quinta-feira, 22 de dezembro de 2016


Magistral romance do ucraniano Vassili Grossman trás a tona os diversos formatos de conflito: o embate entre homem e consciência, entre marido e esposa, entre ideologias opostas, entre o passado e o presente e até mesmo entre filósofos de século XVII.
A vida é a negação da morte, a morte é o limite existencial da vida, a lembrança é o resultado dessa assimilação. Só aprende a compreender a si próprio aquele que encontra sentido em seu passado.
O presente texto não é uma resenha sobre a obra do ucraniano Vassili Grossman, “Vida e destino”. Trata-se apenas de um ensaio sobre como eu o interpretei no papel de simples leitor. Meu objetivo é fazer uma espécie de releitura, que nada mais é do que uma reinterpretação das camadas literárias por uma perspectiva mais complexa com conceitos ligados a física e a filosofia.
É perfeitamente natural que alguns leitores questionem a minha forma de buscar um excessivo grau de conceitos teóricos e científicos nas entrelinhas do texto. O habito de fato nos leva a extrapolar as conclusões indo muito alem daquilo que o texto oferece como base de reflexão. Mas quanto ao romance “Vida e Destino” acredito que Grossman teve um propósito maior o que me levou a seguinte teoria: é uma obra criada para rememorar a historia de sua mãe e ao mesmo tempo explicar os estranhos conceitos quânticos por meio de exemplos observáveis no mundo físico.
Por que Grossman adotaria a tradição literária como substrato para um propósito tão ambicioso? Para responder a essa pergunta temos a principio que aceitar a ideia de que autor e personagem se confundem. O dilema de Grossman era o mesmo que o de Chtrum: como tornar concreto aquilo que a ideia possui de abstrato? O método escolhido parece ter sido a exposição de exemplos.
Exemplificar é um método satisfatório de transformar um dado puramente abstrato e complexo que escapa dos limites da imaginação em algo mais próximo daquilo que a mente aceita como verdade. Só compreendemos um conceito se a sua premissa fundamentadora for plenamente assimilada. A assimilação de conceitos da teoria quântica exige que se aceite a predominância da probabilidade sobre o determinismo e isso não é algo simples de se fazer. Nesse caso Grossman certamente percebeu que seria mais plenamente compreendido se adotasse a linguagem literária e não a cientifica.
“Guerra é Paz” foi o único livro que Grossman leu durante a guerra. Embora tenha servido de inspiração para o autor acho absolutamente errado comparar as duas. A maior, e talvez única semelhança, entre elas está na significação do titulo. É provável que Grossman tenha feito uma interpretação dialética do titulo de “Guerra e Paz”. Em varias de suas obras encontramos referencias ao filosofo Heráclito (544-484 ac), autor da teoria do “tudo flui” – que inclusive é o titulo de uma de suas obras.
Os soviéticos tinham uma recorrência muito forte à dialética de Hegel, e parte desses conceitos se encontram na teoria de Heráclito, ou seja, o ser que se constrói por meio de suas oposições internas. Da luta entre o racional e o irracional, entre o amor e o ódio surge um terceiro termo. Colocada em termos simples a dialética seria a transformação a partir da destruição das partes que integram a transformação. Assim a paz surge da guerra. Contradição? Não! Apenas pura dialética. A harmonia é um produto da luta! Para explicar essa aparente contradição recorremos à física: um corpo eletricamente neutro surge pela interação de corpos com cargas opostas.
Existe um ponto interessante quando se compara “Vida e Destino” com “Guerra e Paz” e este ponto reside no tipo de influencia social entre duas nações rivais. Em “Guerra e Paz” existe a influencia cultural: a língua francesa era tão apreciada que era adotada pela aristocracia russa. No caso de “Vida e Destino” existe uma analogia que aproxima as duas nações devido a semelhanças políticas. Nazismo e stalinismo partilhavam de certas semelhanças. Ideologicamente eram opostos, mas possuíam métodos comuns.
De alguma forma o principal tema da obra parece ser o tempo: algo que se funde e se desprende de seu conceito físico, como grandeza matemática, e do seu conceito histórico como espaço das ações humanas. O aspecto mutante da realidade é analisado por meio de conceitos da física quântica. É aqui que identificamos as primeiras marcas que o momento histórico imprime na narrativa através da descrição dos sentimentos de um soldado anônimo que combate no front:
inicialmente ele se encontra em meio ao seu grupo - o “nos” cuja força bruta é a sua noção de superioridade numérica - avançando imperiosamente contra uma posição inimiga aparentemente frágil. Pouco depois o mesmo soldado se encontra sozinho, fragilizado, confuso. O destino havia ceifado a existência daqueles que o acompanhavam, a visão clara era agora nublada pela fumaça e a “frágil” defesa inimiga, de perto, havia assumido o aspecto de uma impenetrável muralha: o “nos” havia cedido lugar ao “eles”.
A transição do estado de união para o de solidão diante do implacável papel do destino requer um avanço continuo diante das possibilidades. A percepção da realidade depende do ponto através do qual se observa. A noção de “nos” contra “ele” pode facilmente se converter na imagem do “eu” contra “eles”. Tudo depende do ponto de vista, do referencial como diria o físico Albert Einstein.
Segundo sua teoria da relatividade a deformação do espaço provoca alterações na passagem do tempo. Grossman retoma a relativística de Einstein associando essa deformação do espaço a uma brusca alteração da percepção da realidade – o “nos” se transfigura no “eu” enquanto o “ele” assume o aspecto de “eles” e nesse intervalo ocorre à perda da noção de tempo. Toda essa complexa mecânica quântica se manifesta na mente do soldado que não a compreende na sua forma cientifica, com números e formulas, ele apenas sente os seus estranhos efeitos.
Outra forma de interpretar essa distorção perceptiva é por meio de conceitos ligados as artes plásticas. Qualquer tipo de padrão visual pode ser afetado pelos aspectos dimensionais do espaço que a circunscreve. Um único ponto minúsculo desenhado aleatoriamente em um grande espaço branco parecerá insignificante e em desequilíbrio; ao passo que se reduzindo a dimensão desse espaço o mesmo ponto minúsculo parecerá maior e seu equilíbrio aumentará à medida que o ponto se aproxime do centro geométrico da imagem. Talvez seja por isso que Grossman tenha escrito: “No entendimento dessa transição reside aquilo que da aos negócios da guerra o direito de serem chamados de arte.”
Novamente o tempo é utilizado pelo autor para abordar a decadência da imagem de “soldado herói” do pós-guerra:
“O tempo deságua no homem e no Estado, se aninha neles, e depois sai, desaparece, e o homem, o Estado ficam... o reino ficou, mas seu tempo se foi... o homem está La, mas seu tempo sumiu. Onde ele esta? Eis o homem: ele respira, ele pensa, ele chora, mas aquele tempo particular, único, pertencente apenas a ele, se foi, sumiu, passou. O mais difícil é ser um enteado do tempo. Não há sorte mais dura que a do enteado, vivendo com um tempo que não é seu.”
“Vida e destino” é considerado o “Guerra e paz” do século XX porque também carrega as marcas de seu tempo e essas marcas não se resumem apenas a história da segunda grande guerra ou ao Stalinismo, mas também ao progresso cientifico. A batalha de Stalingrado, principal pano de fundo da obra, marca uma importante fronteira da ciência soviética no que diz respeito à Física. Foi durante o auge da batalha que Stalin assinou, em 28 de setembro de 1942, a Diretriz nº 2352, referente à pesquisa do Urânio, cujo objetivo era explorar o potencial bélico da energia do núcleo do átomo.
Por que colocar o protagonista de sua obra como um físico? Em primeiro lugar é preciso reconhecer a influencia do momento histórico na criação artística. A física era o estatus maximo da ciência na primeira metade do século XX. O estudo do átomo levou a física a assumir a dianteira como ciência, tanto pelas perspectivas praticas de seus métodos quanto as militares.
A Física é amplamente reconhecida entre os mais leigos pelas famosas leis de Newton. A terceira lei de Newton - a mais famosa de todas - é a da ação e reação. Toda ação tem uma reação igual em sentido contrario. É a clássica lei do retorno, fácil de ser compreendida porque se aplica facilmente a situações cotidianas. No caso da obra “Vida e Destino” é a segunda lei de Newton que mais importa. Essa lei diz que força é o produto da massa de um objeto por sua aceleração. Foi a partir dessa lei que Newton chegou a uma outra que analisa o grau de interação dos corpos, a famosa lei da gravidade.
Primeiramente é preciso definir que nas ciências exatas “grandeza” é tudo aquilo que pode ser medido e expresso em unidade numérica: tempo, peso, velocidade, todos estes termos são exemplos de grandeza. Na física o termo “força” é uma grandeza que mede a intensidade de interação entre dois ou mais corpos. E possível traduzir esse conceito físico para questões sociais como, por exemplo, no relacionamento entre duas pessoas. Duas pessoas que se relacionam possuem uma força que age no sentido de reforçar essa relação. Choderlos de Laclos compreendeu bem esse conceito físico e realizou uma perfeita transposição de seu significado para as relações interpessoais: “Toda relação amorosa é sobretudo um relação de força.”
Na química a união de átomos ocorre por meio da liberação de energia. Na física a separação do núcleo atômico libera uma quantidade avassaladora de energia. Tanto na união quanto na separação da matéria sentimos as marcas dessa relação. O conceito físico-químico de liberação de energia neste caso funciona como uma analogia para a força que se depreende da ruptura entre pessoas.
Grossman, que era químico, construiu um personagem absurdamente racionalista e profundamente angustiado devido a sua busca constante por respostas que pudessem explicar seu comportamento – praticamente seu próprio alter ego.
O homem que se recusa a seguir sua voz interior precisa racionalizar essa recusa na forma de justificativa e esse era o maior fardo de Chtrum. Os dilemas de consciência enfrentados pelo personagem vão se delineando ao longo do texto. Inicialmente vemos um físico teórico que trabalha mentalmente com equações complexas na tentativa de descrever o movimento de partículas provenientes da desintegração do átomo e também um homem que nutre um profundo ressentimento por sua esposa.
O romance é amplo em vários aspectos, tanto no que diz respeito ao numero de personagens quanto em sua geografia narrativa, ou seja, ele começa em um campo de prisioneiros, posteriormente foca na batalha de Stalingrado e na sequência desvia sua narrativa para os núcleos dos diversos personagens que preenchem a história. Cronologicamente a narrativa é linear e se passa durante o outono, entre os meses de setembro de 1942 e fevereiro de 1943. O próprio outono possui um significado especial no contexto da obra se o considerarmos como uma metáfora daquilo que seria uma espécie de morte da consciência, algo que se traduz como aquela incapacidade de atribuir significância a vida humana.
Outro aspecto analisado separadamente no texto são os significados dos substantivos “vida” e “destino”. O conceito de vida é a todo momento associado a ideia de liberdade. Essa associação não é colocada em termos claros, mas é apontada por meio das criticas que o autor faz a atmosfera repressiva do período stalinista. Por essa perspectiva o conceito de vida se opõe ao de destino, pois a ideia de destino é aquela que nos nega a liberdade de escolha, ou seja, de que tudo já estaria determinado à revelia de nossas ações.
Existe inclusive nas entrelinhas do texto uma espécie de conectivo que em determinados momento parece direcionar os acontecimentos em uma direção única. Como se tudo estivesse ligado mesmo que aparentemente não estivesse. É muito fácil se perder neste tipo de interpretação, pois uma característica de qualquer romance é a de possuir eventos que se desenvolvem paralelamente, mas isso não significa que esses eventos possuem a mesma direção. No caso de “Vida e Destino” existe esse paralelismo dos acontecimentos e também existe um reforço onisciente do autor no sentido de direção única.
Essa idéia de oposição entre os substantivos "vida" e "destino" desaparece diante do significado que o conceito de destino possui no texto. Se existe algo evidente na obra, até mesmo para o menos perspicaz dos leitores, é a forte relação de dependência entre “escolha” e “conseqüência”. A realidade seria filha das escolhas do passado, até aqui nenhuma novidade, mas o que Grossman fez foi mostrar é que o passado não se prende ao passado, ele vive no presente através de nossos tormentos internos. Na alma do homem, onde a realidade morta de seu passado vive através da lembrança, ressoa a certeza de que seu tempo é não apenas trágico, mas também único em termos humanos. Platão já dizia que a reminiscência, seja da dor ou da felicidade, despertava na alma através dos sentidos.
Esse conceito de destino se expressa na relação entre Chtrum e Liudmila. Logo nas primeiras paginas fica latente uma certa tensão entre ambos. De certa forma é natural que se atribua pouca importância a essa característica da vida conjugal dos personagens, afinal a vida de casado possui inúmeros desafios com potencial de arrastar para o seu núcleo alguma forma de hostilidade. Interessante observar como a reciprocidade entre ambos se alinha com conceitos da física, como a lei de ação e reação de Newton.
À medida que a leitura evolui deixamos de avaliar o comportamento do marido e da esposa e passamos a observar o homem e a mulher. É somente ai que compreendemos a extensão do fosso que se interpõem entre ambos e que se constrói pelo ressentimento mutuo. Nesse ponto o termo destino começa a se delinear como um produto de nossas escolhas de nossas decisões. Um único momento pode se estender por uma eternidade se compreendermos que leva apenas alguns segundos para uma decisão cujas conseqüências serão por toda uma vida. Aqui mais uma vez Grossman brinca com a relativística quântica: o tempo que se estende e se contrai.
E como se a vida em alguns momentos nos colocasse diante de escolhas e que uma vez exposta a nossa decisão a vida perdesse o seu caráter alternativo, plural e se transfigurasse em destino, fixo é imóvel até que se coloque diante de uma nova escolha. O destino, portanto, não seria fixo, mas construído gradualmente através de unidades de tempo ao longo da vida. A vida não se opõe ao destino, ela na verdade o constrói! Vida e destino não são, no contexto da obra, opostos, mas complementares. Logo não vejo a conjunção “e” com sentido adversativo, mas sim aditivo.
A obra possui um quadro muito amplo de personagens, porem resolvi concentrar meus texto apenas nos dois protagonistas: Viktor Pavlovitch Chtrum e Liudimila Nikolaievna Chapochnikova. Liudmila é uma das personagens mais fortes da história. Minha primeira impressão sobre ela confesso não ter sido muito positiva, mas quando analisamos seu comportamento em retrospecto conseguimos reconhecer seu valor como personagem. Certas passagens de fato mostram uma mulher um tanto quanto egoísta, mas é justamente esse seu traço que lhe confere firmeza. Ela não finge ser uma figura sobre-humana sufocando seus desejos e sendo irracional na medida em que contraria sua natureza. Ela parece compreender bem sua extensão existencial e não procura viver aquém dessa margem teórica. Ela sabe o seu real significado como mulher, compreende como algumas atitudes tomadas no passado projetaram, sobretudo em seu marido, uma forma individual de sofrimento. Digo individual porque aparentemente ela não partilha dessa dor embora sinta um reflexo dela na forma da indiferença do marido.
Ela de alguma forma sustenta o lado racionalista de Chtrum em sua própria figura na medida em que se nega a agir - na maior parte do tempo - contra seu próprio conceito de correto. Chtrum também é muito parecido com ela nesse aspecto. Não se trata de teimosia, mas de uma personagem que consegue justificar seu comportamento. A guerra que se trava entre Chtrum e Liudmila é silenciosa porem não menos cruel: enquanto ele a culpa pela morte da mãe ela o despreza por atacar um Estado cujo filho havia dado a própria vida para defender.
A imagem da figura materna é muito significativa para o autor e para qualquer um que já tenha lido sobre sua historia, bem como seus outros trabalhos, fica claro que seu conceito de amor materno ampara muitos de seus contos. “Na representação visual da alma materna há algo de inacessível a consciência humana” – escreveu ele em um de seus textos. Como um talentoso romancista, Grossman não encontra dificuldades para se expressar é isso nos revela dois traços marcantes do autor.
O primeiro é a busca pela perfeita expressão do afeto materno. Em “Vida e destino” gosto de pensar que em sua genialidade criativa ele teria colocado a mulher como um exemplo de como a física do século XX seguia no caminho errado. Essa interpretação adota principio teóricos da teoria aristotélica e da metafísica. Sei que não é tão simples enxergar essa linha interpretativa, por isso recorrerei a uma explicação mais detalhada: para Grossman a física do século XIX era inocente quando comparada a do século XX. O estudo do átomo e da desintegração do núcleo atômico liberou uma terrível força destrutiva que se ocultava no cerne da matéria.
A vida se traduz no conceito de matéria, algo físico, palpável, extinguível, efêmero. O destino surge como forma - aquilo que faz da matéria (Vida) o que ela é de fato. Assim surge a perfeita correlação com a teoria Potencia-Ato de Aristóteles. Um recurso muito comum para explicar essa teoria é através do exemplo semente-arvore: uma semente possui a potencia de se tornar uma arvore. A semente seria a arvore na forma de potencia, enquanto a arvore seria a potencia como ato. Na física clássica essa filosofia surge através do principio da conservação de energia: imagine uma bola de aço pendurada no décimo andar de um prédio. Enquanto essa bola permanece parada no alto do edifício dizemos que ela possui uma energia potencia de causar destruição caso despenque até o chão. Neste caso a bola teria uma energia potencial enquanto permanecesse no décimo andar, já a destruição no chão seria essa mesma potencia como ato concreto.
Voltando a questão abordada na obra, Chtrum havia criado equações que descreviam o movimento das partículas da desintegração atômica, sua pesquisa dava seguimento rumo à fissão do átomo, a criação das armas nucleares. O homem ao dividir o átomo havia transformado a matéria em energia, mas a mulher, projeção bruta da natureza, havia feito o contrario: transformou sua energia potencial de mãe em matéria física (filho). A mulher mostrando ao mundo as falhas da ciência quando esta caminha no sentido errado. Seria infinitamente mais belo se o homem conseguisse converter energia em vida, e não fazer desprender na matéria essa energia e com ela provocar a extinção da vida.
Na literatura russa a caracterização da consciência com receptáculo dos problemas pessoais é sempre um fator chave é em “Vida e Destino” isto não poderia ser diferente. Buscar orientações em meio ao fluxo de sentimentos e idéias, essa é a formula de Chtrum para encontrar o fator inquestionável de sua existência. Idéias nem sempre possuem o reforço dos argumentos e os sentimentos tendem a desconsiderar essa falha.
Chtrum era uma mistura detonante de inocência e franqueza. Em muitos momentos dizia suas próprias opiniões sem pensar nas conseqüências. O filtro mental da ideologia do Estado era incompatível a forma geométrica de seu caráter político. Liudmila sentia a pressão política do Estado através do seu marido. Ela conhecia Chtrum como ninguém, sabia que ele as vezes mastigava uma conversa e cuspia seu palavreado reacionário. Eu senti a opressão de Liudmila em diversas passagens. Em uma delas ela despertava durante a noite e ficava escutando o barulho dos automóveis na rua. Levantava e olhava pela janela a espera do pior. Quem sabe não seriam agentes do NKVD? Será que Chtrum havia dito alguma bobagem? Ela seria enviada a um campo de trabalhos forçados como seu primeiro marido havia sido?
Durante todo o longo romance Chtrum luta para solucionar um dilema cientifico que o consagraria como um dos maiores físicos do país. Seu método era a clássica associação de lógica teórica com os resultados das experimentações praticas. A teoria, no entanto, apresentava resultados diferentes da pratica. Era a lógica racionalista de Rene Descartes em oposição ao empirismo de Francis Baccon.
Chtrum só conseguiu solucionar seu dilema quando sua matemática deixou de ser uma projeção da realidade e se tornou apenas uma ferramenta de gerenciamento lógico das idéias. O encadeamento lógico de idéias se revelou o método mais eficaz. Aparentemente foi uma referencia ao método de Descartes, mas Grossman parece buscar uma forma de reconhecer a genialidade de outro filosofo: Baruch Spinosa (1632-1677) – um homem cuja obra havia sido negligenciada durante todo o século XVII pelo simples fato de seu autor ser judeu. Coincidência? Eu acho que não!
Filha de Vassili Grossman (centro da foto) transferindo as caixas com o manuscrito original confiscado de "Vida e Destino" dos arquivos da FSB para o Arquivo de Literatura e Arte do Estado Russo.
Desculpe-me o leitor se o presente texto ficou muito longo, mas o melhor livro que li em 2016 não merecia algo menor. A própria historia real do romance seria o enredo de um filme: Grossman escreveu “Vida e Destino” como uma homenagem a historia de sua própria mãe. A censurar do governo soviético, no entanto, impediu que a obra fosse publicada e o manuscrito foi confiscado. Grossman nunca viu em vida a publicação de seu livro, cabe a nós leitores reconhecer o seu talento excepcional e lhe prestar o devido reconhecimento. Mais uma obra imortal da literatura mundial.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
VIDA E DESTINO
Autor: GROSSMAN, VASSILI
Tradutor: PERPETUO, IRINEU FRANCO
Editora: ALFAGUARA BRASIL
Nº de Páginas: 920
OBS: As fotos que aparecem ao longo do texto retratam a vida da população civil e os combates durante a batalha de Stalingrado - pano de fundo do romance "Vida e Destino".
LINKS COM RESENHAS DE OUTRAS OBRAS DE GROSSMAN AQUI NO CAFÉ MUSAIN:
“A ESTRADA”
http://cafe-musain.blogspot.com.br/2016/08/a-estrada.html
“UM ESCRITOR NA GUERRA: VASSILY GROSSMAN COM O EXERCITO VERMELHO 1941-1945”
http://cafe-musain.blogspot.com.br/2016/05/um-escritor-na-guerra-vasily-grossman.html

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