quinta-feira, 22 de junho de 2017

CAMINHOS DE FERRO


A guerra floreia o horizonte das possibilidades, pois vive-se o presente com tamanha intensidade que pensar no futuro se torna um alivio. A historia da “grande guerra patriótica” não é a historia do comunismo, do socialismo ou do stalinismo, pois a realidade da guerra anulou o elemento critico do povo soviético frente a seus valores ideológicos.
“A guerra não tem rosto de mulher”, obra da escritora bielorrussa Svetlana Aleksievitch, chegou ao Brasil com uma forte publicidade que vendia a imagem de uma obra predominantemente trágica. De fato o texto possui um tom dramático bem pronunciado, no entanto, existe uma alternância entre momentos mais densos e outros mais palatáveis ao leitor menos familiarizado como a crueza tradicional de narrativas do gênero. Existem sim momentos de alivio cômico, mas esses momentos não são tão evidentes. É um humor mais contido. O leitor deve saber onde buscar esse humor. É aquela velha história: “seria cômico se não fosse trágico.”
O grande mérito de Svetlana foi conseguir organizar uma obra com ritmo narrativo lento sem que isso sacrifica-se a intensidade do texto. É uma obra que possui um vigor absurdo e natural. Quem já se habituou a escrita de Svetlana sabe que em suas obras o elemento humano predomina. É por meio da intercalação de dramas particulares que ela constrói um quadro mais amplo de determinado evento. O que ela trás de inovador é a ausência do olhar patriótico e glamoroso com o qual tradicionalmente têm se tratado o tema da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), sobretudo por Hollywood.
Esse típico olhar, eu diria romantizado da guerra, não existe aqui. A abordagem de Svetlana é muito mais brutal muito mais realista. Ela opta por um estilo narrativo que explora a forma como os eventos foram assimilados pelos sobreviventes sem se importar muito com o rigor da narrativa histórica. Como ela mesma escreveu logo em seu primeiro capitulo “o ser humano é maior do que a guerra.”
O conflito adquire uma dimensão própria por meio da ótica feminina. Tudo fica muito mais subjetivo e, por conseguinte, muito mais intenso. É uma nova imagem do conflito ainda mais brutal do que aquela destilada pela ótica masculina insensível aos dramas pessoais e escrava do sensacionalismo patriótico. A adaptação das mulheres a um ambiente naturalmente hostil ao seu sexo foi descrita pela autora de forma genérica, mas ainda assim cativante.
“A guerra não tem rosto de mulher” é uma obra impressionante do inicio ao fim e que nos mostra que em uma guerra cada um busca meios próprios de justificar sua brutalidade. É um texto duro, intenso e em muitos momentos difícil de ler. Em determinados momentos me peguei refletindo sobre como retratar um povo que sobreviveu a tamanha brutalidade. Antigas imagens do período soviético me vieram à mente é subitamente compreendi que o melhor símbolo para aquele povo é a locomotiva: pois tanto um quanto o outro percorreram caminhos de ferro.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
A GUERRA NAO TEM ROSTO DE MULHER
Autor: ALEKSIEVITCH, SVETLANA
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
Ano de Edição: 2016
Nº de Páginas: 392

segunda-feira, 12 de junho de 2017

ILÍADA E ODISSEIA: UM BREVE COMENTÁRIO DE LEITURA


Ler a obra de Homero me fez enxergar o que é abordar com maestria o mesmo acontecimento através de dois pontos distintos: um coletivo e o outro pessoal. Na “ilíada” a guerra é retratada em um plano geral, épico. Na "Odisséia" ocorre uma focalização das conseqüência do conflito a nível mais particular. É uma espécie de contração narrativa muito bem construída.
A “Ilíada” é sem duvida um texto mais grandioso e menos cansativo que a “Odisséia” porque oscila o foco narrativo. É uma obra cujo tema principal é o próprio Aquiles, mas cuja grandiosidade é sinalizada pela guerra de Tróia. Outros personagens se destacam e o elemento humano se torna mais presente.
Os dramas de consciência de Aquiles deram o tom de profundidade que uma obra clássica precisa e as passagens sobre as batalhas são sempre muito violentas, grandiosas e alegóricas. Não é uma violência gratuita, pelo contrario, ela direciona o leitor para o mesmo tipo de drama vivido pelo protagonista e o leva a seguinte duvida: Por gloria pessoal e pura vaidade é justificável que tais atos sejam encenados? As perdas são proporcionais aos ganhos da vitoria?
Apesar de ser um texto mais difícil de ser lido – em função da quebra de linearidade cronológica do enredo – a linguagem poética dos versos funcionou melhor na “Odisséia” do que na “Ilíada”. A “Odisséia” possui um apelo sentimental infinitamente mais pronunciado: a saudade do lar, a perda dos amigos, as dificuldades enfrentadas para o retorno ao lar as decisões difíceis. Seu enredo definitivamente favorece ao tom poético e introspectivo.
O que torna a “Odisséia” um texto mais complexo é a sua estrutura narrativa. As inversões no tempo são elementos difíceis de se associar ao arco evolutivo dos personagens. Fica mais difícil acompanhar as mudanças de postura e de comportamento dos personagens de forma satisfatória.
Tem-se dito que a “Odisséia” é um poema machista, porem eu discordo. Homero soube bem ressaltar tanto as qualidades do sexo masculino quanto do feminino: A astuciosa Penélope não pode ser vista senão como o retrato feminino da inteligência; a facilidade com que Circe encanta, por meio de sua beleza, a tripulação de Odisseu parece buscar sublinhar, mesmo que de forma não intencional, uma fraqueza masculina diante do poder sedutor da mulher.
O aspecto machista da “Odisséia” aparece porque a própria mitologia possuía uma construção que atualmente pode ser encarada como machista. Quase todos os monstros haviam sido mulheres que foram castigadas. Ate mesmo o cristianismo é carregado de concepções machistas: Eva a mulher responsável por condenar a humanidade a ser expulsa do Eden.
AUTOR
TIAGO R. CARVALHO
Odisseia e Ilíada - Caixa
Tradução: Carlos Alberto Nunes
Capa dura: 958 páginas
Editora: Nova Fronteira;
Idioma: Português

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