sábado, 29 de junho de 2013

JANELA URBANA: UM QUADRO DE PROTESTOS



O papel da janela como entreposto da relação entre o homem e a paisagem, entre o ego humano e a sua noção de insignificância, teve seu sentido metafórico ampliado quando passou a ser explorado no sentido de valorizar a introspecção por meio da arte. Não é sem motivo que boa parte das paisagens pintadas por Van Gogh foram feitas através de uma janela, seja do seu quarto na “casa amarela”, em Arles, ou de uma das dependências do hospício de Saint Paul-de-Mausole.
Os impressionistas pintavam não o que viam, mas o que o emocional lhe apresentava como realidade. Rebuscavam e exageravam os contornos do subjetivo evidenciando a essência sentimental da criação artística, que embora não estivesse ausente nas demais correntes permanecia inobservável em função da harmonia das formas cujos propósitos - principalmente políticos, pois as artes visuais estavam intrinsecamente associados a um contexto de idealismo e de nacionalismo no século XIX – estavam relacionados ao coletivo deixando pouca margem para a expressão individualista.
No Brasil as cores são sinônimos de movimentos políticos; quem não se lembra do movimento dos caras pintadas que derrubou o presidente Collor? As cores de nossa bandeira vibram com uma intensidade assustadora: a associação de cores complementares, isto é aquelas diametralmente opostas no circulo cromático, como o azul e o amarelo, produzem um efeito visual encantador muito explorado pelos impressionistas. Não existe definição mais apropriada para o Brasil que de uma pintura impressionista: sua nitidez assusta, suas cores são motivos de preconceitos e seus contornos são carregados de sentimentos.
Infelizmente a violência tem se destacado junto às noticias das manifestações em nosso país. Caracterizar a violência como resultado lógico de qualquer evento reformador é o mesmo que adotar uma ótica atrasado e decadente que delimita o inesperável ao campo do previsível. Essa visão equivocada da dimensão de um evento histórico além de dogmática, é portanto contrario a qualquer método cientifico, caminha no sentido oposto a tendência evolutiva natural pois consiste numa forma velada de conformismo. O inegável é que a violência, na maioria dos casos, acaba por assumir o papel de combustível das revoltas. Essa forma de transgressão das ruas possui uma intensidade proporcional ao nível de transgressão registrado no plano cotidiano. O vandalismo é injustificável, mas a indignação é legitima.
A disposição de uma população de romper com os padrões jurídicos, teoricamente impostos a todos sem distinção, mas que na pratica é aplicada de forma seletiva, revela a dimensão do quadro patológico de uma sociedade segundo os métodos sociológicos de Durkhein. O nível filosófico registrou-se um nítido retrocesso: rompemos com a filosofia iluminista que reafirmava o caráter bondoso natural aos seres humanos - que era deformado pela sociedade – e retornamos a visão medieval e cristã do homem naturalmente mau e inferior, fonte do pecado.
Retiramos a fonte do caos do plano exterior e com uma postura naturalista a reconduzimos ao campo ainda pouco compreendido da psique humana; transformamos um fator social em uma patologia e nessa oscilação entre o real a cognição, entre a visão idílica de Rousseau e a natureza animal do homem cessamos o progresso, não por desconhecer seus caminhos, mas por nos rendermos a idéia de que tudo já esta determinado. O que a história nos mostra é que nenhuma sociedade fica restrita ao papel de expectadora de seu destino, indo muito mais além e se estabelecendo com a força responsável por tornar o passado, esse sim irreparável, em um futuro almejado.

Nenhum movimento que expresse os anseios coletivos pode ser debelado pelo uso da força bruta; essa é uma lição histórica que todos os governos conhecem. Diante dessa constatação o método de repressão atual tem assumido contornos menos violentos, porem não menos imorais. Basicamente consiste em atacar não os propósitos, mas os meios empregados. Esse método possui dupla finalidade: tornar ilegítima as reivindicações, ou os meios pelas quais as mesmas são apresentadas, e desarticular a mobilização, pois leva seus membros a questionarem seus métodos e duvidarem da validade de seus propósitos.
A mídia, cada vez mais disposta a explorar o sensacionalismo, tem contribuído aparentemente de forma inconsciente para a efetivação do aspecto coercitivo da estratégia do governo que faz promessas vagas de um lado enquanto coloca seu braço armado – a força policial – diante da indignação nas ruas. Essa postura permite que os governantes usem a força policial como escudo, legalizem sua posição por meio de promessas enquanto aguardam a deterioração interna dos protestos por meio da expansão do vandalismo. Esse é o método de repressão moderno: inteligente, cauteloso e desprezível.
A bestialidade, supostamente inata ao homem, tem sido reafirmada por meio da exploração sensacionalista dos eventos sociais. Informar não é mais o propósito de boa parte dos veículos midiáticos. O que vemos em alguns telejornais é o uso exagerado de recursos lingüísticos, como substantivos coletivos e verbos de agir, que evidenciam a retórica cautelosa de suas matérias.
Esse vandalismo marginal seria de fato um eco do movimento que tem tomado conta das ruas de varias cidades brasileiras? Sim e não. Sim porque consiste em uma parcela ultra-radical cujo método de protesto é a velha anarquia, e não porque rompeu com o padrão reivindicativo pacífico adotado pela maioria. Ao romper esses limites surgiu um movimento paralelo de menor proporção e símbolo da violência tida como “normal” quando ocorre no cotidiano, mas que ao ser associada a um movimento político atingiu um nível de destaque que encerrou o mesmo dentro dos limites do inaceitável.

Há muito que o poder público deixou de representar os anseios da população brasileira, cujo caráter conformista foi fundamental para a manutenção do estado de inércia da sociedade. As manifestações tornaram evidentes, a nível internacional, o antagonismo existente entre o poder político e a sociedade por ele “representada”. O grito das ruas estreitou os limites de ação do governo e pela primeira vez eliminou a necessidade de uma força intermediadora entre o governo e o povo ao repudiarem a presença de partidos políticos em suas fileiras. O caráter apartidário das manifestações já representou uma grande vitoria, uma vez que eliminou parte da estrutura política burocrática na medida em que evidenciou a inutilidade da mesma.
O brado retumbante de um povo heróico já ecoa por todo o país numa demonstração clara de que a elevação da classe media a níveis até então inéditos em nosso país veio acompanhada de uma postura mais exigente e reivindicativa. Toda essa onda de protestos é fruto desse desenvolvimento de classes - uma característica positiva dentre as centenas de negativas. Esse pluralismo reivindicativo que testemunhamos nas manifestações de varias cidades é o resultado lógico de um confuso mosaico político e social no qual se encontra imerso nossa nação de dimensões continentais. Estou torcendo para que esse despertar do povo brasileiro não passe de uma onda passageira de protestos fundamentado em questões absolutamente validas, mas movidas por um impulso vacilante.
Acredito que um certa postura radical por parte da população é fundamental para resultados expressivos, pois no Brasil só "conseguimos conquistar com braço forte". Condeno o vandalismo e repúdio esse grupo anarquista de baderneiros que se estabeleceram entre os manifestantes. O ideal positivista de ordem e progresso deve ser o nosso lema; desordem e vandalismo devem ser consideradas características reacionárias de nossos propósitos.

AUTOR:
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

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