sexta-feira, 29 de março de 2013


“A revolução de 1848 ficaria na história francesa como algo muito diferente de uma reedição bem sucedida da Revolução de 1830. Suscitou esperanças que, bem mais que liberais e patrióticas, foram também sociais. E não pretendo corrigir apenas o funcionamento da maquina política, mas também o da sociedade humana”
-Maurice Agulhon
“Ao antigo regime havia sucedido a Monarquia Constitucional; à Monarquia, a República; à República, o Império, ao Império, a Restauração; depois viera a Monarquia de Julho. Após cada uma dessas mutações sucessivas, foi dito que a Revolução Francesa, tendo acabado o que presunçosamente se chama ‘sua obra’, havia terminado: era o que se dizia e no que se acreditava.”
- Alexis de Tocqueville
“De agora em diante governaram os banqueiros!”. Esse era o comentário mais comum nas ruas de Paris quando Luís Felipe - “o rei burguês” - chegou ao trono da França. Os dezoito anos de seu reinado ficaram marcados pelas violentas revoltas que tomaram conta das ruas e pela repressão sangrenta empregada pelas forças do governo. O único momento de relativa tranqüilidade talvez tenha sido durante a epidemia de cólera de 1832. O episodio mais famoso aconteceu no dia 15 de abril de 1834, no chamado “Massacre da Rue Transnonain”. Após um tumulto entre soldados do governo e os revoltosos um oficial acabou sendo ferido. Enquanto era transportado por seus companheiros um tiro foi disparado de um prédio localizado no numero 12 da Rue Transnonain. O disparo atingiu e matou o oficial ferido. A reação dos soldados foi imediata: arrombaram as portas e invadiram o prédio matando todos que encontravam em seu interior, incluindo mulheres e crianças. O episodio terminou com 12 mortos.
LUIS FELIPE
O governo de Luís Felipe nunca teve ampla aceitação popular e o confronto com a Argélia (1830-1847) só aumentou o fosso entre a oposição e o governo. Os massacres sofridos pelas tropas francesas nos combates contra a resistência argeliana resultaram em ataques de retaliação cuja brutalidade só seria equiparável as que tiveram lugar nas guerras do século XX. Quando as noticias das brutalidades realizadas pelo exercito francês chegaram a Paris a reação popular foi de indignação. As tropas que realizavam os massacres na Argélia eram comandadas pelo general Thomas Bugeaud, o mesmo responsável pelo massacre na Rue Transnonain.
MASSACRE NA RUE TRANSNONAIN
Os elogios generosos, e certamente exagerados, de Tocqueville, que era um monarquista declarado, a Luís Felipe não se sustentam quando analisamos a trajetória deste ultimo ao trono. Luís Felipe era filho do famoso, e moralmente desprezível, Duque de Orléans, que durante a Revolução Francesa havia se aliado aos Jacobinos devido a intrigas na corte. Em 1793 ele votou pela morte de seu primo, o rei Luís XVI, e pouco tempo depois mudou seu nome para Felipe Égalite numa jogada política cujo propósito era se aproximar ainda mais dos jacobinos Suas aspirações ao trono eram por demais evidentes para escapar do julgamento dos radicais parisienses. Felipe Égalite acabou preso e executado na guilhotina em 1794. Embora os jacobinos vissem em Felipe o fantasma da contra-revolução, sua prisão também foi motivada pelo comportamento de seu filho, o futuro rei Luís Felipe.
TROPAS FRANCESAS NA ARGELIA
Em 1789, Luís Felipe se alinhou aos ideais da revolução e aos 18 anos já era coronel do exercito revolucionário. Em 1793, o ano do Terror, tudo mudou. Antigos “herois” eram agora vistos como reacionários pelo famigerado Comitê de Salvação Publica. No dia 5 de abril, Luís Felipe e outros oficiais do exercito francês seguiram o general Dumouriez e se entregaram aos inimigos austríacos. Luís Felipe passaria anos no exílio onde teria aprimorado seus costumes burgueses.
Sua ascensão em direção ao trono começou em 1815 quando a restauração Bourbon renovou, em parte, o status dos Órleans. A deposição de Carlos X em 1830 foi o ato final. Luís Felipe assumiu o trono como “rei dos franceses” e não “rei da França”. De 1830 a 1848 a burguesia francesa viveu sua era de ouro pois o apoio da alta burguesia a Luís Felipe, que era banqueiro profissional, resultou numa política monarquista bastante favorável a seus interesses comerciais. As inúmeras revoltas republicanas contra o seu governo ocasionaram o endurecimento de sua política e o fim de muitas das prerrogativas dos anos iniciais.
Em 1848 a monarquia estava isolada entre dois partidos, ambos de direção burguesa e, no entanto completamente divergentes em reivindicações políticas. O chamado Partido do Movimento representava a esquerda do quadro político francês. Seus membros queriam reformas sociais que deveriam manter a ordem entre os membros da classe operaria. Do lado oposto estava o reacionário Partido da Resistência que se posicionava contra qualquer reforma política. Movidos por um forte anti-reformismo os membros do Partido da Resistência queriam “acalmar” os operários por meio da repressão violenta. Os chamados Socialistas haviam crescido significativamente como grupo político e suas reivindicações e ideais já eram amplamente divulgados em obras e jornais destinados aos operários.
Havia ainda os chamados Legitimistas cujo objetivo era restaurar um membro da dinastia Bourbon ao trono da França. As aspirações republicanas e a imobilidade dos monarquistas, tentando a todo custo conservar as prerrogativas da alta burguesia, eram por demais antagônicas para que um confronto não ocorresse. Depois de dezoito anos no trono da França o reinado de Luís Felipe terminaria manchado de sangue. O clima político era tenso e adornado de relativa harmonia entre as facções opostas, mas a crise financeira de 1846, que se arrastou até 1850, colocou fim a esta harmonia política. Assim como os eventos que precederam a revolução de 1789, a crise econômica que atingiu toda a Europa e não apenas a França converteu o clima tenso entre a oposição a um estado de agressão aberta e literal.
No século XIX a França ainda era um país rural e as péssimas colheitas desencadearam uma inflação que levou a paralisação de ferrovias, metalúrgicas e fabricas provocando demissões, queda no consumo e falências num clássico efeito dominó que quase sempre predomina os períodos pré-revolucionários.
DRAMA DA POPULAÇAO POBRE

O campo sempre foi um ponto nevrálgico na política francesa. A Revolução de 1789-1799 varreu qualquer vestígio do feudalismo, porem, algumas questões relacionadas à exploração de áreas desabitadas ainda alimentava discórdias no meio rural. Nas cidades cresceu a atividade exploratória, com destaque particular a usura, que funcionou como uma ferramenta de mercado, pois fornecia credito na forma de empréstimos, movimentando assim o comercio urbano. Os bancos também foram seriamente afetados pela crise uma vez que os empresários capitalistas vendo seus lucros serem reduzidos deram inicio a um êxodo de capital. Numa quase repetição dos eventos do século anterior a figura do ministro do rei ganhou destaque frente à crise financeira.
Ministro de Luís Felipe desde 1840, François Pierre Guizot era extremamente conservador vendo com hostilidade qualquer indicio de sentimento reformista tanto no plano social quanto no político. Guizot era um ardoroso defensor da concentração de poderes nas mãos do monarca se distanciando completamente dos monarquistas moderados. Mais uma vez os dirigentes da França se posicionavam de forma reacionária as reformas que tanto eram necessárias. No dia 29 de janeiro Alexis de Tocqueville pronunciou seu famoso discurso na Câmara dos Deputados:
“(...) Não ouvis então, por uma espécie de intuição instintiva que não se pode analisar, mas que e certo, que o solo treme de novo na Europa? Não ouvis então... como direi?... um vento de revolução que paira no ar? Não se sabe onde ele nasce, de onde vem, nem, acreditai, o que o carrega: e é em tempos como esse que ficais calmos na presença da degradação dos costumes públicos, porque a palavra não e suficientemente forte.(...) Falou-se em modificações na legislação, tenho muitas razões para crer que essas mudanças não são apenas muito úteis, mas necessárias: assim, creio na utilidade da reforma eleitoral, na urgência de reforma parlamentar, porem não sou tão insensato senhores, que não saiba que não só as leis em si mesmas que fazem o destino dos povos, não é o mecanismo das leis que produz grandes acontecimentos senhores, é o próprio espírito do governo.”
As palavras de Tocqueville foram recebidas por risos irônicos de seus companheiros. Em seu discurso estava o prenúncio da tragédia. O que aparentemente era um mar de águas tranqüilas em breve se revelaria a face de Caribdes. A atitude de Guizot atraiu o ódio dos três grupos: dos socialistas, devido ao seu anti-reformismo, dos Republicanos, devido a sua posição claramente monarquista e dos burgueses moderados que eram favoráveis a monarquia, mas com poderes limitados.
GUIZOT
O ponto de partida da oposição foi atacar a restrita base eleitoral do país que através do voto censitário limitava o número de eleitores em cerca de 300 mil. As reivindicações, assim como os interesses, se diversificavam bastante entre os grupos da oposição; alguns exigiam uma reforma moderada, uma espécie de “remendo”, motivada na crença de que seriam mais facilmente aceitas. Queriam a redução do censo o que aumentaria o número de eleitores. Os Republicanos e os Socialistas foram mais radicais e pediram abertamente o sufrágio universal. Os socialistas representavam a esquerda ultra-radical e para desespero dos moderados emergiam pela primeira vez como uma força política significativa. Foi por volta de 1840 que a palavra “Comunismo” entrou para o vocabulário do parisiense, embora os ideais do socialismo remotassem do século XVIII graças a nomes como Graco Babeuf e Joseph Fouché.
Naquele ano surgiram varias obras de caráter socialista como “O que é a propriedade” de Proudhon, “Da Humanidade” de Pierre Leroux; “Livro dos Sindicatos de Comercio e Corporações” de Perdiguier e “A Organização do Trabalho” de Louis Blanc. O termo “comunista” foi consagrado pelo advogado e jornalista parisiense Étienne Cabet, criador do jornal “Le Populaire”, muito famoso entre a classe operária. Foi graças ao seu romance “Voyage em Icarie”, um best-seller do período, que o termo se consagrou. Apesar de serem classificados como extremistas as reivindicações dos Socialistas não eram compatíveis com sua denominação política. Queriam a democracia política e o sufrágio universal nas eleições para as Assembléias.
O governo explorou as divergências entre as facções numa forma de manter a segurança da monarquia. A intrincada ramificação de ideais das facções dava ao governo o luxo de poder se livrar do adversário que mais lhe preocupasse, realizando apenas concessões que atendessem um ou outro. A alta burguesia, por exemplo, era contaria a República e tinham seus interesses restritos ao fim do ministério de Guizot, já os republicanos viam a República como única alternativa. Os Legitimistas queriam o fim da monarquia moderada pela absolutista. Em meio ao clima tenso o próprio governo acendeu o pavio da revolta.
Numa forma de controle da propagação do sentimento anti-monarquista, o que naquele momento se resumia basicamente ao republicanismo, as aglomerações políticas, ou reuniões públicas da oposição foram proibidas. Na tentativa de se esquivar dessa proibição a oposição realizava os chamados Banquetes Públicos – verdadeiras reuniões políticas usadas para angariar fundos e que atraiam um amplo número de espectadores. Sua denominação, no mínimo debochada, permitia a manutenção e aprimoramento das reivindicações da oposição de modo que seu impacto social não poderia ser ignorado. O fato é que os banquetes possuíam importância capital no cenário político e qualquer medida hostil a realização dos mesmos por parte da monarquia certamente resultaria num confronto mais áspero, para dizer o mínimo, entre governo e oposição.
No dia 14 de janeiro o ministro Guizot proibiu a realização do banquete marcado para o final do mês. O próprio Luís Felipe já havia declarado que estas aglomerações políticas eram fruto de ideologias cegas e opostas ao governo. A atitude de Guizot revela uma completa ignorância quanto aos aspectos políticos da capital além de expôs a falta de tato político do monarca para lidar com a oposição. Diante do quadro político a proibição era de fato a mais atrativa das medidas a serem tomadas; seus resultados seriam imediatos e politicamente muito vantajosos ao monarca, porem, o que inicialmente se apresenta como caminho mais correto se afunila no incontrolável. A monarquia de Luís Felipe rumava em direção ao desastre, numa repetição quase profética dos últimos regimes autoritários da França.
A afronta mais clara a determinação de Guizot veio de centenas de estudantes e operários dos bairros do leste de Paris: no dia 22 de fevereiro uma aglomeração de trabalhadores e estudantes ignorou a proibição e se dirigiu a Place Madeleine onde realizaram o banquete, que originalmente estava marcado para ocorrer no Champs-Élysées. Ao anoitecer ocorreram os primeiros atritos entre os manifestantes e a Guarda Nacional. Na Place de la Concorde os tumultos foram particularmente intensos.
A MONARQUIA DE JULHO DEPOSTA
No dia seguinte o governo esperava sufocar a revolta, mas uma parcela significativa dos membros da Guarda Nacional estava convencida de que aquela luta não era contra uma ameaça aos direitos burgueses, mas para isolar Guizot da hostilidade do povo. A Guarda Nacional não estava sendo usada para resguardar os direitos burgueses, mas como cúmplice nas maquinações políticas do governo. Diante desta perigosa constatação alguns membros da Guarda Nacional se uniram aos manifestantes sob os gritos de “Viva a República!” e “Abaixo Guizot”. Os ataques que até então eram direcionados ao impopular ministro passou a englobar a estrutura de governo monárquico do país.
Luís Felipe resolveu demitir Guizot na tentativa de aplacar a fúria e nomeou o Conde Mole como novo Ministro das Relações Exteriores. Quando a noticia da demissão de Guizot chegou às massas, na tarde do dia 23, ouve intenso rebuliço e as comemorações se prolongaram até a noite. A situação aparentemente havia sido contornada, poucos podiam imaginar que o reinado de Luís Felipe chegaria ao fim dentro de poucas horas. O rebuliço durante a noite teve conseqüências trágicas. As ruas de Paris ficaram entulhadas de operários e estudantes em algazarra com a demissão de Guizot, mas à medida que a noite caia a escuridão impedia o prosseguimento das comemorações. Um grupo de operários em frente ao prédio do Ministério das Relações Exteriores, no Boulevard dês Capucines, queriam que as luzes dos lampiões fossem acesas. A confusão teve inicio quando a Guarda Nacional disparou contra a multidão, alegando uma tentativa de invasão do prédio. Em meio à correria vários mortos ficaram estirados nas ruas. Os corpos foram rapidamente recolhidos pelos manifestantes e empilhados em carroças iluminadas por tochas que foram levadas pelas ruas num claro convite a transgressão. Alexis Tocqueville escreveu naquela noite: “Retirei-me cedo; deitei-me logo depois. Embora morasse bem próximo do Palácio dos Negócios Estrangeiros, não ouvi a fuzilaria que tanta influência exerceu sobre os destinos, e adormeci sem saber que tinha visto o último dia da monarquia de julho.”
No dia 24 a cidade parecia um barril de pólvora prestes a detonar. Luís Felipe metia os pés pelas mãos com medidas antagônicas que claramente se anulavam: nomeou Barrot para o Ministério, na esperança de que sua fama de reformista aplacasse os ânimos, e convocou Bugeaud para comandar a repressão contra os sediciosos da capital. Se por um lado abafava as chamas, por outro as alimentava. Nas primeiras horas da manha os combates ocorreram com intensidade no Carroussel. Por volta do meio dia os manifestantes atacaram o Palácio das Tulherias. Alexis de Tocqueville deixou registrado em suas memórias as impressões sobre aquela manha de 24 de fevereiro:
“(...) ao sair do meu quarto, encontrei a cozinheira, que voltava da cidade; a boa mulher estava completamente transtornada e fez-me um discurso lamurioso, do qual só entendi que o governo estava massacrando o pobre povo. Desci imediatamente e, mal havia posto o pé na rua, senti pela primeira vez que respirava em cheio a atmosfera das revoluções: o meio da rua estava vazio; as lojas estavam fechadas; não se viam carruagens ou transeuntes; não se ouviam os gritos dos vendedores ambulantes; (...)”
Sem saída Luís Felipe abdicou ao trono em nome de seu neto. A abdicação preocupou principalmente a alta burguesia já que a situação era propicia a uma revolta das classes mais baixas. Tinha inicio o governo provisório.
GOVERNO PROVISÓRIO
Após a insurreição de 24 de fevereiro Paris se converteu em um caos ideológico. O Parlamento já não mais existia e a confusão girava em torno da escolha de uma base ideológica social sobre o qual se edificaria o novo governo. Com o trono vago a oposição se uniu em um governo provisório baseado na coalizão entre alta burguesia (moderados), baixa burguesia (republicanos) e Socialistas. Desde o inicio o governo provisório se declarou partidário da República não havendo divergências em seu núcleo quanto a isto. A divergência no governo não era entre monarquistas e republicanos, mas entre radicais e moderados, em essência entre burgueses e proletariados.
Opostos ao socialistas os Republicanos Liberais (direita) não queriam nenhuma ruptura na ordem vigente e nenhuma concessão os socialistas. Controlavam dois ministérios: Fazenda e Obras Públicas e entre seus membros se destacaram Marie, Grémieux, Arago, Guarnier´Pàges e Marrast. Os Republicanos Conservadores (Centro) eram responsáveis por dois ministérios – Interior e Relações Exteriores. Seus dois nomes de destaque foram Alphonse Lamartine – famoso poeta romântico – e Ledru Rollin. Os Socialistas (esquerda) representavam a ala radical e mais frágil do governo. O quadro político se estruturou da seguinte forma:
Socialistas (esquerda) – Louis Blanc, Albert.
Repúblicanos Liberais (Direita) – Marie, Grémieux, Arago, Guarnier´Pàges e Marrast. Opostos ao socialistas os republicanos liberais não queriam nenhuma ruptura na ordem vigente e nenhuma concessão os socialistas. Os republicanos liberais controlavam dois ministérios: Fazenda e Obras Públicas.
Repúblicanos conservadores (Centro) – Lamartine, Ledru-Rollin. Responsáveis por dois ministérios: interior e relações exteriores.
A monarquia estava eliminada, mas a oposição permanecia. A alta burguesia temia um caos social e se agarrava a idéia de um governo estável; a alta burguesia só tinha um propósito: a criação de uma República e o sufrágio universal. Os Socialistas queriam leis trabalhistas e melhores condições de trabalho.
Uma das conseqüências quase indissociáveis ao período de revoltas são as crises econômicas e em 1848 a situação não seria diferente. A crise se agravou em parte devido à postura das classes mais altas diante da possibilidade de anarquia e de reivindicações socialistas. Empresários se recusaram a abrir novas fabricas e a reinvestir os lucros em seus negócios; o comercio despencou e o desemprego cresceu. O governo provisório tentou contornar a crise emitindo cédulas de menor valor nominal, incentivando a criação de empresas de concessão de credito público e tornando obrigatória a aceitação de notas bancarias. Todos os impostos diretos sofreram aumento de 45%.
Apesar de a inflação ser uma pedra no sapato do governo o desemprego generalizado era um mal maior. Para solucionar o problema do desemprego dois caminhos eram possíveis: o primeiro era a criação das chamadas Oficinas de Caridade - o nome por si apenas já configura uma ofensa - onde os desempregados eram escalados para atividades consideradas de “importância secundaria”, como reparo de estradas e manutenção de prédios públicos. A segunda opção era a criação das Oficinas Sociais onde os próprios operários criariam cooperativas de produção e os trabalhadores poderiam reivindicar seus direitos quando estes fossem negligenciados pelos patrões. Segundo Maurice Agulhon:
“A oficina social apresentava a vantagem de poder, em principio, aplicar-se a todos os trabalhadores (enquanto a oficina de caridade os transformava em trabalhadores de uma mesma especialidade). Por outro lado tinha a desvantagem de ameaçar a propriedade privada. Prevaleceram, portanto, as Oficinas de Caridade, rebatizadas de Oficinas Nacionais.”
O governo provisório estava sob intensa pressão dos Socialistas para que os trabalhadores fossem alvo das medidas governamentais. A criação de um Ministério do Trabalho era a reivindicação mais recorrente na cartilha dos socialistas. No dia 28 ouve protestos sobre a criação do ministério em frente à prefeitura. O ressentimento dos socialistas não era infundado: a participação destes na deposição da Monarquia de Julho havia tido relevante importância para que seus anseios fossem subjugados pelos representantes das demais classes. Os interesses burgueses já estavam garantidos por órgãos ministeriais (Obras públicas, Comercio e Agricultura), mas não havia nada que garantisse a classe trabalhadora. Depois de intensa discussão ficou estipulado que uma “Comissão de governo para trabalhadores” seria criada no lugar de um Ministério do Trabalho. A comissão seria composta em sua maioria por operários e sua sede seria o palácio Luxemburgo.
A criação da “Comissão do Luxemburgo”, como ficaria conhecida, seria uma jogada da Assembléia para se esquivar das reivindicações trabalhistas. Outra medida, cuja finalidade era reduzir a agitação operaria, foi o decreto que estipulava em 10 horas a jornada máxima de trabalho em Paris e em 11 horas nas províncias. Antes do decreto a jornada de trabalho era de 12 horas diárias. Essa seria uma curta e insignificante conquista operaria.
A indiferença da Assembléia aos socialistas aumentou o fosso entre a esquerda e as facções burguesas moderadas, tornando evidente a característica de luta de classes no seio do governo, algo que não poderia manter seu estatus quo por muito tempo. Um horizonte de violência se aproximava trazido pelo vento forte da incerteza e canalizado por ideologias completamente antagônicas. As diferenças não demoraram a se evidenciar e na maioria das vezes essa “expressão de opostos” tem efeitos de natureza colateral cujo grau de violência atinge uma singularidade lamentável.
No dia 26 de fevereiro a pena de morte por motivos políticos foi abolida e decidiu-se pela criação de uma Guarda Nacional móvel, que ao contrario da Guarda Nacional comum seria permanente e seus membros teriam salário. Foi à forma encontrada pela Assembléia de aumentar o efetivo militar da cidade ao mesmo tempo em que afastava os jovens da anarquia dos clubes. As eleições para a Assembléia canalizaram a situação tensa para o confronto aberto. Os socialistas queriam adiar as eleições, marcadas para 9 de abril, pois estavam convencidos de que a maioria da população das demais províncias, principalmente as do campo, optariam por nomes da facção liberal, contrários ao socialismo, pois ainda viam o socialismo como um regime excessivamente radical, embora ainda fosse pouco conhecido. Blanqui insistiu no adiamento e conseguiu que as eleições fossem marcadas para 23 de abril. O adiamento foi por um período tão curto que passou despercebido. Apesar das novas tentativas de adiamento dos socialistas as votações para a Assembléia Constituinte ocorreram na data marcada. Votaram todos os homens com mais de 21 anos.
ASSEMBLEIA CONSTITUINTE
Socialistas e republicanos estavam fadados a derrota uma vez que a influencia destes não ultrapassava os limites de Paris. Em contrapartida o chamado Partido da Ordem – representantes da extrema direita – tinham reconhecimento em todo o território francês. As eleições elegeram 700 deputados do Partido da Ordem; menos de 100 republicanos e socialistas foram eleitos. A constituinte era esmagadoramente moderada. A República foi declarada oficialmente em 4 de maio numa sessão solene da Assembléia. Era a segunda República do país e a nova Assembléia estava empenhada na manutenção da ordem. Embora de forma velada essa “manutenção” deixava implícita uma postura anti-socialista e no mínimo reacionária. A recém criada Assembléia padecia dos mesmos erros físicos que sua antecessora em 1792: dimensões exageradas que favoreciam mais ao atrito político interno do que os debates relacionados ao interesse do povo. Alexis de Tocqueville descreveu o ambiente físico:
“A sala formava um retângulo de tamanho prodigioso; a um extremo encontrava-se a mesa do presidente e a tribuna, nove fileiras de bancos elevavam-se em degraus ao longo das outras três paredes. No meio, em frente à tribuna, estendia-se um vasto espaço vazio que lembrava uma arena de um anfiteatro, salvo que esta era quadrada e não redonda. Assim a maioria dos ouvintes só entrevia de lado aquele que falava, e os únicos que o viam de frente ficavam dele muito distantes: uma disposição singular favorável à desatenção e à desordem, pois os primeiros – mal vendo o orador, mas olhando-se sempre uns aos outros – estavam mais ocupados em se ameaçar e se apostrofar do que em escutar, e os outros por sua vez não escutavam, pois se viam perfeitamente quem ocupava a tribuna, ouviam-no mal. Grandes janelas situadas bem alto da sala abriam-se diretamente para o exterior permitiam a entrada do ar e da luz; apenas algumas bandeiras ornamentavam as paredes (...) o conjunto dava o aspecto de imensidão, e tinha uma fisionomia fria, grave, quase triste.”
A inexperiência do novo governo, assim como a predominância de parisienses em seus núcleos, ocasionou certa negligencia involuntária quanto à situação do campo. Numa repetição do chamado “grande medo” de 1789 os camponeses destruíram linhas ferroviárias e castelos das províncias. Em Paris a situação seguia em ritmo de relativa harmonia. A oposição interna no governo havia encontrado uma forma de coexistência política que acalmou principalmente os socialistas. Era a característica e perigosa calma que antecede as grandes reviravoltas políticas.
De certa forma os próprios socialistas forneceram as armas para sua derrota. Seus discursos estavam cada vez mais focados na abolição da propriedade privada e da hierarquia social. Essas reivindicações eram divulgadas por meio de jornais e clubes com pouco ou nenhum poder político. Apesar da fraqueza política dos socialistas as questões, relacionadas à abolição da propriedade, assustaram tanto a alta quanto a baixa burguesia. Os burgueses sabiam que os socialistas eram a ala mais fraca do governo, mas também sabiam do estrago que uma classe social em ascensão era capaz de fazer. O medo de uma anarquia proletariada levou a burguesia dividida e a população do campo a uma união anti-socialista.
15 DE MAIO DE 1848
O dia 15 de maio seria um divisor de águas na historia da segunda república francesa. Inicialmente a constituinte se encarregou de por fim ao caos administrativo dos ministérios. A presidência seria exercida por cinco membros do governo provisório agrupados na chamada “Comissão administrativa”. Os cinco nomes eleitos para a comissão foram: Lamartine, Arago, Guarnier-Pagès, Marie e Ledru-Rollin. Cavaignac foi eleito para o Ministério da Guerra. A eleição para a comissão e para os ministérios deu seqüência ao afastamento gradual dos socialistas do governo.
O que aconteceu no dia 15 permanece um enigma, o fato e que centenas de manifestantes invadiram a Assembléia em protesto pela miséria da classe operaria. Cerca de 20 mil pessoas cercaram a Assembléia e em dado momento as portas foram arrebentadas e uma multidão de trabalhadores invadiu o local, alguns entraram pelas janelas outros portavam símbolos da Revolução de 1789, como o barrete frigido. A confusão tomou conta do lugar. Alexis de Tocqueville se lembra de ter visto um bando de homens se engalfinhando aos pés da tribuna do presidente. No alto da tribuna vários homens falavam ao mesmo tempo de forma confusa e indistinta. A confusão na tribuna só terminou quando a estrutura começou a estalar debaixo da multidão. Auguste Blanqui foi carregado até a tribuna e no meio da multidão ecoou o grito de “A Assembléia está destituída!”. Foi o pretexto final para a repressão do governo aos operários.
Alguns historiadores acreditam que a segurança da Assembléia não havia sido reforçada justamente como uma forma de convite a transgressão, fornecendo a desculpa para uma repressão armada. Segundo algumas fontes o autor do grito teria sido Aloysius Hubert, um antigo membro da policia monarquista, aumentando as suspeitas de um complô, embora nada realmente substancial possa ser afirmado.
O ataque da Assembléia a classe trabalhadora ocorria em ondas: no dia 20 de maio ouve debates sobre o destino das Oficinas Nacionais terminando com a detenção de alguns militantes socialistas. Era o declínio final dos radicais, “A extrema esquerda estava decapitada” escreveu Agulhon. Em 4 de junho ocorreram eleições complementares a Assembléia. Entre os novos nomes estavam o do poeta Victor Hugo, que optou por assentos à direita, num claro apoio a ala conservadora do governo.
As Oficinas Nacionais funcionaram também como instrumento político, pois seus resultados práticos eram pouco proveitosos a classe operaria. As oficinas afastavam uma parcela da classe operaria dos clubes radicais, em função disto as mesmas tinham apoio dos moderados do governo. O papel das Oficinas Nacionais no controle do radicalismo não era uma suposição correta; como logo se constataria. As oficinas contribuíram para o estabelecimento da noção de uma “classe operaria” o que teria conseqüências muito além dos prognósticos dos moderados. Quando a influencia no movimento operário se tornou evidente a Assembléia resolveu selar seu destino: em 21 de junho a comissão executiva, por meio de um decreto, determinou que todos os trabalhadores com até 25 anos deveriam se incorporar ao exercito. Acovardada sob a sombra de um decreto a Assembléia colocava fim as oficinas.
JUNHO DE 1848: CALCÁRIO E SANGUE
No dia seguinte o decreto foi publicado no Moniteur; em poucas horas irromperam os protestos operários. As autoridades ordenaram que os manifestantes se dispersassem porem a recusa dos operários em seguir essa determinação deflagrou o inicio do tumulto. Centenas de milícias de operários armados percorreram as ruas. Algumas delegações operárias tentaram apresentar exigências a Comissão do Poder Executivo que se recusou a aceitá-las. Diante da recusa os manifestantes prometeram um levante armado para o dia seguinte: 23 de junho de 1848, um dos mais sangrentos da historia da capital. Apesar de alarmada a Assembléia nada fez para impedir a revolta. Talvez seja possível encontrar resposta para a revolta nas palavras de Locke:
“Quando a mão que se emprega no manejo do arado e da enxada, a cabeça raramente se eleva para idéias sublimes ou se exercita em raciocínios misteriosos. Daí não ser difícil concluir ser a classe trabalhadora incapaz de seguir uma ética racionalista. Por isso, o único tipo de ação política empreende fica restrito à insurreição armada; o direito a revolução é nele a única prova efetiva de cidadania, pois não consegue imaginar nenhum outro método para derrubar um governo não desejado.”
Segundo Agulhon o traço marcante das jornadas de junho foi à espontaneidade:
“As jornadas de junho representaram na historia da França a batalha de classes em estado puro – de um modo que nunca tivera paralelo antes, nem depois, até o momento Marx e Engels, estão em Colônia, acompanhando com o mais vivo interesse o desenrolar da revolução na França, e exatamente nessa época elaboraram as bases da teoria da luta das classes como realidade mais profunda da historia. Impossível achar casual a correlação.”
Ao explodir a revolta duas linhas de demarcação, uma geográfica e outra ideológica, surgiram como entrepostos de rivais: seriam burgueses contra operários, seriam os bairros Vermelhos do leste de Paris contra o azul burguês dos bairros do oeste. As condições dos bairros operários eram, para dizer o mínimo, deploráveis. Ruas estreitas com pouca ventilação rodeadas por residências velhas, imundas e com poucas janelas - pois durante a Revolução Francesa havia sido introduzido o imposto sobre portas e janelas, o que diminui significativamente a ventilação na residência dos mais pobres. As ruas possuíam uma leve inclinação para o centro onde uma vala rasa e estreita dava vazão a todo tipo de imundice lançada nas ruas. O fedor era insuportável durante o verão. Apenas uma a cada cinco casas possuía água encanada. Nas esquinas os corpos dos que morriam de inanição ficavam estirados por dias, até que o mau cheiro força-se a atitude dos indiferentes.
Nos dia 23, 24 e 25 de junho os becos e vielas dos bairros pobres de Paris se converteram em autênticos abatedouros. Durante três dias a capital dos franceses teria suas ruas regadas por “sangue vermelho”. Nas primeiras horas da manhã do dia 23 as primeiras barricadas foram erguidas. Na Place de La Bastille um militante chamado Pujol incitou os 20 mil operários ali reunidos a revolta. Não poderia haver local mais simbólico para o ato, pois a Place de La Bastille era o coração do bairro operário Saint-Antoine, um dos mais violentos da capital. Alexis Tocqueville alegou em suas memórias ter visto barricadas serem erguidas nas proximidades da igreja Madeleine e do Hôtel de Ville.
As barricadas eram erguidas com todo o entulho encontrado pelos operários: moveis velhos, carroças, tambores cheios de terra, telhas, portas e principalmente por blocos de calcário que pavimentavam as ruas formando verdadeiras muralhas nas ruas estreitas dos bairros do leste. A quantidade de entulho era tão grande que os tiros de canhão de pequeno calibre eram simplesmente absorvidos pela massa de destroços. Alexis Tocqueville presenciou a construção de uma destas barricadas:
“As barricadas eram construídas com arte por um pequeno número de homens que trabalhavam diligentemente, não como criminosos premiados pelo temor de serem surpreendidos em flagrante delito, mas como bons operários que querem terminar sua tarefa, rapidamente e bem. O público olhava-os placidamente, sem desaprovar ou ajudar. Desta vez não encontrei em lugar algum aquela espécie de agitação universal que havia visto em 1830 e que, então, tinha me feito comparar toda a cidade a uma vasta caldeira em ebulição. Agora o governo não era derrubado: caía.”
A mais gigantesca de todas as barricadas era a da Place de La Bastille, que fechava a entrada do bairro Saint-Antoine e chegava altura de um prédio de três andares. Algumas casas haviam sido demolidas nas proximidades e o entulho foi usado para erguê-la. O poeta Victor Hugo classificou a barricada da Place de La Bastille como “acrópole dos pés descalços.” Outra gigantesca barricada era a da Rue Du Temple construída com blocos de calcário possuía uma simetria assustadora e lembrava as antigas muralhas das fortalezas medievais. Ao longo da Rue du Faubourg Saint-Antoine até o cruzamento da Rue Picpus, mais de vinte barricadas foram erguidas num espaço de cinco quarteirões. Ao longo da Rue du Temple haviam outras 14. Nas ruas a oeste do Hospital Salpètriere, no perímetro entre as ruas Saint-Jacques e a Place Valhubert, havia mais de cinqüenta barricadas. Nas memórias de Alexis Tocqueville está registrado:
“Durante a jornada, não avistei em Paris um único dos antigos agentes da força pública, um soldado, um gendarme, um agente da policia; a própria Guarda Nacional tinha desaparecido. Somente o povo portava armas, guardava os lugares públicos, vigiava, comandava, punia; era extraordinário e terrível ver exclusivamente nas mãos dos que nada possuíam toda a imensa cidade cheia de tanta riqueza.”
Na Assembléia reinava a confusão; pouco se sabia sobre as reais condições de Paris e poucos ousaram propor medidas para acabar com a revolta. Membros da Comissão Executiva alegaram aos deputados que a revolta seria sufocada até a noite. Durante a sessão da tarde do dia 23 chegaram noticias que contrariaram duramente as expectativas dos membros da comissão: disparos partiram das barricadas contra os soldados de Lamartine e dois membros da Assembléia haviam sido mortos ao tentarem se aproximar de uma barricada para negociar. A Assembleia, que tanto havia esperado pelo momento de confrontar abertamente os radicais, tinha agora um motivo claro.
Alguns historiadores acreditam que a violência emanada da revolta foi decorrente da paixão com que os opostos defendiam suas ideologias. Os burgueses acreditavam de fato que sua posição social e suas propriedades eram edificadas sobre algo que hoje chamaríamos de mérito próprio. Os trabalhadores estavam firmes de que suas reivindicações representavam a verdadeira justiça social. Danos de natureza colateral sempre decorrem do choque entre opostos, a única variável e sobre a escala de violência emanada do evento.
Por volta da meia noite, o general Cavaignac, então Ministro da Guerra, anunciou na Assembléia que a Comissão Executiva havia lhe repassado por decreto o comando militar da cidade e que para acabar com a revolta ordenou que regimentos da Guarda Nacional nos arredores de Paris marchassem para a cidade. Na pratica o decreto dava ao general poderes quase ditatoriais, a cidade havia sido declarada em estado de sitio. Voluntários de diversas partes do país, camponeses, nobres, burgueses e padres marcharam até Paris para ajudar na repressão contra os socialistas. Tocqueville deixou a sessão por volta da uma da manhã e observando a cidade enquanto atravessava a Pont Royal mal pode acreditar no silencio reinante nas ruas:
“Tive dificuldade em me persuadir de que tudo o que havia visto e ouvido desde a manhã era realidade e não uma pura criação de meu espírito. As praças e as ruas que atravessava estavam absolutamente desertas; nenhum ruído, nenhum grito (...)”.
O amanhecer, no entanto, não seria tão tranqüilo:
“Quando despertei” - escreveu Tocqueville - “já era tarde, o sol pairava havia algum tempo sobre o horizonte (...) ouvi um som metálico e seco, que fez tremer os vidros e extinguiu-se imediatamente no silencio de Paris: ‘o que é isso?´, perguntei; e minha mulher respondeu-me:´é o canhão; faz uma hora que estão atirando; não achei conveniente acordá-lo, pois hoje, sem duvida, necessitará de todas as suas forças”.
Naquela altura a Assembléia já estava cercada por soldados da Guarda Nacional. Na Place de La Bastille o arcebispo Denys Affre tentou se aproximar da barricada segurando um galho de arvore com folhas verdes – símbolo de paz - quando os insurgentes ouviram disparos acreditaram que se tratava de uma armadilha e revidaram. No fogo cruzado o arcebispo acabou atingido por uma bala perdida. Morreria devido ao ferimento no dia 27 de julho.
No dia 25 os combates seguiram a mesma violência dos dias anteriores; algumas ruas estavam cobertas pelos corpos de operários mortos pelos canhões do general Cavaignac. O método clássico usado para tomar as barricadas consistia em desgastar os revoltosos forçando os a realizar disparos. Quando os disparos reduziam era sinal de que a munição estava no fim e era nesse momento que o assalto final era realizado. Os soldados posicionavam dois canhões – um com munição de metralha e outro com munição solida de chumbo. A munição de metralha – chamada de tiro de dispersão – consistia em uma bolsa de pano recheada por esferas pequenas de chumbo, um pouco maiores que a dos mosquetes e que ao serem disparadas criavam uma chuva de projeteis. A metralha era direcionada para o topo da barricada, forçando os que a defendiam a se concentrar na parte mais inferior; enquanto isso a munição solida era utilizada para fazer a parte superior desmoronar, facilitando a escalada dos soldados da Guarda Nacional.
Para esse tipo de combate os canhões mais utilizados eram de doze ou nove libras, armamento padrão da artilharia francesa. Cada canhão era carregado com 3 libras de pólvora granulada e era capaz de penetrar de 3 a 4 cm de madeira solida. O canhão de 18 libras, usado contra alvos maiores e mais distantes, era particularmente terrível. Em alguns casos a munição explosiva era utilizada, lançando uma chuva de estilhaços da própria barricada contra seus defensores causando mais mortes do que os disparos diretos.
Ao anoitecer a munição era escassa e a revolta dava sinais de esgotamento. Paris já estava abarrotada de Guardas Nacionais burgueses a espera da ofensiva final. Nas primeiras horas da manhã do dia 26 as barricadas foram atacadas por assaltos diretos: uma a uma elas foram tomadas; as ruas começaram a ficar tomadas de corpos tanto dos defensores como da Guarda Nacional. Cerca de 1600 pessoas, em sua maioria da classe operaria, foram mortos nas ruas. As 11h da manhã as últimas barricadas foram tomadas. A revolta chegava ao seu fim trágico, o grito operário sufocado pelo poder superior da burguesia parisiense. A ideologia que se acreditava ter morrido nas barricadas ressurgiria com uma força inimaginável algumas décadas mais tarde; a Comuna de Paris seria ainda mais sangrenta. Segundo Tocqueville:
“insurreição de junho, a maior e a mais singular que teve lugar na nossa historia e talvez em qualquer outra: a maior, pois durante quatro dias mais de 100 mil homens nela se engajaram, e cinco generais pereceram; a mais singular, pois os insurgentes combateram sem gritos de guerra, sem lideres, sem bandeiras e, não obstante, com um conjunto maravilhoso e com uma experiência militar que assombrou os mais antigos oficiais. O que distinguiu ainda, entre todos os acontecimentos do gênero que quase se sucederam nos últimos sessenta anos na França, foi que ela não teve por objetivo mudar a forma de governo, mas alterar a ordem da sociedade. Não foi, para dizer a verdade, uma luta política (no sentido que até então tínhamos dado a palavra), mas um combate de classe (...)”
-FIM DA PARTE I -
AUTOR: TIAGO RODRIGUES CARVALHO
FONTES:
- 1848 O aprendizado da República - Maurice Agulhon
- Lembranças de 1848 - Alexis Tocqueville
- A historia secreta de Paris - Andew Hussey
- O 18 de Brumario de Luís Bonaparte - Karl Marx
- Manifesto do Partido Comunista - Karl Marx e Friendrich Engels
- A era do Capital - Eric Hobsbawn
- A era das revoluções - Eric Hobsbawn

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