domingo, 27 de novembro de 2016


“Ela devia estar completamente esgotada. Não lutava apenas no processo. Lutava sempre e sempre tinha lutado, não para mostrar do que era capaz, mas sim para esconder o que não sabia fazer. Uma vida cujos avanços consistiam em retiradas energéticas e cujas vitorias consistiam em derrotas secretas.”
- Bernhard Schlink
A obra “O leitor”, do escritor alemão Bernhard Schlink, meche um pouco com uma questão, que a meu ver é bastante significativa, que é a superestimação do julgamento moral. A convenção humana mais falsamente aceita pela maioria esmagadora da população é a de que nossa sociedade funciona a partir de conceitos morais.
A obra é mundialmente conhecida e apreciada. Trata-se da historia de um adolescente chamado Michael Berg, de 16 anos, que se envolve casualmente em uma relação amorosa com Hanna Schmitz, uma mulher misteriosa de 36 anos. A relação dos dois segue uma rotina: todos os dias Michael sai mais cedo da escola e se dirige para a casa de Hanna. Lá os dois primeiramente tomam banho juntos, em seguida Michael lê um livro para Hanna e em seguida os dois fazem sexo.
Hanna é uma mulher bruta, sensual, forte, pouco carismática, mas ainda sim sedutora. Ela trabalha como cobradora de bondes mora sozinha em um pequeno apartamento na cidade de Neustadt, localizada na Alemanha ocidental. A historia se inicia no ano de 1958.
Um belo dia Hanna desaparece. Michael a reencontra anos mais tarde - ele como estudante de direito e ela como ré em um julgamento de crimes de guerra. Hanna havia servido durante a guerra em um campo de concentração. Ela havia sido integrante da SS – a força de elite nazista responsável pela guarda dos campos. Durante uma evacuação cerca de trezentas prisioneiras foram queimadas vivas dentro de uma igreja durante um bombardeio. As guardas optaram por deixar as prisioneiras trancadas dentro da igreja em chamas para evitar que escapassem. Entre essas guardas estava Hanna.
Este texto não é um resumo do enredo de “O leitor”. Trata-se de uma avaliação critica que surgiu após o termino da leitura. Hanna possui um segredo que explica a natureza de seu comportamento. Obviamente que não direi qual é esse segredo. Não retirarei do leitor a emoção de descobri-lo sozinho.
A conscientização da importância da ética como ferramenta social obviamente representou um progresso no sentido em que deu aos indivíduos uma espécie de pluralidade de perspectiva social. Por outro lado essa incorporação de valores éticos naturalmente parece ter legitimado uma forma mais estúpida, e eu diria mais recorrente, de invocar valores morais no sentido de expor as falhas do outro.
Na excelente adaptação cinematográfica da obra, lançada em 2008 – com a vencedora do Oscar, Kate Winslet no papel de Hanna Schmitz, existe uma cena - que não existe no livro - onde a personagem de Hanna faz um comentário negativo sobre uma passagem da obra “O amante de Lady Chaterley”. O interessante é que ela vê a descrição bruta que o autor faz do ato sexual como algo repulsivo e vergonhoso, como se aquilo não fizesse parte da sua realidade. A própria personagem alimenta a hipocrisia social de condenar no outro aquilo que faz na sua intimidade. É como se a moral funciona-se como um escudo onde não apenas se espelha a “imoralidade” alheia, mas também se oculta à própria “imoralidade”.
A primeira questão polemica do texto é o relacionamento de Hanna com um garoto adolescente. Para a maioria dos leitores esse relacionamento desencadeia um processo de desconstrução do caráter de Hanna justamente porque explora, num primeiro momento, o julgamento moral de cada um. A imagem de uma pervertida sexual é logo invocada sem que se preocupe com uma avaliação mais criteriosa. Basicamente é aquela velha história de “a primeira impressão é a que fica”. Essa pré elaboração de uma opinião a partir de um único fato é tão forte que quando a personagem começa a ser julgada por crimes de guerra ela praticamente já foi condenada moralmente pela maioria dos leitores.
O julgamento que o leitor submete Hanna se encontra atrelado a uma avaliação moral do comportamento. A pratica precede a norma jurídica. O fato de se contar atualmente com leis que restringem o comportamento entre adultos e adolescentes para alem dos limites sexuais significa que esse tipo de relacionamento já existia no passado. A responsável por empurrar esse tipo de relação para a esfera do reprovável é a aceitação da ética.
Hanna Schmitz é a imagem daquilo que toda sociedade busca: um culpado. Sempre se buscam exemplos daquilo que se reprova como se o que é considerado certo só fosse plenamente compreendido se fosse confrontado com seu conceito antagônico. Ambivalência é a palavra que define hoje a construção de um conceito que não é considerado isoladamente, mas sempre em relação ao seu contrario. Um conceito é sempre aceito como uma unidade, mas sempre se expressa de forma dialética.
A idéia de distinção é muito forte num grupo social. Distinção por critérios econômicos, ideológicos, de raça, por ocupação ou de crença são costumes perenes. É natural, portanto, que nesse contexto surgi-se alguma forma de distinção pelo comportamento, que no caso do romance “O leitor” seria o envolvimento amoroso de uma mulher, já na casa dos trinta, com um adolescente.
Eu diria que o fato de Michael ter apenas 15 anos não é algo tão determinante para que se faça a condenação moral da personagem. O grau de repúdio seria o mesmo se ele tivesse 18 e ela 38 anos. A questão aqui é a diferença de idade e não a questão legal da relação. Esse incômodo social com relação à diferença de idade entre duas pessoas que se relacionam é nada mais que um exemplo claro de que coletivamente o que importa é uma avaliação quantitativa e não qualitativa do comportamento.
As pessoas estão tão acostumadas a atribuir valores a tudo que elas se esquecem que num relacionamento o que importa é a qualidade dessa relação e não fatores numéricos. Talvez seja por isso que existam tantos casamentos indo por água abaixo e tantos casais infelizes em sua união “moralmente adequada”. Talvez se nos permitíssemos abandonar o peso do julgamento moral isso de alguma forma nos liberta-se de pelo menos uma das inúmeras falhas que nós como seres humanos cometemos.
A figura de Hanna é tão predominante que em nenhum momento se questiona sobre o papel do próprio Michael naquele tipo de relação. É importante avaliar não apenas a relação em si, mas também o papel de cada uma das partes envolvidas. Em primeiro lugar trata-se de uma interação consensual, portanto, não se configura abuso. Em segundo não se pode caracterizar nenhum dos envolvidos como “criança”, portanto são pessoas perfeitamente conscientes do que fazem.
Se pensarmos, portanto, que numa sociedade de direito onde o julgamento moral e mais adotado que aquele estritamente legal, então o próprio Michael é tão culpado quanto Hanna, pois trata-se de um adolescente que embora não possa ser responsabilizado por suas atitudes ainda assim compreende as implicações das mesmas. Logo se age conscientemente contra a moral disseminada em seu meio é tão amoral quanto Hanna. Talvez fosse muito mais valido questionar, por exemplo, que na maioria dos casos uma relação entre pessoas com uma diferença de idade muito grande acabe caminhando numa forma de interação muito superficial e basicamente resumida a satisfação sexual. A meu ver isto sim configura um aspecto negativo desse tipo de relação, claro que não do ponto de vista legal, mas porque se resume a uma troca que satisfaz mais que não beneficia nenhuma das partes.
Eu diria que as pessoas ainda não compreendem bem a diferença entre satisfação e beneficio. Uma relação não pode ser resumida a pura satisfação; algum grau de beneficio deve surgir. O beneficio a que me refiro não é material e sim abstrato, seja na forma de algum aprendizado como, por exemplo, aprender a aceitar as diferenças do outro ou perceber, mesmo que de forma dolorosa, que não somos capazes de satisfazer plenamente uma pessoa em todos os aspectos. Em algum ponto nos falhamos, por isso os relacionamentos são tão difíceis porque é através deles que enxergamos nossos limites.
A questão da culpa alemã é outro aspecto polemico trazido à tona pelo autor. O julgamento de crimes de guerra, que ocorre mais ou menos no meio do texto, coloca essa questão em debate. Surge o tema da importância de se punir os culpados. É claro que ninguém é favorável a impunidade. Quem sabe alguns nomes ligados a política o sejam, mas a grande maioria da população não é.
O regime nazista cometeu inúmeras atrocidades, não há duvidas quanto a isso. Ver um nazista no banco dos réus é quase como se a sentença já houvesse sido promulgada. O julgamento em si aparece como mera formalidade. Não hesitaríamos em nenhum momento em condenar um ex carrasco de Auschwitz. É por que não hesitaríamos? Porque nosso julgamento moral nos impede de olhar a questão de forma mais ampla.
O habito de julgar o comportamento do outro por meio de valores e crenças pessoais nos leva a extrapolar e generalizar os dados que um único fato pode fornecer. Trata-se de uma sistematização da suspeita: pega-se um fato e o julga de forma isolada, uma espécie de análise morfológica do comportamento. Algumas palavras são substantivos se observadas isoladamente, mas dentro de uma frase podem se tornar verbos, assim como um comportamento pode tanto significar um ato de extrema covardia como um ato inconsciente.
A maioria de nós se esconde atrás do escudo da moralidade sem que se permita enxergar que ela não é um recurso, mas o refugio para nossas fraquezas. O que é ser ético atualmente? É corresponder a expectativa social! É onde encontro espaço para minha espontaneidade diante disto? Devo seguir um caminho só porque ele carrega as marcas das pegadas dos outros? Sinto muito se esses grifos de percurso não me servem como guia. De que me serve seguir os mesmos caminhos sempre? Eles não possuem o prazer da descoberta, eles apenas levam ao mesmo destino de tantos outros. O paradigma da moral é o que nos leva a cometer falhas quando ousamos julgar um tempo que não foi o nosso. O tempo passa e arrasta com ele as oportunidades de corrigir seus erros. Julgar o passado é impossível! Os mortos não querem justiça, eles querem paz. Justiça é algo que se busca em vida... depois de morto ela não significa mais nada.
Quando passamos a enxergar o predomínio da postura critica durante a leitura e posteriormente avaliamos nossa postura em retrospecto a imagem que temos é a de um julgamento constante, contra tudo e contra todos, e isso de alguma forma nos mostra que a história real, e não aquela fabricada por ideologias é aquela onde a culpa se dissemina por todas as camadas sociais, sem respeitar diferenças de idade, diferenças culturais ou de raça. No fim, de alguma forma, somos todos culpados.
Pessoalmente o comportamento privado das pessoas não me interessa. Confesso que talvez ele me intrigue, mas não me interessa assim como não acho que um comportamento sexual diferenciado possa servir como rotulo social ou como uma espécie de termômetro moral. Erotismo é algo que não pode e nunca ira se alinhar com a moral coletiva. Isto porque o erotismo está fortemente relacionado à transgressão, a inversão radical do comportamento social. A nudez é algo quase fundamental no erotismo, mas não se pode simplesmente sair às ruas e ir ao trabalho sem roupas. A própria linguagem do ser social precisa ser polida, contida, clara. Já no erotismo a linguagem é obscena, bruta, vulgar. Não se pode avaliar socialmente o individuo a partir do que ele faz na sua privacidade.
O que torna o comportamento de Hanna incompreensível, não apenas em relação aos crimes, mas também quanto ao estilo de vida que ela abraçou e que obviamente cria muitos problemas para ela própria, é que sempre que analisamos um fato qualquer nós, por antecipação, aceitamos a idéia de que toda ação se fundamenta em um motivo. Basicamente é a analise que se constrói por meio da relação de causa e conseqüência. Analisar o nazismo por estes termos é algo comum, ainda que de pouca validade, pois não existem motivos para justificar a brutalidade do nazismo. Essa postura analítica praticamente define o comportamento de Hanna como inexplicável. Isso ocorre porque estabelecer uma conexão valida entre o motivo da ação e a ação propriamente dita não é uma tarefa simples. Primeiro porque ainda que cheguemos a uma conclusão ela será sempre passível de questionamentos; e segundo e que o conceito de motivo como fundamento da ação é falho.
A sociedade contemporânea possui inúmeros exemplos de que a ação é na maioria das vezes uma etapa para um objetivo, particular, que transcende aquilo que a ação afirma ter como meta. É comum vermos analfabetos políticos, por exemplo, no meio de manifestações políticas. Neste caso sua presença ali não ocorre por simpatia com as propostas de reivindicação, mas por algum motivo particular que foge da esfera da política.
Quanto à personagem Hanna o autor não fornece muitas informações sobre o seu passado, o que impede uma busca efetiva pelo real motivo de suas ações. Esse é um aspecto muito interessante do texto porque à medida que o autor se exime da responsabilidade de construir em detalhes o passado de seus personagens ele abre precedentes para uma serie de interpretações e conjecturas e isso promove um resgate constante do texto como elemento de debate nos grupos de leitura. Hanna parece ter sofrido algum tipo de violência sexual durante a guerra pois sua relação com Michael é de subordinação, quase que uma determinação em retratar o amor como algo tosco e descartável.
A obra possui um substrato tão amplo que é possível colocar em relevo até mesmo a questão da antinomia das leis, ou seja, da contradição das leis. A lei seria aplicável a todos com igual rigor. Na pratica não é bem assim. Essa falha da pretensão jurídica em julgar a todos com a mesma cartilha, a revelia das considerações individuais de cada caso, acaba promovendo uma injustiça justamente por aqueles encarregados de serem justos.
Uma serie de perguntas interessantes surgem após a leitura: Somos suficientemente instruídos acerca de um individuo a ponto de sermos capazes de julgar suas atitudes? O passado pode ser corretamente interpretado pelo presente? É possível corrigir o passado? É correto combater a crueldade com a injustiça? Quando o segredo de Hanna finalmente é revelado alguns podem até questionar a relevância desse fato quanto aos crimes da acusada. Fica de fato muito difícil vislumbrar o impacto desse segredo no comportamento de Hanna se você não for capaz de considerar os inúmeros desdobramentos que esse segredo teria na vida de qualquer pessoa.
Guerras são eventos que promovem a escassez nas opções de sobrevivência. Caso você se encontre na mesma situação que a própria Hanna essas opções se tornam ainda menores. O caráter de uma pessoa pode ser determinado por seu grau de instrução? Em muitos casos sim! Isso não significa que uma pessoa que não tenha doutorado ou uma formação acadêmica não possa ter um bom caráter. Existem indivíduos sem nenhum conhecimento acadêmico que são exemplos de humanidade. Mas é inegável o papel da instrução na formação de uma pessoa. Como diria Isaac Azimov “se o conhecimento nos cria problemas não é com a ignorância que vamos resolve-los”.
Acho que a grande proposta do autor é reavaliar nossa postura critica diante de nossos semelhantes. Como em muitos casos julgamos erradamente um tempo que não era e nunca será o nosso. A vida em sociedade fez do homem um animal ávido por critérios de distinção. A separação entre grupos opostos, em termos morais, amplia as possibilidades de eliminação de um destes grupos por meio do incremento constante da hostilidade entre eles. Uma vez eliminado o grupo “vencedor” abre espaço para a introdução de adicionais valorativos em seu núcleo. Novas distinções são criadas, novos grupos são definidos e novamente a violência se encarrega de definir quem fica e quem sai. É assim que a espécie se “purifica” e se adapta. O que diria hoje Charles Darwin se ele pudesse ver sua teoria sendo demonstrada em termos tão irracionais? Seria ele, de alguma forma, convencido de que não apenas o homem e o macaco possuem um ancestral comum, mas que o ultimo representa uma forma infinitamente mais evoluída que o primeiro?
Ao se envolver com Hanna, Michael começa a tomar consciência tanto do valor da relação de envolvimento com outra pessoa como também de suas regras. Esse é um processo natural em adolescentes. Ao se identificar com um grupo especifico o adolescente tende a valorizar mais os valores do grupo que os de si próprio. A lealdade, nesse contexto, surge como uma das mais importantes características do grupo.
É impossível olhar a vida de forma racional. Olhar racional é determinista e a vida é contingente. Os eventos podem se desenvolver de inúmeras formas aleatórias. Se a vida não pode ser objeto da razão, dada a inobservância de uma relação de causa e conseqüência bem definida e pelo predomínio do relativismo, ou seja tudo depende do ponto de vista, como e possível definir o que é certo e o que é errado? Como é possível estabelecer os limites de um comportamento que quando extrapolado se torna loucura? Posso ser louco pelo olhar de alguém e gênio pelo olhar de outro. Como saber qual imagem é a correta?
A palavra “moral” vem do latim “moris” que significa “maneira de se comportar regulada pelo uso”. Ética e moral não são sinônimos. Ética pode ser definida como uma espécie de filosofia da moral enquanto a moral seria o desdobramento teórico e pratico de como a ética é assimilada coletivamente. Por isso a moral e tão pouco diversificada, ela não e construída individualmente, mas de forma coletiva. O comportamento ético é fundamental para a atividade humana. Como seria se cada um agisse apenas por suas próprias vontades? Mas o fato é que existem limites quanto à invocação dos valores morais. Não se pode adotar um valor coletivo para julgar uma ação individual porque o comportamento individual não e orientado pela moral constituída, mas pela realidade do momento.
São inúmeras as variáveis que orientam o comportamento humano – tempo, meio, momento histórico – a moral é apenas uma constante nessa equação. O paradigma nos mostra que a moral possui prazo de validade. Ela muda como conjunto de valores a medida em que mudam-se as necessidades do meio social que ela se insere. Vista por estes termos fica difícil enxergá-la como uma evolução nas relações humanas. Trata-se apenas de uma ferramenta que limita a liberdade de ação individual. Uma prisão no qual aprisionamos a nos mesmos de livre e espontânea vontade. Por que a moral pode ser considerada como uma chaga social? Porque ela não possui uma consciência moral como amparo. Não é critica, pelo contrario, é aceita sem questionamento. Pessoas conscientes de seus próprios pecados são mais humildes. São pessoas com uma expressão moral neutra. O caráter permissivo de cada um não lhes parece um motivo valido para que apontem o seu dedo e decretem sua sentença. Os puritanos e moralistas invocam a moral cristã para legitimar sua própria hipocrisia. Parecem ignorar que o próprio Jesus se cercou daqueles ditos imorais: ladrões e prostitutas.
Porque existe a necessidades de julgar o próximo? O que torna esse comportamento tão irresistível? A vaidade. A autopromoção, o elogio fabricado por si mesmo, a auto-avaliação feita diante do espelho, a pura e simples vaidade. Sentimos o desejo incontrolável de sublinhar nossos pontos positivos, nossas supostas virtudes. A beleza se torna mais clara diante do repulsivo, o virtuoso se torna mais grandioso diante do imoral. De novo a velha formula de conceito que se constrói por sua expressão contraria. A vaidade fez do homem um juiz eterno que aplica a tudo e a todos o crivo torpe de sua auto avaliação.
O obra “O Leitor” é um texto fácil de ser lido e difícil de ser digerido. Foi uma das mais expressivas experiências literárias que já tive. Uma obra magnífica, cativante e profunda. Hanna Schmitz tornou-se para mim uma das personagens mais impressionantes da literatura. Ela não foi apenas uma entre centenas de carrascos do Holocausto, foi também uma vitima do nazismo! Ela representa aquilo que faz dos humanos seres primitivos: Carentes por atenção, reféns de seus desejos, brutos em seus modos e sempre mais conscientes de seus limites do que de seus atos.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
Autor: Bernhard Schlink
Editora Record
Ano 2009
Assunto Literatura Estrangeira-Romances
Idioma Português
TRAILER DO FILME DE 2008

sábado, 26 de novembro de 2016

O FANTASMA DA ÓPERA


O “Fantasma da Ópera”- “Le Fantôme de l'Opéra” em francês - é um clássico da literatura mundial que ganhou destaque nos últimos anos graças ao musical de Andrew Lloyd Webber e do filme de 2004 dirigido por Joel Schumacher. Escrito por Gaston Leroux e lançado em 1905 a história se passa na Paris do final do século XIX, ou mais precisamente na belíssima Ópera Garnier.
Tudo começa quando o corpo de um funcionário é encontrado com marcas de enforcamento em uma das dependências da ópera e imediatamente surgem rumores sobre o suposto fantasma. Uma estranha e misteriosa figura parece habitar os subterrâneos do edifício. De tempos em tempos eventos estranhos acontecem sem que possam ser explicados. Um sinistro envelope com um bilhete escrito em tinta vermelha exige dos novos administradores da opera o pagamento de uma mensalidade e que o camarote de numero 5 nunca fosse alugado. Intrigados os administradores Armand Moncharmin e Firmin Richard resolvem não atender as exigências e é ai que o enredo começa a se desembrulhar em acontecimentos cômicos e trágicos.
A ópera Garnier de Paris sempre foi um monumento cercado de mistérios. Foi a 13ª casa de opera construída na cidade – um número carregado de superstições. As obras foram interrompidas durante o trágico cerco prussiano a Paris em 1871 e durante a sangrenta comuna. A construção se estendeu a vários metros abaixo do solo o que provocou infiltrações de água em suas fundações. A água foi mantida pelos engenheiros e algumas paredes foram impermeadas para represá-las. Um lago artificial de fato existe nos porões da Ópera Garnier e a existência desse lago deu vazão a inúmeras lendas.
A historia do “Fantasma da Opera” é um mito, mas o autor, Gaston Leroux, constrói o texto de forma a convencer o leitor de que se tratou de um acontecimento real. O ponto negativo da edição da editora LePM é a ausência de um texto introdutório que aborde o contexto histórico no qual a obra foi escrita. Uma falha grave a nível editorial!
O enredo é linear o que permite que os personagens adquiram profundidade, mas isto não acontece! Não existe um arco evolutivo, os personagens não se desvinculam da imagem inicial, eles são excessivamente planos, rasos e isto de certa forma parece corresponder à intenção do autor em humanizar a figura do fantasma em detrimento dos demais personagens. É a clássica narrativa que trabalha sobre a ideia de os vivos serem mais perigosos que os “mortos”.
Ao contrario do que pode parecer essa ausência de profundidade funciona bem para o enredo do “O Fantasma da Ópera”, que não tem a pretensão de criar uma obra de caráter psicológico muito profundo. Personagens muito densos dentro dessa moldura poderiam resultar em um texto muito arrastado - de fato existem momentos maçantes, mas nada que resulte numa avaliação muito negativa.
Os aspectos que me desagradaram nesta obra não foram poucos, embora isso não retire o seu mérito. Em primeiro lugar fica a sensação de que o espaço físico onde se passa a historia - a ópera Garnier - não foi bem aproveitado. A narrativa foca muito em alguns diálogos desnecessários e deixa de explorar a geografia de onde o enredo se desenvolve.
Outro ponto que me desagradou foi à forma banal como o autor tratou do episodio da queda do famoso lustre. A historia supostamente foi escrita inspirada em um acontecimento real: o lustre de varias toneladas desabou depois que seu cabo de sustentação se rompeu durante uma apresentação. Algumas pessoas ficaram feridas e uma morreu – exatamente a mulher que estava no assento de numero 13.
Esse acontecimento trágico não teve o destaque que se espera de um fato que motiva o surgimento de uma obra. Fica a sensação de que foi um ato banal, um mero preenchimento de fundo para uma história bem menos interessante, e em alguns momentos bastante irritante: o romance de Raoul, visconde de Chagny, e Christine Daaé, a soprano por quem o fantasma nutria um amor platônico.
Raoul é de longe o personagem mais insuportável do texto. Sua obsessão pelo misterioso “Anjo da musica” irrita até mesmo o mais paciente dos leitores. O problema com relação ao romance entre os dois personagens e que o leitor parece sempre tangente a essa relação. Não existe uma ligação convincente para amor que eles encenam, embora possuam uma ligação que remeta ao passado de ambos.
O livro começa muito bem, o autor soube trabalhar o clima de mistério das primeiras paginas nas quais a figura do fantasma é construída através das conversas de bastidores dos artistas da ópera. Isso funciona bem em textos do gênero onde o leitor deve ser seduzido pelo mistério logo nas primeiras paginas.
O personagem do fantasma adquire algumas camadas de personalidade a partir da segunda metade da obra. Neste aspecto o autor acertou em cheio ao deixar sua historia para o final, pois isto alimenta aquele mistério que é o combustível natural de enredos do gênero.
Um fato intrigante é a oposição entre a avaliação que os personagens fazem e a do próprio autor com relação ao fantasma. A todo o momento ele é descrito como um monstro, um ser repulsivo, um assassino, mas o que o próprio autor parece querer dizer é o oposto disto. Essa busca por humanizar um ser, que para muitos pertence ao mundo dos mortos, pode ser um foco interessante de interpretação psicológica do significado da obra.
O texto perde um pouco desse fôlego após alguns capítulos iniciais e passa a oscilar entre trechos interessantes e empolgantes e outros nada interessantes e muito pouco emocionantes. Apesar de todas as falhas é um texto que vale a pena ser lido principalmente por seu desfecho que apesar de triste consegue retratar bem os propósitos de uma bela ópera.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
O FANTASMA DA OPERA
Autor: LEROUX, GASTON
Tradutor: FEIX, GUSTAVO DE AZAMBUJA
Editora: L&PM EDITORES
Ano: 2012
Nº de Páginas: 336

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