarto ele se retirou as 3h da manha, no exato momento em que as badaladas do relógio local anunciavam a hora; ele seria a última pessoa a ver Mary Jane com vida.
As 7h30 da manhã, Catherine Pickell, uma florista que morava na Rua Dorset, foi ao quarto de Mary Jane pedir um xale emprestado. Segundo seu relato ela bateu a porta, mas ninguém atendeu. As 10h45 o dono do beco Miller, chamado John Carthy, mandou um empregado cobrar os dois meses de aluguel atrasado de Mary Jane. O empregado chamado Thomas Bowyer bateu a porta do numero 13, mas também não obteve resposta. Ele notou um pequeno buraco no vidro da janela tapado com um pedaço de pano; quando removeu o trapo viu no interior do quarto um cadáver completamente retalhado sobre a cama e dois pedaços de carne sobre o criado-mudo.
NUMERO 13 DO BECO MILLER - RESIDENCIA DE MARY JANE KELLY
As 11h30 a policia já havia chegado ao beco Miller. O inspetor Abberline não permitiu que ninguém entrasse no local até que os cães farejadores fossem trazidos. Somente as 13h30, depois de chegar a noticia de que os cães não seriam enviados, a porta do quarto foi finalmente aberta. Imediatamente um odor terrível tomou conta do beco e vários policiais começara a vomitar. “O que vi diante de mim é algo que nunca conseguirei apagar da minha memória. Parecia mais a obra de um diabo do que de um homem. (...) nunca esperei ter uma visão como aquela.” – Declarou um dos policiais que abriu a porta.
O corpo de uma mulher usando camisola estava sobre a cama encharcada de sangue. Vários pedaços de carne estavam espalhado pelo recinto. O relatório da policia deixa bem claro o nível de horror da cena do crime:
“Toda a superfície do abdome e das coxas foi removida, e a cavidade abdominal esvaziada de suas vísceras. Os seios foram amputados, os braços mutilados por muitos ferimentos, e a face retalhada alem de qualquer reconhecimento das feições. Os tecidos do pescoço estavam secionados em toda a extensão até o osso. As vísceras foram encontradas em diversos lugares; o útero, os rins e um seio debaixo da cabeça, o outro seio ao lado do pé direito, o fígado entre os pés, os intestinos à direita do corpo, e o baço à esquerda. Os pedaços removidos do abdome e das coxas estavam sobre uma mesa. A roupa de cama estava saturada de sangue, e sobre o chão abaixo da cama havia uma poça de sangue com quase dois metros quadrados. A parede do lado direito da cama, na altura do pescoço, estava manchada de sangue, que havia atingido em diversos jatos separados.”
O quarto era pequeno e pouco mobiliado. A autópsia realizada ainda pela manhã foi dificultada pela rigidez cadavérica já acentuada do corpo. O exame encontrou restou de alimento não digerido no estomago e foi notada a ausência do coração na cavidade pericárdica – provavelmente o órgão foi levado pelo assassino. Devido aos vestígios de refeição não digerida no estomago e da rigidez cadavérica a hora da morte foi determinada por volta das 2h da manha- segundo o Dr.Bond. O Dr. Phillips calculou a hora da morte por volta das 6h da manha, alegando que devido ao estado do corpo e da imensa perda de sangue o mesmo poderia ter se resfriado mais rapidamente. Os ferimentos no cadáver parecem ter sido causados pela mesma arma dos crimes anteriores: uma faca afiada com 2,5 centímetros de largura e 15cm de comprimento. Nenhuma pista do assassino foi encontrada, apesar dos esforços da policia que chegou a oferecer indultos a cúmplices do assassino que o denunciassem. O inquérito sobre a morte de Mary Kelly foi encerrado em 12 de novembro. No dia 19 seu corpo foi sepultado no cemitério de Leytonstone. Mary Jane Kelly havia sido a última vitima do misterioso assassino de Whitchapel. O outono do terror havia chegado ao fim e a lenda “Jack o estripador” nascia como um dos casos mais intrigantes da literatura policial.
MAPA MOSTRANDO O LOCAL ONDE AS VITIMAS FORAM ENCONTRADAS
Depois do terrível assassinato de Mary Jane Kelly os assassinatos se interromperam misteriosamente. Todos os cinco casos foram arquivados devido a falta de provas. No final da pagina do relatório final de cada uma das vitimas está escrito: “Assassinato premeditado cometido por pessoa ou pessoas desconhecidas”. Centenas de suspeitos, entre os quais estava Arthur Conan Doyle (autor de Sherlock Holmes), o príncipe Alberto Vitor (neto da rainha Vitoria) e Lewis Carroll (o celebre autor de Alice no pais das maravilhas). Milhares de teorias envolvendo a Família Real britânica surgiram. Uma delas sugeria que o próprio príncipe Alberto cometera os crimes por vingança depois de contrair sífilis de uma prostituta. Alberto possuía apenas 23 anos de idade da época, sendo incompatível com a descrição das testemunhas, e existem registros que comprovam que o mesmo não estava em Londres na época dos crimes.
O pintor Walter Sickert esteve em destaque depois da publicação da obra “Retrato de um assassino: Jack o estripador caso encerrado” da americana Patricia Cornwell. Cornwell gastou uma fortuna com testes forenses tentando provar a identidade do assassino. Graças à saliva encontrada em uma das cartas do pintor ela conseguiu realizar um teste com DNA mitocondrial – que ao contrario do DNA nuclear é transmitido apenas pela mãe não sendo, portanto exclusivo. “Não há como saber a quem pertence o DNA encontrado nas amostras que Cornwell examinou. O DNA mitocondrial difere do nuclear por ser transmitido apenas pela mãe, e por ser muito menos especifico, pois, ao contrario do nuclear, não e exclusivo da pessoa. Quando duas sequência de DNA mitocondrial combinam, não quer dizer que pertencem ao mesmo individuo, e sim a uma porcentagem da população. Neste caso, a porcentagem seria de 1%, o que significa que, numa Inglaterra vitoriana de aproximadamente quarenta milhões de habitantes, pelo menos 400 mil pessoas podem ter doado aquele DNA.” – Escreveu Paulo Schmidt.
PROVÁVEL ARMA DO CRIME: O BISTURI LISTON, MUITO UTILIZADO NA ÉPOCA EM CIRURGIAS
Em 25 de outubro de 1888 Robert Anderson, subcomissário da policia, escreveu uma carta ao Dr. Thomas Bond pedindo seu parecer sobre os assassinatos. Bond, que participou da autopsia das vitimas determinou que todos os assassinatos haviam sido cometidos pelo mesma pessoa. Nos quatro primeiros casos a garganta das vitimas foi cortada da esquerda para a direita e no caso da vitima do beco Miller a extensão das mutilações impediu qualquer analise confiável sobre a direção dos cortes. Bond afirmou que na sua opinião os crimes foram cometidos por alguém sem nenhum conhecimento de anatomia, provavelmente o assassino era um açougueiro ou alguém acostumado a manusear animais mortos. A arma do crime foi definida como uma faca forte com pelo menos 15 centímetros de comprimento, muito afiada e certamente era uma faca reta. Em 1894 o chamado “Memorando Macnaghten” determinou que as vitimas do assassino haviam sido apenas cinco, apesar de todos os outros casos envolvendo mortes com mutilação no período.
Ao longo dos séculos mais de 200 nomes surgiram como sendo a identidade do assassino de Whitchapell, mas nenhuma prova conclusiva foi apresentada até o momento. Talvez o mais intrigante no caso de Jack, O estripador seja o fato de nunca ter sido pego. A impunidade, no seu caso, alimentou sua lenda e consagrou sua historia na literatura criminal.
AUTOR: TIAGO RODRIGUES CARVALHO
PARA SABER MAIS
RETRATO DE UM ASSASSINO
Autor: CORNWELL, PATRICIA
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
Idioma: PORTUGUÊS
Ano: 2003
OS CRIMES DE JACK, O ESTRIPADOR
Autor: ROLAND, PAUL
Editora: MADRAS
JACK, O ESTRIPADOR
Autor: SCHMIDT, PAULO
Editora: GERAÇAO EDITORIAL
Idioma: PORTUGUÊS
Ano: 2008
Pagina mais completa sobre o assunto na internet(em ingles):http://www.casebook.org/intro.html

terça-feira, 20 de agosto de 2013

"LOS CAPRICHOS" DE GOYA


A serie "Los Caprichos" de Goya é uma serie de 80 figuras feitas pelo pintor espanhol Francisco Goya(1746-1828) numa critica a nobreza e o clero do seculo XVIII. Reproduzi aqui algumas dessas surpreendentes figuras:
"Goya e Davi podem representar a pintura de um século inteiro. Goya não era um pintor neoclássico evidente. Não procurava pelos gregos ou romanos, e seus personagens – mesmo quando ele pintava a realeza – eram pessoas de carne e osso. Por isso suas telas são muitas vezes um contraponto para o modelo representado por Davi. E a gravura [acima] recupera essa idéia; o sonho pode ser aqui entendido como sono: quando a razão nos deixa, monstros são produzidos. Não obstante, o sentido pode ser bem outro: o sonho da razão seria tudo aquilo que lhe escapa e que ela não dá conta com sua lógica.”
- Lilia Moritz Schawarcz

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