quinta-feira, 26 de novembro de 2015


“Nossa época é uma época essencialmente trágica de modo que nos negamos a encará-la de modo trágico. Houve cataclismo, estamos entre as ruínas, começamos a construir novas casinhas e acalentar novas e leves esperanças. É uma tarefa árdua: não há um caminho cômodo para o futuro: ou nos contornamos o obstáculo, ou saltamos sobre ele. Precisamos viver, não importando quantos céus tenham vindo abaixo.”
D.H. Lawrence
Filho de um operário analfabeto que havia passado a vida trabalhando nas minas de carvão de Eastwood, Inglaterra, e de uma professora intolerante, D. H. Lawrence, um dos mais polêmicos literários de sua época, viveu exatamente como escreveu: intensamente. O jovem de compleição frágil nascido em 11 de setembro de 1885, tímido, pouco carismático e com nenhum talento para os estudos se tornaria um homem obcecado pela ideia de que o amor era algo puramente abstrato e que não se relacionava de nenhuma forma com as inconstâncias primitivas das necessidades físicas.
Lawrence transpôs o conceito de sua época onde o amor físico se transmutava no amor sentimental; ambos se relacionavam como termos devido a sua aparente fluidez natural. Acreditava-se que o sentimento se renovava na forma da atração física e que esta ao perder seu ímpeto natural sedia espaço a serenidade do sentimento fraterno - pensamento no qual o autor do presente texto está completamente de acordo. Esse ciclo alternante entre instinto e ternura, definição inquestionável de amor para os românticos e líricos de sua época, não fazia sentido para o enigmático Lawrence.
Casado aos vinte e sete anos com uma alemã de trinta, já mãe de três filhos e irmã do famoso aviador Manfred Von Richthofen, Lawrence despertou a hostilidade de seus conterrâneos ingleses. O que pensar daquele estranho jovem que gostava de realizar trabalhos domésticos, que cozinhava e que era casado com uma mulher alemã, em plena Primeira Guerra Mundial?
Se seu estilo de vida já era estranho aos olhos da sociedade conservadora da Inglaterra da virada do século o que dizer de sua obra, cujos valores estavam plenamente dissociados do senso comum de sua época? Ao escrever a obra “O amante de Lady Chaterley”, Lawrence buscava explorar o poder dos sentimentos circunscritos pelo convívio e pelo companheirismo em oposição às necessidades impostas pelo corpo físico.
Os críticos de seu tempo classificaram a obra como pornografia barata. Lawrence chegou a pensar em mudar o titulo para “Ternura” na tentativa de reduzir o impacto negativo da obra. Seriam necessários vários anos para que seu texto conseguisse seu merecido espaço junto às obras mais profundas e ricas de significado da literatura universal.
Em “O amante de Lady Chaterley” vemos a história de Constance Chatterley, uma jovem de 23 anos proveniente de uma família de burgueses liberais, que se casa com Clifford Chaterley, um homem arrogante de 29 anos que pouco tempo depois do casamento parte para os campos de batalha da Primeira Guerra Mundial e retorna vivo, porem paralitico. Certo de que não seria mais capaz de satisfazer as necessidades orgânicas de sua companheira, Clifford, escritor e empresário, mergulha no trabalho e aos poucos se distancia de sua jovem esposa.
Ninguém é capaz de satisfazer completamente outra pessoa; é exatamente nessa brecha aberta por nossas impossibilidades que nascem outros amores, outras formas inexplicáveis de afeto: "Toda partida significa um encontro em algum outro lugar. E cada novo encontro é uma nova ligação". A necessidade incondicional de Constance fruto de um casamento de aparências a leva a se relacionar com outros homens até que finalmente conhece o guarda-caças Oliver Mellors, um homem rude e misterioso que buscou no isolamento a cura por seus fracassos amorosos.
O livro e sem duvida uma das maiores obras literárias de todos os tempos. Lawrence soube abordar de forma inigualável os sentimentos ocultos da imperiosa alma feminina. Ao longo de suas paginas o autor intercala passagens, onde vemos desde uma descrição crua e realista do ato sexual até a linguagem poética com a qual descreve as mudanças ocorridas no corpo e na alma da mulher levada pelo tempo e pelas experiências vividas. Trata-se de um grande dilema na qual a protagonista se vê dividida entre o correto e o incorreto, entre a falha e o excesso o que nos leva a indagar a todo instante ao longo do texto: a mentira seria o mesmo que uma verdade irrelevante?
AUTOR: TIAGO R. CARVALHO
O amante de Lady Chaterley
Páginas: 342
Selo: Martin Claret
OBS: As pintura utilizadas no texto é de autoria do artista Pino Daeni.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015


A terrível carnificina da caça a baleia do século XIX era o equivalente moderno a indústria do petróleo: as enormes cachalotes eram cobiçadas devido ao seu óleo de alta qualidade, utilizado para iluminar os lampiões das cidades e como lubrificantes nas maquinas de um mundo ainda mergulhado nas inovações técnicas da revolução industrial. Somente no ano de 1837, aproximadamente 6767 baleias foram mortas por baleeiros americanos. A baleia cachalote, tida como um dos mais pacíficos dos gigantes marinhos era conhecida por ser um animal pouco agressivo. Nunca haviam sido registrados casos de baleias que haviam atacado embarcações, mas a caça desenfreada a sua espécie, a ponto de levar os marinhos a definir o oceano pacifico como um “mar de óleo e sangue”, havia alterado seu instinto.
Na manha do dia 20 de novembro de 1820, o navio baleeiro Essex, navegava a cerca de 1500 milhas náuticas a oeste do conjunto de ilhas de Galápagos, em pleno oceano pacifico. Nos porões estava à preciosa carga de centenas de barris de óleo de gordura de baleia, extraídos pela tripulação ao longo dos vários meses que estavam no mar. Por volta das 9h um marinheiro de 15 anos, chamado Thomas Nickerson avistou, a cerca de 100 metros do navio, uma enorme cachalote: um macho com 26 metros de comprimento – quase do mesmo tamanho que o próprio navio que possuía 26,5 metros - e pesando aproximadamente 8 toneladas.
Para espanto de todos a bordo o imenso cetáceo começou a nadar em direção a lateral do navio e mergulhou a pouco mais de 30 metros de distancia. Ao passar por baixo da embarcação a baleia estraçalhou o revestimento de cobre e as groças placas de carvalho do fundo do casco. O enorme mamífero marinho, ensandecido pela força do choque contra uma embarcação de 238 toneladas, voltou-se novamente na direção do Essex e o atingiu com um segundo choque, ainda mais violento que o primeiro. O Essex, um navio com mais de 20 anos de idade, não resistiu e adernou num ângulo de 45º. Em poucas horas estaria no fundo do oceano, junto com a enorme baleia que o havia atingido e que nunca mais foi vista após aquela trágica manha de 20 de novembro.
Abandonados a própria sorte em três pequenos botes de madeira os sobreviventes se viram mergulhados em uma das mais cruéis e desesperadoras situações na qual os seres humanos podem se encontrar. Para os 21 apavorados homens a deriva só restava à esperança de navegar em direção à costa oeste da America do Sul antes que seus poucos recursos se esgotassem.
Em uma obra excepcionalmente bem escrita o americano Nathaniel Philbrick apresenta ao leitor a dramática luta pela sobrevivência da tripulação do baleeiro Essex que durante 89 dias enfrentaria as dores das terríveis queimaduras do sol, a fome, a sede que provocava rachaduras dolorosas na boca e inchaços na língua a ponto de impedir que se comunicassem uns com os outros e por fim a exaustão provocada pela inanição. Quando um dos barcos finalmente foi resgatado, em 23 de fevereiro pelo navio Dauphin, a tripulação encontrou no interior do bote uma pilha de ossos dos cinco homens que haviam morrido e sido devorados pelos dois esqueléticos sobreviventes deitados sob uma lona e que mal tinham forças para ficar de pé. A tragédia do Essex percorreu o mundo até que chegou aos ouvidos de um jovem marinheiro chamado Herman Melville, que anos mais tarde escreveria um dos maiores clássicos da literatura americana: Moby Dick.
Philbrick presenteia o leitor com inúmeras informações sobre as baleias cachalotes, sobre os problemas enfrentados pelo corpo humano - reduzidos a uma alimentação de poucas calorias diárias -, os problemas psicológicos decorrentes do cansaço e relatos de naufrágios impressionantes como o navio francês Medusa, que naufragou em 1816 e serviria de inspiração para a pintura de Théodore Géricault. O texto é empolgante, envolvente, ágil e eletrizante. Sem duvida vale a pena acompanhar ao longo das 392 paginas a historia real de 21 homens que enfrentaram nada mais que 2 mil milhas náuticas da imensidão hostil do oceano pacifico em um dos mais inacreditáveis exemplos de resistência, determinação e sobretudo coragem.
Autor: Tiago R. Carvalho
NO CORAÇÃO DO MAR - A história real que inspirou o Moby Dick de Melville
Autor: Nathaniel Philbrick
Título original: IN THE HEART OF THE SEA
Tradução: Rubens Figueiredo
Páginas: 392
Selo: Companhia das Letras

sexta-feira, 18 de setembro de 2015


A ironia pode ser definida como uma importante ferramenta social pois como diria Florbela Espanca “a ironia é a expressão mais perfeita do pensamento.” Dizer o contrário do que se pensa é afastar-se de si mesmo e admirar uma figura construída como ideal de si próprio. Isso pode ser entendido tanto como um narcisismo incontido como uma baixa alto estima. Sócrates era defensor da ironia como ferramenta de linguagem, pois a mesma associada a pratica da maiêutica permite compreender a magnitude do nível de conhecimento do seu interlocutor, em síntese esse comportamento pode ser descrito como um teste para saber com quem de fato estamos nos relacionando. A ironia é a mais bela e admiravel forma de sutileza que circunscreve a sempre retorica comunicação humana. Ser irônico é, portanto, o mesmo que ser cauteloso.
Todo homem é uma forma de duplo oposto de si mesmo: é o exemplo de coexistência entre racional e irracional, entre razão e emoção. É por isso que o conceito de relativo é perfeitamente aplicável ao homem. Sua essência é na verdade seu caráter ambíguo: a predominância alternada ora de uma postura ora de outra. E por isso que muitas vezes o individuo que diante de nós se apresenta cauteloso, assume aos olhos de outro a postura de radical.
A linguagem não mascara o pensamento dos irônicos, mas pelo contrario. Ela é uma expressão berrante que indica o grau de distanciamento entre o que dizemos e o que pensamos; é o único recurso de linguagem humana que é compreendida em sua plenitude apesar de sua origem nitidamente contraditória. O pensamento é compreendido a partir de sua expressão verbal contraria. Em síntese a ironia é nada além de uma forma de sinceridade adornada de muito humor.
Tememos ser desagradáveis; somos obcecados por aceitação social e por isso não dizemos o que realmente pensamos. A verdade é algo que sufocamos diariamente em nome do convívio social. Buscamos em cada frase não a verdade, mas a mentira por trás dela. Estamos sempre buscando significado oculto de cada frase; sempre tentando entender o que não foi dito, o que se esconde por trás da massa cuidadosamente ordenada de palavras. Buscamos a resposta no silencio criado pelo decoro social! O grande drama dessa questão é que a linguagem do silencio não pode ser compreendida da forma usual, ou seja, pela interpretação de palavras não ditas. O silencio não existe! Ele é apenas um emaranhado de palavras ditas de forma diferenciada e que revela muito além daquilo que se espera dele.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

O principal obstáculo que se impõe diante da tentativa de se compreender as civilizações antigas é a tendência quase natural que temos de classificá-las como inferiores ao invés de diferentes. Essa ótica etnocêntrica cria uma abordagem que inevitavelmente encerra todas as formas de cultura, religiosidade e de ciência numa forma estéril e menor de representação.
Os mitos, na medida em que são vistos como lendas, fabulas, em síntese como o conjunto de crenças nas quais esta ausente um encadeamento lógico racional que lhe preste a função de amparo argumentativo, são interpretados simplesmente como uma forma incorreta de religiosidade. Os mitos não necessitam da lógica porque sua adesão à cultura de cada povo acorre através da fé e não de um método rigoroso e técnico de interpretação. Trata-se de uma crença estéril porque é aceita sem questionamento e que se insere de forma insidiosa através dos costumes.
Qual seria então o real valor existente por trás dos mitos, sejam eles gregos, romanos, egípcios ou escandinavos? Se encararmos as lendas como uma tentativa particularizada de explicação da realidade como ela é, certamente enxergaríamos ai tanto sei valor cientifico como artístico, uma vez que consiste na busca por formas abstratas de representação, ainda que pouco racional, da realidade.
Os mitos, portanto, se caracterizam como uma criação artística que na tentativa de explicar o mundo acabou revelando as essências da psique humana. É nesse contexto que a frase do pintor Pablo Picasso expõe toda a sua grandeza e genialidade: “A arte é uma mentira que nos mostra a realidade.”
A idealização e aceitação desses mitos como uma verdade institucionalizada pela vontade nos revela a origem emocional por trás de tais historias. O mundo, com toda a sua amplitude e grandeza é por demais caótico para que seja compreendido em sua plenitude. O conhecimento é intuitivo e começa a partir das partes que compõem o todo. O método de compreensão consiste na constante fragmentação da realidade no plano mental, onde a mesma é reduzida a fragmentos menores através dos quais são feitas afirmações e exclusões arbitrarias cujos resultados são as variadas formas de fé que vemos pelo mundo. Em resumo os mitos revelam aquilo que queremos e o que tememos, na medida em que da vazão as necessidades essências do homem que encerra no seu âmago as inconstâncias de sua natureza primitiva.
Pode se dizer que os mitos gregos da antiguidade representam a primeira tentativa metafórica e mais elevada de representação psicológica. Não faltam exemplos de mitos que possam servir de representação da mecânica do inconsciente, dentre os quais estão os famosos doze trabalhos de Hercules. Segundo a lenda Hercules teria sido encarregado de matar o gigantesco e feroz leão que vinha aterrorizando o vale da região da Némeia. O monstro era impenetrável as flechas e lanças dos mortais graças a uma porção mágica feita por Selene, uma feiticeira que havia sido expulsa da cidade e que havia prometido se vingar de seus habitantes.
Quando Hercules finalmente conseguiu encontrar a fera no interior de uma caverna ele a teria estrangulado, pois suas armas não eram capazes de ferir o monstro. Na ocasião Hercules teria se lembrado dos conselhos da deusa Minerva – deusa da sabedoria - que disse para que usasse a inteligência ao invés da força.
O mito de Hercules e o Leão da Némeia é uma representação metafórica de que somente o uso da razão é capaz de sufocar a fera que existe dentro de cada um. De como nosso ego - representado pela pele do leão - se acha inatingível; e de como nos tornamos mais fortes quando enfrentamos aquilo que de certa forma é o oposto do que somos, nossa nêmeses. Na pratica a alegoria da pele do leão nos mostra que apesar da recusa em se revelar completamente para o outro, ninguém é completamente impenetrável.
De acordo com a concepção freudiana de inconsciente os mecanismos que o delimitam se articulam na busca pelo consenso, pelo equilíbrio. Da vontade, em constante atrito com a realidade, surge o que somos. Nascemos acolhidos pelos braços da contradição, talvez esteja ai a explicação para nossa natureza complexa. Verdades ou mentiras os mitos cumprem perfeitamente sua função: ensina-nos a enxergar quem somos e nos mostra que na maioria das vezes as mentiras dizem apenas verdades.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

domingo, 30 de agosto de 2015

A IRRACIONALIDADE ILUSORIA DO COMPORTAMENTO


Nada cuja origem seja o homem pode ser considerado irracional. A mais ilusória falta de sentido por trás de determinado comportamento possui um amparo de ordem racional, ainda que esta forma particular de racionalidade não esteja alinhada com aquela amplamente difundida e generalizada. Aquele que de certa forma não se enquadra no modelo arbitrário de perfeição, isto é, o diferente, o exótico, o “anormal” consegue se dissociar da massa por que reserva para si a incompreensão como característica. Esses indivíduos são habilidosos na arte de ocultar a estrutura inconsciente que ordena o seu comportamento: o motivo!
Descobrir o que leva alguém a tomar determinadas atitudes é o mesmo que enxergar aquilo que constrói a articulação central de sua personalidade, como indivíduo, e de sua identidade, como ser social. É justamente ali, na origem subjetiva de seu comportamento que alguma lógica real pode ser encontrada. Como diria o gênio Charlie Chaplin "Muitas vezes um rosto é doce por causa do sal de suas lagrimas"; não há nenhum paradoxo nessa frase, apenas a constatação de que a dor nos modela a face.
Se deseja compreender alguém, decifrar o enigma de sua existência, enxergar sua forma altamente particularizada de beleza, não tenha medo...aproxime-se, sinta sua respiração, escute atenciosamente suas palavras – mesmo aquelas que não foram ditas – e olhe no fundo dos seus olhos. Tenha a ousadia de buscar as respostas no leito frio do improvável. Quando finalmente conseguir compreender aquilo que inicialmente parecia incompreensível, vai saber que loucura, futilidade, timidez, arrogância e até as formas mais variadas de grosseria, são apenas reflexos produzidos pela alma humana quando insistimos em direcionar nosso olhar para o lugar errado.
Se quiser ver o que ninguém mais viu tem que ter a coragem de se posicionar onde ninguém esteve. Existe um ângulo, apenas um, de onde é possível desnudar a alma de qualquer pessoa e compreender a magnitude de seus sentimentos. Apesar de não se tratar de ciência, mas de pura metafisica, a compreensão do incompreensível consiste, segundo as palavras de Albert St Georce, em “(...)ver algo que todos veem, e então pensar o que ninguém pensou".
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

segunda-feira, 20 de julho de 2015

RETRATO DE UM REVOLUCIONÁRIO


Filho de um advogado desregrado e instável, que abandonou a família após a morte de sua esposa, Maximilien François Marie Isidore de Robespierre não parecia ser um exemplo de ícone político que o destino lhe reservará. Poucos ousariam prever que o menino pálido, frágil e retraído, que preferia às leituras solitárias as brincadeiras com os amigos, se tornaria um dos mais influentes personagens da historia de seu país, ao lado de nomes como o de Napoleão e Joana D’arck.
Em sua obra de estréia, Ruth Scurr compôs um magnífico retrato daquele que muitas vezes foi considerado o pai do totalitarismo e das modernas formas de estado policial. A obra é dividida em quatro partes que abrangem tanto o homem político como o homem comum. Na primeira vemos uma narrativa focada em seus anos de formação, desde o seu nascimento no dia 6 de maio de 1758, na pequena cidade de Arras, a separação dos irmãos, seus estudos no Louis Le Grand, a formação em Direito e sua pacata vida como advogado provinciano, que gostava de escrever poemas melosos nas horas vagas e era um admirador fervoroso das obras de Rousseau. Até os seus 32 anos de idade Robespierre levou uma vida aparentemente comum, sem nada que o evidenciasse dos demais membros de uma burguesia em evidente emergência.
Em 1789, o rei Luís XVI, assolado pela terrível crise financeira, que há anos solapava seu reino, convocou os Estados Gerais – o maior órgão deliberativo da França. Robespierre, que havia alcançado o cargo de juiz episcopal de Arras, é eleito como representante do terceiro estado. Em Paris ele inicia seus primeiro passos rumo à política e acaba mergulhando no turbilhão irrefreável da Revolução Francesa. Da segunda parte em diante a narrativa se concentra nesse conturbado período de sua vida.
Em um texto veloz, bem típico das modernas biografias, vemos o memorável juramento do Jeu de Paume, a queda da Bastilha, a criação do clube dos Jacobinos, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, as cenas de violência revolucionaria nas ruas da suja e miserável Paris, a fuga da família real, a queda da monarquia e a criação da primeira República francesa, a celebre Batalha de Valmy, as execuções de Luís XVI e Maria Antonieta, o confronto com os girondinos e com os Dantonistas, seu ingresso no Comitê de Salvação Publica, o inicio do chamado período do Terror, a decretação da infame “Lei de 22 Prairial” e sua morte trágica na guilhotina aos 36 anos de idade.
“Pureza Fatal” nos apresenta ao homem que apesar de seus 1,60m de altura ficaria conhecido como um dos gigantes da esquerda política, comprovando a máxima de Napoleão que dizia que “o tamanho de um homem era determinado por seu destino não por sua natureza”. Que apesar da voz frágil seria um dos maiores oradores da Revolução e cuja retórica afiada seria sua principal ferramenta política.
Em 26 de junho de 1794 (8 Termidor - segundo o calendário revolucionário) quando subiu a tribuna para pronunciar o ultimo discurso que faria na vida, o “Incorruptível” – como também era chamado - destilou seu ódio contra todos aqueles considerados “inimigos do povo”. No dia seguinte, com a mandíbula estraçalhada por um tiro de mosquete, não se sabe se por uma frustrada tentativa de suicídio ou se por um disparo acidental, ele galgou os íngremes degraus do cadafalso rumo à justiça da “navalha nacional”. Naquele momento deve ter se lembrado de suas próprias palavras proferidas no dia anterior: “A morte não é o sono eterno, mas o inicio da imortalidade.”
POR TIAGO RODRIGUES CARVALHO
PUREZA FATAL - ROBESPIERRE E A REVOLUÇÃO FRANCESA
Autor: SCURR, RUTH
Editora: RECORD
Ano de Lançamento: 2009
Número de páginas: 448

quinta-feira, 30 de abril de 2015


“O perfume vive no tempo, tem sua juventude, a sua maturidade e a sua velhice. É somente quando nas três diferentes idades o seu aroma é igualmente agradável ele pode ser considerado realizado.”
- Giuseppe Baldini
Qual seria a magnitude da influência das emoções na mente? Quais seriam os reais limites do poder das sensações? Somos subjulgados pelos sentidos; nossa visão, nossa audição, nosso olfato compõem um complexo conjunto orgânico capaz de absorver e interpretar os aspectos organolépticos da matéria física e a partir daí transformar um aspecto mecânico, perfeitamente racionalizável, em um fato emocional, cuja essência máxima se encontra fora dos limites aplicáveis aos métodos de racionalização pragmática.
Para nos comunicar usamos palavras cuidadosamente ordenadas em frases através das quais expressamos uma realidade concreta e às vezes uma realidade fabricada pelo nosso ego. De todas as formas de comunicação humana, e de interação social, aquela que mais causa impacto é o nosso cheiro, nosso perfume, algo que pode ser definido como uma das inúmeras camadas sobrepostas que constituem o alfabeto ininteligível do individuo como ser. Trata-se de uma dimensão sensitiva de nossos aspectos imateriais, uma projeção involuntária de nossos corpos, aquilo que revela o que tentamos esconder.
Na conturbada França do século XVIII, Jean Baptiste Grenouille, um jovem abandonado pela mãe logo após seu nascimento, vive atormentado devido a uma estranha habilidade: conseguia sentir os odores de tudo que a natureza havia criado, desde os seres vivos até dos objetos inanimados. Reconhecia o cheiro dos insetos, das aves, dos peixes ainda que estivessem dentro de um lago profundo, era capaz de reconhecer o odor de uma planta a quilômetros de distancia, farejava uma tempestade horas antes de a chuva cair, conseguia distinguir o aroma que cada pessoa emanava ao ficar alegre, oprimida ou com medo. Em síntese era capaz de sentir e reter em sua memória o cheiro de cada objeto existente quer seja de uma pessoa em particular até de um simples prego enferrujando em uma construção antiga.
Atormentado pelo fedor insuportável dos mercados de Paris, com suas ruas imundas, fedorentas, cobertas de excrementos, restos de peixes e outras iguarias provenientes do comercio, Grenouille aos poucos é atraído pelo inebriante odor das perfumarias nas margens do rio Sena. É ali que conhece Giuseppe Baldini, um famoso fabricante de perfume que lhe ensina a delicada arte da extração do óleo responsável pelo cheiro das flores. Ao dominar o processo químico de destilação e fabricação de perfumes, Grenouille parte para a busca do que considerava seu propósito maior: produzir o perfume perfeito, aquele capaz de seduzir e dominar qualquer pessoa.
Do simples jovem, dotado de uma singular habilidade olfativa, vemos o surgimento de um assassino que procura extrair a essência dos corpos de suas vitimas movido pela obcessão de produzir o “aroma perfeito”. O substrato filosófico para o crime e sutilmente fornecido pelo autor através da exposição da obsessão de Jean Baptiste por controlar sua própria inexpressividade diante do mundo dos odores, uma vez que o personagem não é capaz de sentir seu próprio cheiro. À medida que a leitura evolui vemos sua incapacidade em contornar aquilo que o tornava diferente, reprovável, não para os demais, mas para si próprio.
O autor brilhantemente conseguiu elaborar uma narrativa tensa, curta, com diálogos diretos sem, no entanto, sacrificar uma abordagem insidiosa quanto aos aspectos de construção psicológica do personagem principal. Durante a leitura tudo parece evoluir de forma natural se distanciando da típica narrativa literária mal acabada. Trata-se de um romance que reforça a dicotomia corpo-essência dos seres, que explora a sensualidade, o puro e simples erotismo que se molda a partir da superficialidade. A obra de Patrick Suskind nos arrebata desde o inicio, com um texto intrigante, exótico e envolvente, características inerentes aos mais impressionantes perfumes.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
Autor: SUSKIND, PATRICK
Tradutor: KOTHE, FLAVIO R.
Editora: BEST BOLSO
Ano: 2012

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