domingo, 16 de outubro de 2016

FELIZ E INFELIZ


O que é ser infeliz?
É chorar!
É perder!
É sentir dor!
É querer o que não se pode ter!
O que é ser feliz?
É não chorar!
É não perder!
É não sentir dor!
É não querer o que não se pode ter!
Qual o atributo para ser feliz?
A capacidade de dizer não!
Só é feliz quem vive e viver e uma negação constante daquilo que nos anula.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

MUSICA É LITERATURA?


Em um primeiro momento pode parecer estranho a vinculação da musica a literatura. Isso ocorre porque ficamos presos a um conceito muito restrito sobre o que é literatura. A materialização da cultura, ou seja, o seu uso como critério de pose, levou a uma comercialização da cultura que aos poucos foi sendo transformada em mercadoria. Ter cultura hoje é sinônimo de comprar livros, adquirir obras de artistas plásticos, frequentar teatros e cinemas. Cultura atualmente é algo que se compra e não o que se pratica!
Obviamente que essa materialização da cultura se estendeu também a literatura. Literatura quando analisada por um conceito mais restrito se resume a livros... a palavra escrita. Um conceito mais abrangente de literatura é aquele que a considera como um produto do trabalho sobre a linguagem. Literatura é isso: um tratamento artístico atribuído a palavra. E isso não se resume a palavra escrita.
Gramaticalmente a linguagem pode ser trabalhada em quatro níveis: morfológico, sintático, semântico e fonológico. O trabalho fonológico sobre a linguagem é aquele que explora a sonoridade das palavras. Musica é isso! Arte é isso! Esqueceram-se do gênero lírico que surgiu para ser declamado ao som de um instrumento musical? Para os gregos da antiguidade Apolo era o deus da inspiração artística. Não é sem motivo que qualquer representação de sua imagem o coloca segurando uma Lira.
Esqueceram-se do gênero trovadoresco medieval no qual a literatura de resumia a versos cantados pelo travador a sua musa admirada? Musica pode sim ser encarada como uma vertente literária. O grande Victor Hugo escreveu em sua magistral obra “Os Miseráveis”: “A musica expressa o que não pode ser dito em palavras mas que não pode permanecer em silencio”.
Vivemos em um século onde o “herói” se dissocia de seu povo. A representação homérica de seu conceito não é mais valida. Não existe mais um Aquiles disposto a transpor as muralhas de Tróia por gloria e em nome de seu povo, não existe mais um Heitor capaz de dar sua vida em defesa de sua nação. O “herói” moderno luta individualmente, busca seu próprio espaço em nome próprio. Seus obstáculos não são monstros marinhos, como os enfrentados por Odisseu, ou leões gigantescos da região da Nemeia. O herói moderno enfrenta a si mesmo, dia após dia. Tornou-se indiferente ao mundo.
E essa postura de indiferença do homem moderno que naturalmente promove um resgate da tradição oral. A poesia cantada como a de Homero funcionou como elemento agregador do povo grego. Forneceu a eles o conceito de nação. Era uma literatura com fins políticos, mas isso não significa que não fosse arte.
O premio Nobel é um reconhecimento publico que acompanha o progresso tecnológico de seu tempo. A musica dissemina sua mensagem de forma mais clara que a escrita. Somos mais receptivos aos sons. A primeira manifestação daquilo que sentimos em vida nos expressamos através do choro. Um bebe que chora busca chamar a atenção para algo que se sente. Os sons são à base de nossa expressão sentimental!
Literatura é musica? Depende do que você considera literatura. Eu particularmente acho que a função da literatura é preencher nosso vazio com palavras e ocasionar alguma forma de reflexão. Não me importa se essas palavras são faladas ou se são escritas... o que me importa é que elas não deixem de serem ditas!
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

TECNOLOGIA: CIMENTO DA ÉTICA?


Somente em retrospecto é possível avaliar o grau de influência de um determinado fato social dentro do seu contexto de atuação. A sociologia surge, portanto, como uma forma mais elevada de estudo, eu diria genealógico, dos núcleos de valores éticos coletivamente aceitos. Se nos propusermos um resgate dos fundamentos metafísicos que preenchem os valores éticos da atualidade veremos que a imagem do progresso tecnológico como fundador da moral coletiva é incorreta. O progresso tecnológico não determinou as regras de conduta social ela apenas expôs os benefícios dessa conduta dentro de uma sociedade altamente industrializada.
Um dos valores éticos mais valorizados é o do individuo esforçado e trabalhador. Encarado desta forma é fácil se deixar levar pela conclusão de que a linha de montagem - introduzida nas indústrias no final do século XX sob os símbolos do Fordismo e do Taylorismo - criou o conceito moral de trabalhador. O que esse método criou foram exemplos do conceito, mas não o conceito em si. Indivíduos que abraçassem essa ética trabalhariam mais, produziriam mais e, ao menos em teoria, seriam mais beneficiados.
O que se observa na grande maioria da população é que os valores ligados ao trabalho possuem uma base religiosa, nos que possuem alguma forma de crença no sobrenatural, e uma base psicológica, entre os desprovidos de qualquer crença. Para os mais religiosos o trabalho possui valor porque é através dele que se fundamenta a idéia de existência posterior, ou seja, somente através do trabalho o homem agrada a Deus e conquista seu lugar no paraíso.
Para os ateus o valor do trabalho se origina na idéia de superação, isto é, numa forma discreta de satisfazer seu próprio ego através da determinação de um objetivo e da sua posterior conquista. Alguns preferem ver nisto um mecanismo inconsciente de controle cujo objetivo seria preencher o vazio deixado pela ausência da fé. Mas quando se trata da mecânica da mente não parece haver motivos para buscar a lógica em meio ao fluxo inconsciente de idéias. Para o ateu a idéia do imprevisível, do indeterminado é muito perene. Essa proximidade constante da duvida cria uma tensão que oprime e sufoca o individuo. A realidade sempre se manifesta entre o individuo e os seus desejos, e a forma mais satisfatória de contornar essa realidade é fortalecendo o ego diante dela.
Fortalecer o ego significa superar a própria idéia de insignificância, criar a ilusão de que nenhum objetivo está aquém do seu esforço, de que todos os aspectos da sua vida podem ser moldados segundo a sua vontade. De alguma forma esses valores podem parecer vazios, é de fato o são, mas não deixa de ser interessante observar como o vazio é capaz de funcionar perfeitamente como elemento motivador.
O progresso tecnológico é quase sempre condicionado ao progresso da ciência. No entanto, a ciência ligada à indústria consiste numa valorização da ciência com valor pratico e não a ciência verdadeira, ou seja, aquela cujo objetivo é compreender os mecanismos da natureza. Para o industrial de nada vale compreender que a matéria se constitui de átomos se essa descoberta não direcionasse a alguma forma de ganho financeiro. Para o industrial a ciência não possui um fim em si mesma, ela é apenas um degrau para a dominação da natureza e transformação de seus elementos em recursos.
Diante de um evento trágico poderíamos dizer que a tecnologia age no sentido oposto aos valores morais. Diante de uma cena como uma mulher sendo agredida muitos diriam que o celular poderia contribuir com os valores éticos, pois seria a forma mais rápida de se invocar a força policial. Na pratica a realidade é bem outra! Adepto do papel de espectador é bem mais provável que diante de tal cena o celular seja utilizado para registrar o fato que posteriormente seria propagado pelas redes sociais com o irônico titulo: “Violência contra a mulher! Até quando continuaremos indiferentes diante desta realidade?”.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

terça-feira, 4 de outubro de 2016

A OUTRA VOLTA DO PARAFUSO


O terror quase sempre se manifesta por meio da morte. O medo do desconhecido e da perda são fenômenos que caracterizam narrativas góticas. Alguém sempre morre! É preciso uma vitima que desencadeie o processo do medo. Em “A outra volta do parafuso” a primeira vitima é a inocência.
Em uma noite de 25 de dezembro um grupo de amigos se reúne em uma velha casa de Londres para contar historias de terror. Um deles, chamado Douglas, relata conhecer a mais terrível de todas. Trata-se da história de uma governanta – cujo nome não é mencionado em nenhum momento – contratada para trabalhar em uma enorme propriedade na região de Bly, Inglaterra. Sua função seria cuidar da pequena Flora e do encantador Miles, sobrinhos do rico proprietário da mansão, um homem aparentemente muito ocupado que a encarrega de tomar todas as decisões necessárias para cuidar das duas crianças. Pouco depois de sua chegada em Bly a governanta começa a ser atormentada pela visão de dois fantasmas e é em torno destas misteriosas aparições que o enredo se desenvolve.
Mesmo não tendo achado a narrativa cativante e a história muito envolvente ainda assim considero “A outra volta do parafuso” uma grande obra é uma das mais assustadoras historias que já li. A grandeza desta obra somente começa a emergir quando a leitura chega ao fim, isto porque somente após concluir o texto e que podemos desconstruir suas camadas literárias e enxergar a surpreendente interpretação psicológica por trás do texto.
Existem basicamente duas linhas de interpretação para a obra de Henry James. A primeira parte do principio de que os fantasmas vistos pela governanta de fato existiam e a história se resumiria portanto a uma mulher assombrada por dois seres do além que agem em conjunto com as duas crianças. Nessa interpretação encontramos espaço tanto para o debate quanto a existência de vida após a morte, quanto para a questão do grau de inocência das duas crianças. Ate que ponto dois seres aparentemente inofensivos podem se tornar a fonte do mal?
A segunda linha de interpretação parte do principio de que os fantasmas não existiam e que, portanto, eram uma projeção mental da própria governanta no sentido de tornar legitimo suas atitudes. É exatamente essa linha de interpretação que torna “A outra volta do parafuso” uma história assustadora: a governanta era naturalmente ruim é o seu desejo incontrolável de fazer o mal sobrepujava sua vontade de fazer o bem. Inconscientemente ela criava a existência de duas figuras assustadoras para que por meio delas pudesse torturar as duas crianças através do medo. Temer o que não se vê: eis o poder cruel da sugestão. Era ela que torcia cada vez mais o parafuso da espiral de paranóias de sua mente.
Em primeiro lugar nenhum outro personagem viu, ou alegou já ter visto em outra ocasião qualquer, um ou os dois fantasmas alegados pela governanta. Ao longo do texto os dois fantasmas são associados a dois antigos empregados da residência: a Sra. Jessel, preceptora anterior da pequena Flora, e o Sr. Quint, antigo funcionário e muito próximo de Miles. O Sr. Quint e a Sra. Jessel pareciam ter tido um caso amoroso que naturalmente chegou ao fim com a morte de ambos.
No entanto, quem diz que as duas figuras vistas pela governanta são os fantasmas de Quint e Jessel é outra funcionaria da propriedade, a Sra. Grose. É ela quem associa a descrição física da governanta aos dois antigos empregados. A própria Sra. Grose nunca chegou a ver os dois fantasmas, nem mesmo na ocasião em que a governanta se encontra na sua presença e alega ter uma das figuras assombrosas diante de seus olhos. Ocasião esta em que pela primeira vez levantamos duvidas sobre a sanidade da personagens. Alguns outros mistérios do enredo contribuem para desviar nossa atenção como o fato do pequeno Miles ter sido expulso da escola depois de ter dito “algumas coisas”.
Se atentarmos para as etapas de construção do estado de paranóia veremos o quanto a obra de Henry James é atual. A mídia hoje está cheia de exemplos de indivíduos que matam ou perseguem figuras publicas. São indivíduos solitários que encontram na imaginação o amparo para sua existência privada do contato humano. O que ocorre na mente de tais indivíduos? Seria uma pretensão absurda afirmar qualquer coisa sobre a mente humana, mas existem teorias que são no mínimo bastante satisfatórias. Inicialmente essas pessoas criam em sua mente um ideal de beleza e de personalidade. Junta-se um nariz perfeito e um cabelo loiro em um corpo de silhueta definida. Um sorriso alegre, um olhar melancólico e uma voz suave dão forma e uma personalidade humilde e carismática! Pronto, está construído o monstro que cada dr. Victor Frankestein se predispõe a construir a partir de seus gostos cognitivos.
Acontece é que na grande maioria dos casos essas pessoas possuem uma imaginação tão deficiente que para criar esses ícones máximos de admiração busca-se um elemento de referência, que pode ser tanto um rosto quanto um estilo de vida considerados como perfeitos. Com o passar do tempo essa realidade fabricada se torna cada vez mais distante, cada vez mais impossível de ser alcançada. Nesse momento o sonho se transforma em pesadelo. O que antes era um objetivo torna-se fonte de sua tormenta. Adquire-se um ódio que não pode ser contido e que acaba sendo direcionado para aquele objeto que anteriormente havia sido fonte de admiração. Busca-se matar o próprio ídolo, como bem disse J.D. Salinger.
Mas onde exatamente essa teoria se aplica ao enredo de “A outra volta do parafuso”? O primeiro contato que a governanta tem com um dos supostos fantasmas revela muito dos elementos que fomentam esse estado de paranóia construído pela necessidade de afeto:
“Tudo começou numa tarde, bem no meio da minha hora: as crianças estavam na cama e eu saíra para dar minha caminhada. Um dos pensamentos que, como não reluto nem um pouco em revelar agora, costumava acompanhar-me nesses passeios era o de que seria tão encantador quanto uma historia encantadora encontrar alguém de repente. Alguém apareceria na curva de uma alameda e pôr-se-ia diante de mim, sorriria e demonstraria sua aprovação.”
Em seu momento de lazer ela sonha encontrar alguém em seu caminho, alguém com quem possa dividir suas experiências e seus sentimentos. A casa ficava em uma região afastada, cercada por bosques, seria muito difícil encontrar alguém simplesmente vagando por ali. Essa certeza massacrava seu desejo, pois entre o desejo e o mundo existe a realidade. Seu sonho de encontrar alguém tinha a imagem de uma figura afetuosa, mas o que ela viu naquele dia foi o pesadelo de uma figura assombrosa em uma das torres da propriedade. Esse pesadelo foi se tornando cada vez mais apreensivo à medida que as aparições foram aumentando e a história do passado da própria residência, ou melhor dizendo, das pessoas que moravam lá, foram sendo desvendados pela governanta. Sua paranóia se intensifica com o enredo.
Imagine um ponto preto no centro de uma tela branca. Se a tela tiver sua área reduzida o ponto ocupará mais espaço no seu interior ainda que seu tamanho não se altere. Esse exemplo é muito utilizado nas artes visuais para exemplificar que qualquer forma de percepção visual se altera de acordo com as modificações do espaço que delimita essa percepção. Através da transposição deste conceito do campo das artes visuais para a literatura torna-se possível compreender a influência do enredo sobre a psicologia dos próprios personagens. O enredo, como moldura, circunscreve o contexto e a percepção desse contexto ocorre pelos personagens por meio de sua própria consciência.
Em determinado momento a evolução do processo de paranóia chega a expor o senso de vulnerabilidade da própria governanta que atribui significados arbitrários aos acontecimentos e passa a estabelecer uma relação de causa e efeito. Ela chega a se convencer de que os espíritos dos antigos empregados possuem maior domínio sobre as crianças do que ela própria.
Trata-se de uma historia fácil de ser resumida, mas difícil de ser comentada sem recorrer a spoilers. Para não quebrar o interesse do leitor pela obra me limitarei apenas ao que já disse ate aqui. Para terminar posso dizer apenas que quem se propuser a ler está estranha obra de Henry James, com a atenção necessária para compreender o seu significado, vai se surpreender com uma história de fantasmas onde os vivos são infinitamente mais assustadores que os mortos.
AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO
A OUTRA VOLTA DO PARAFUSO
Autor: JAMES, HENRY
Tradutor: BRITTO, PAULO HENRIQUES
Editora: PENGUIN COMPANHIA
Nº de Páginas: 200

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