“A arte é o coeficiente individual do erro (...) no esforço de atingir a expressão da forma.”
- W. Sickert
“O que caracterizava sua obra como um todo é seu excesso, excesso de força, de nervosismo, a violência de expressão.”
- Albert Aurier
A religião deixa um vazio que a ciência, apesar de sua lógica, não consegue preencher. Seria a arte a única capaz de ocupar essa lacuna da típica inconstância da alma?
O mundo humano é predominantemente simbólico. Nossa forma de comunicação, escrita ou verbal, se baseia em relações de semelhança, arbitrariamente definidas, entre o objeto e seu signo linguístico. O que torna a arte, sobretudo as visuais, uma forma única de expressão inconsciente da psique humana é justamente a liberdade que o artista tem em redefinir essas relações de semelhança entre o objeto real e a imagem que se faz dele através de diferentes perspectivas.
A história da arte não poderia ser escrita senão por aqueles, que de alguma forma, ousaram distorcer a realidade por meio de seus traços e suas cores. Vincent Van Gogh, o “gênio louco” como também é conhecido, se tornou um dos mais fascinantes representantes das artes visuais de seu tempo. O garoto estranho, de cabelos ruivos flamejantes, “teimoso”, “desobediente” e de “temperamento difícil” não era nada promissor aos olhos de seu pai, um rigoroso pastor protestante. Ninguém poderia imaginar que aquela existência sem raízes da sua juventude culminaria num artista incompreendido que pintava uma realidade individual e ao mesmo tempo abstrata.
Após vários anos de pesquisa, Steven Naifeh e Gregory White Smith concluíram aquela que já esta sendo chamada de a biografia definitiva sobre o “poeta dos ciprestes e girassóis”. Em
“Van Gogh, a vida” eles apresentam um imenso quadro descritivo sobre a vida de um das mais intrigantes personalidades da história da arte. A obra causou polemica, principalmente na Holanda, devido à proposta ousada dos autores de questionar o suicídio de Van Gogh, alegando que o ato teria sido acidental.
Apesar dessa proposta contra-factual a obra é sem duvida uma das mais belas e bem escritas biografias já lançadas. Através da imensa quantidade de correspondências trocadas entre Vincent e seu irmão Theo, Naifeh e Smith pintam um quadro absurdamente realista da vida assolada por tragédias desse gênio que sempre admirou da beleza da luz, mas que habitou na escuridão indescritível do inconsciente.
A obra, ricamente ilustrada, aborda o relacionamento difícil de Vincent com o pai, suas obsessões religiosas, a reprovação materna, a indiferença dos parentes, a vida oscilante entre os bordeis parisienses e o ateliê de pintura, a revolução artística representada pelo Impressionismo, seus relacionamentos amorosos, suas repentinas crises epiléticas e depressivas, as constantes internações nos hospitais psiquiátricos até o seu suicídio na tarde de 29 de julho de 1890.
Em
“Van Gogh, a vida” temos o retrato de um homem que ao mergulhar numa espiral de auto-reprovação terminou como espectador de sua própria loucura e de sua fragilidade diante de uma sociedade demente e marginalizada. Sua sensibilidade foi capaz de capturar a inconstância das formas e condensá-la numa forma única de representação visual. Seu exagero nas cores, sobretudo do amarelo, cor do sol e das chamas, e do azul, cor do céu e dos mares, se deve a essa luta constante para encontrar a luz de infinitas possibilidades que estava além de sua realidade abstrata. Sua arte emerge como um contorno claro e berrante de seus aspectos inconscientes. “Em minha loucura, meus pensamentos singraram muitos mares.” – teria escrito Vincent em uma carta para seu irmão Theo.
Ao longo da leitura nos maravilhamos em pensar que mente humana encontrou nas artes visuais um meio de manifestar aquilo que a torna uma singularidade absoluta dentre as criações da natureza, isto é sua lógica fundamental, e ao mesmo tempo sua nêmeses, cujo irracionalismo típico é capaz de permitir as maiores alegrias e provocar as maiores tragédias. O contraste de cores, nesse caso, não pode ser visto apenas com um recurso estético, ele representa aquilo que caracteriza a essência humana: o conflito.
A arte de Van Gogh não possuí um fim em si mesma; a profusão de cores desaparece assim que desviamos os olhos de suas telas, mas o sublime permanece. Em suas pinceladas vemos a simples ilusão por trás do obvio.
Aquele que durante a vida teve a solidão como companheira e a arte como amparo não poderia imaginar que construía sobre seus fracassos o paradoxo artististico mais impressionante de todos: sua história foi na realidade sua mais grandiosa obra prima!
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
VAN GOGH - A vida
Steven Naifeh e Gregory White Smith
Páginas: 1128
Acabamento: Capa dura
Selo: Companhia das Letras