terça-feira, 19 de novembro de 2013

Logo no capitulo inicial o autor se dispõe a produzir uma distinção clara entre os problemas éticos e morais. Os problemas essencialmente práticos têm por objetivo expor tanto a macro como a micro influência de uma postura ética diante de situações na qual o individuo, como ser social, se vê obrigado a adotar. As conseqüências decorrentes de um comportamento, seja ele impulsionado por considerações éticas ou morais, podem se estender desde uma interação entre duas pessoas próximas até um gigantesco grupo social heterogêneo e aparentemente desconexo.
A reflexão acerca da distinção inicialmente exposta remete a uma conclusão na qual o comportamento moral é, sobretudo, a característica que difere os seres humanos das demais formas de vida. A capacidade de agir segundo aos princípios particulares e não a normas coletivamente determinadas está intimamente relacionada à forma como racionalismo e sentimentalismo são conciliados no plano cognitivo. O comportamento dos homens diante de determinados problemas obedece a um padrão mental lógico-moral que julga e apresenta não apenas um, mas dois rumos, cada qual associados a um dos extremos dessa oscilação. Cada decisão tomada é, portanto, submetida a uma “legalização moral”, que obedece a uma lógica interna e cuja formulação decorreu da absorção do conjunto de normas coletivamente impostas ao meio em que esta inserida.
As ações humanas, contudo, não possui a moral como regra única. O comportamento prático é muitas vezes adotado mediante situações onde as convicções particulares não encontram um campo favorável a sua influência. Esse comportamento prático é analisado como objeto de reflexão onde a prática-moral se transforma em teoria-moral. Esse julgamento mental realizado a posteriori e a revelia das normas sociais está intimamente relacionado à filosofia de cada individuo.
A diferença entre problemas prático-morais e éticos são definidos pelo autor por meio da generalidade entre ambos: um individuo diante de determinada situação tentará encontrar uma solução que seja efetiva e moralmente correta obedecendo a um conjunto de regras de ação cuja familiaridade lhe permite optar por uma ou outra. A ética, nesse caso, não seria capaz de fornecer uma regra prática para cada situação especifica uma vez que sua natureza genérica torna impraticável qualquer aplicação restrita da mesma. A conclusão lógica desse quadro teórico e a de que a adoção da ética, como recurso prático para uma situação concreta, só é possível diante da incapacidade de definir o que seria bom e o que seria ruim.
Segundo o autor a ética consiste num conjunto de normas genéricas calculadas para tornar a vida em sociedade mais justa. Seu objetivo seria subjugar os desejos particulares por meio da reflexão racional, ou seja, algo bastante lógico quando se vive em coletivo. A fragilidade desse sistema decorre da nuvem de convicções que acompanha a todos os seres, fazendo a ética falhar como doutrina apesar de toda a sua lógica. Seu surgimento como doutrina normativa decorreu da constatação de que a moralidade tradicional atende aos aspectos particulares, mas falha quando se trata do coletivo. Uma vez compreendida a noção que todos fazem depender sua opinião da qualidade que conferem a si mesmos tornou-se imperativo a adoção de métodos que elevassem a vontade geral acima das vontades particulares.
A noção de responsabilidade é usada como critério que separa o comportamento prático-moral do comportamento ético: ao escolher entre duas opções a vontade é na maioria dos casos o fator preponderante, e por isso a responsabilidade está intrinsecamente relacionada ao processo. Na ética a responsabilidade está de certa forma ausente, pois a vontade deixa de existir como guia.
Aparentemente a ética possui uma praticidade capaz de torná-la uma disciplina normativa. Sua natureza teórica, ignorada em função dessa praticidade aparente, torna irreal sua aplicação como uma forma de legislação moral da sociedade. A moralidade tradicional esta associada à marcha dos fatores históricos, os princípios variam bem como as normas. Um conjunto de princípios regulamentadores que não acompanhe os fatos históricos falha por explicar teoricamente uma pseudo-realidade. Por isso a ética deve ser encarada como uma disciplina mais teórica e menos prática. Ela explica ao invés de recomendar ou determinar um caminho.
Ainda assim, segundo o autor, não se deve cometer o erro de reduzir a ética a uma disciplina puramente descritiva apesar de sua natureza teórica. Ela é na realidade uma teoria que usa o comportamento moral da humanidade como ferramenta de reflexão sendo, portanto, produto das ações humanas e não apenas expectadora das mesmas. A definição de ética é o tema principal do item 3, capitulo 1: “a ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma especifica de comportamento humano.”
A preocupação principal nessa definição e menos voltada ao esclarecimento conciso da ética do que a necessidade de classificá-la como ciência. Trazer a mesma para o campo da ciência é o mesmo que delimitar a disciplina dentro de um conjunto rígido de métodos racionais, objetivos e, sobretudo empíricos. Como ciência a ética deve ser capaz de analisar o comportamento humano, ou seja, a moral efetiva, e gerar resultados teóricos e comprováveis dentro de certos limites. Seu papel, como ciência moral, deve possuir o mesmo rigor cientifico no que diz respeito ao método, mas seus princípios devem ser mais flexíveis e menos dimensionados numa linha puramente determinista. Isto porque a ética é uma ciência, mas seu objeto de estudo, a moral, e algo subjetivo e, portanto, impermeável a determinados ramos da lógica. O objetivo da ética e menos voltada ao papel que as idéias possuem na formação do individuo, do que no comportamento deste mesmo individuo frente a essas idéias.
A distinção entre ética e filosofia é o tema principal do item 4, Capitulo 1. O autor busca retirar a ética de sua antiga posição subjugada à filosofia por meio da sua caracterização como disciplina racionalista e com uma esfera de atuação bastante especifica: o comportamento humano. Como base para esse posicionamento o autor cita argumentos cuja importância possui ligeira variação. O objeto da ética, ou seja, a moral é neste ponto definido como algo distante da esfera cientifica, porem suas origens e fundamentos podem ser investigados com a objetividade da ciência. A ambigüidade da ética é assim exposta: é cientifica quanto aos métodos e anti-ciêntifica por essência.
Aparentemente dispares e imiscíveis entre si, ética e ciência possuem aspectos que se relacionam intimamente. Negar sua estreita relação com a ciência seria o mesmo que classificar a primeira como uma subclasse da filosofia sendo, portanto, uma disciplina puramente especulativa segundo o autor. O mesmo não nega a afirmação de que as questões éticas constituem uma parte do pensamento filosófico. No entanto ele enfraquece a relação entre ambas ao mencionar o caráter generalista da Filosofia, que surgiu num momento histórico onde a falta de disciplinas especificas a determinados seguimentos fazia a mesma abranger todos os setores da realidade humana.
A obra reafirma a noção de que o desprendimento da ética da Filosofia deveu-se a evolução das ciências físicas e matemáticas o que permitiu não apenas uma mecanização do cosmos, como as leis da mecânica celeste do físico Isaac Newton, como sedimentou as bases técnicas para o surgimento de disciplinas não tão generalistas. Outro ramo que supostamente teria se desprendido da Filosofia foi à Psicologia, cujo objeto de estudo é a alma humana. Apesar de reconhecer o desligamento entre Psicologia e Filosofia o autor não deixa de reconhecer a existência de certas ligações que ainda permitem classificar ambas como uma simples “psicologia filosófica”.
No item 5, Capitulo 1, é apresentada a relação da ética, com todas as outras ciências que têm o comportamento humano como campo de estudo, bem como a contribuição de cada uma delas. A Psicologia possui estreita relação cooperativa com a ética uma vez que apresenta as “leis” que determinam as motivações individuais. Essa anatomia do caráter contribui na medida em que relaciona o papel do inconsciente na formação do individuo, seus hábitos e julgamentos morais, e seu papel como modelador do inconsciente. A dimensão da moral se tornou evidente graças ao progresso da psicologia como ciência. A sociologia também contribui com a ética ao estudar o comportamento do homem em sociedade.
MORAL E HISTORIA
A relação entre moral e história é abordada no primeiro item do Capitulo II. A moral é definida com um conjunto de normas e regras destinadas a regular as relações dos indivíduos em determinada sociedade. O predomino alternado de valores dentro de uma sociedade ao longo do tempo histórico é utilizado pelo autor como argumento para a existência de diversas vertentes da moral desde a antiguidade até a sociedade moderna. A existência de doutrinas, que excluem o papel dos eventos históricos na constituição da esfera moral, segue três caminhos assim expostos:
a) Deus como origem ou fonte da moral; que se fundamenta nos aspectos sobre-humanos e cuja fonte de origem não poderia der buscada nas relações do homem em sociedade.
b) A natureza como origem ou fonte natural da moral; que considera como sua fonte o instinto do homem e seus aspectos biológicos.
c) O homem como origem e fonte da moral; que busca definir a mesma como uma característica peculiar e inerente ao homem.
O autor condiciona o surgimento da moral a um núcleo coletivo com regras que limitam o comportamento dos homens e reforça sua ligação com os demais na forma de consciência. Cada indivíduo deve se adaptar, ao seu modo, a regras a todos imposta. Esse mecanismo de adaptação leva a interação e reduz o individualismo, criando, portanto, um conjunto de valores de origem comunitária.
O desenvolvimento industrial levou a um excedente produtivo em cuja origem está na fonte da desigualdade social. A apropriação, na forma de mercadoria, da força de trabalho alheia acentuou a noção de uma forma moderna de escravidão em que os indivíduos não mais eram identificados por sua cor, mas por sua classe. Com a exposição do lamentável quadro social existente nos aglomerados industriais urbanos, sobretudos os do século XIX, o autor busca apresentar a existência antagônica em duas formas de moral: a do homem livre e a do escravizado. A primeira foi amparada em textos filosóficos da antiguidade já consagrados e por isso amplamente aceitos; a segunda, sem base teórica, foi descartada como simples expressão da anarquia. A existência da “moral servil” em consonância com o pensamento filosófico existente até então funcionou com um potente fator de contenção que limitou a liberdade individual ao subjugá-la a doutrina da classe dominante. Segundo a obra essa divisão de classes, e a existência de um conflito de valores entre elas, ocasionou uma ramificação da moral que consequentemente deixou de representar a sociedade como um todo. O capitalismo moderno e apresentado como uma forma mais moderada do capitalismo classico que surgiu na Inglaterra no século XVII. O progresso tecnológico teria permitido um incremento na produção reduzindo assim a carga de trabalho do proletariado. No entanto o mesmo reconhece que a exploração do assalariado ainda se mantêm no cerne do sistema.
A conclusão final ao termino da leitura da obra é de que a Ética seria uma confluência de ciência moral, social e filosófica, muito mais especifica, ainda que bastante genérica, que a filosofia e que têm o comportamento humano como foco de atenção especial. A moral seria nada mais do que o produto do progresso radical de antigos valores consolidados em coletivo e diretamente relacionados ao tempo histórico.
ÉTICA
Vasquez, Adolfo Sánchez.
Civilização brasileira, 18ª Edição, Rio de Janeiro, 1998
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

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