“Nossa época é uma época essencialmente trágica de modo que nos negamos a encará-la de modo trágico. Houve cataclismo, estamos entre as ruínas, começamos a construir novas casinhas e acalentar novas e leves esperanças. É uma tarefa árdua: não há um caminho cômodo para o futuro: ou nos contornamos o obstáculo, ou saltamos sobre ele. Precisamos viver, não importando quantos céus tenham vindo abaixo.”
D.H. Lawrence
Filho de um operário analfabeto que havia passado a vida trabalhando nas minas de carvão de Eastwood, Inglaterra, e de uma professora intolerante, D. H. Lawrence, um dos mais polêmicos literários de sua época, viveu exatamente como escreveu: intensamente. O jovem de compleição frágil nascido em 11 de setembro de 1885, tímido, pouco carismático e com nenhum talento para os estudos se tornaria um homem obcecado pela ideia de que o amor era algo puramente abstrato e que não se relacionava de nenhuma forma com as inconstâncias primitivas das necessidades físicas.
Lawrence transpôs o conceito de sua época onde o amor físico se transmutava no amor sentimental; ambos se relacionavam como termos devido a sua aparente fluidez natural. Acreditava-se que o sentimento se renovava na forma da atração física e que esta ao perder seu ímpeto natural sedia espaço a serenidade do sentimento fraterno - pensamento no qual o autor do presente texto está completamente de acordo. Esse ciclo alternante entre instinto e ternura, definição inquestionável de amor para os românticos e líricos de sua época, não fazia sentido para o enigmático Lawrence.
Casado aos vinte e sete anos com uma alemã de trinta, já mãe de três filhos e irmã do famoso aviador Manfred Von Richthofen, Lawrence despertou a hostilidade de seus conterrâneos ingleses. O que pensar daquele estranho jovem que gostava de realizar trabalhos domésticos, que cozinhava e que era casado com uma mulher alemã, em plena Primeira Guerra Mundial?
Se seu estilo de vida já era estranho aos olhos da sociedade conservadora da Inglaterra da virada do século o que dizer de sua obra, cujos valores estavam plenamente dissociados do senso comum de sua época? Ao escrever a obra
“O amante de Lady Chaterley”, Lawrence buscava explorar o poder dos sentimentos circunscritos pelo convívio e pelo companheirismo em oposição às necessidades impostas pelo corpo físico.
Os críticos de seu tempo classificaram a obra como pornografia barata. Lawrence chegou a pensar em mudar o titulo para
“Ternura” na tentativa de reduzir o impacto negativo da obra. Seriam necessários vários anos para que seu texto conseguisse seu merecido espaço junto às obras mais profundas e ricas de significado da literatura universal.
Em
“O amante de Lady Chaterley” vemos a história de Constance Chatterley, uma jovem de 23 anos proveniente de uma família de burgueses liberais, que se casa com Clifford Chaterley, um homem arrogante de 29 anos que pouco tempo depois do casamento parte para os campos de batalha da Primeira Guerra Mundial e retorna vivo, porem paralitico. Certo de que não seria mais capaz de satisfazer as necessidades orgânicas de sua companheira, Clifford, escritor e empresário, mergulha no trabalho e aos poucos se distancia de sua jovem esposa.
Ninguém é capaz de satisfazer completamente outra pessoa; é exatamente nessa brecha aberta por nossas impossibilidades que nascem outros amores, outras formas inexplicáveis de afeto:
"Toda partida significa um encontro em algum outro lugar. E cada novo encontro é uma nova ligação". A necessidade incondicional de Constance fruto de um casamento de aparências a leva a se relacionar com outros homens até que finalmente conhece o guarda-caças Oliver Mellors, um homem rude e misterioso que buscou no isolamento a cura por seus fracassos amorosos.
O livro e sem duvida uma das maiores obras literárias de todos os tempos. Lawrence soube abordar de forma inigualável os sentimentos ocultos da imperiosa alma feminina. Ao longo de suas paginas o autor intercala passagens, onde vemos desde uma descrição crua e realista do ato sexual até a linguagem poética com a qual descreve as mudanças ocorridas no corpo e na alma da mulher levada pelo tempo e pelas experiências vividas. Trata-se de um grande dilema na qual a protagonista se vê dividida entre o correto e o incorreto, entre a falha e o excesso o que nos leva a indagar a todo instante ao longo do texto: a mentira seria o mesmo que uma verdade irrelevante?
AUTOR: TIAGO R. CARVALHO
O amante de Lady Chaterley
Páginas: 342
Selo: Martin Claret
OBS: As pintura utilizadas no texto é de autoria do artista Pino Daeni.